Caminhar fugindo às lesões e ao tempo perdido

Para pessoas com doenças cardíacas ou articulares, o desconforto e a dor devem ser os avisos suficientes para parar a marcha (Foto: Sara Matos/Global Imagens)

Os dias quentes convidam a caminhadas à beira-mar, em espaços verdes, em montanhas. Mas há cuidados a ter para evitar lesões e tempo perdido. Especialistas avançam alguns conselhos.

Há quem diga que uma caminhada pode ser um bom ponto de partida para uma vida mais saudável e ativa. Já encaixa no cliché de uma consulta médica: “Faz exercício físico? Devia caminhar”. No entanto, poucos sabem verdadeiramente o poder da marcha, seja pelas vantagens, seja pelas desvantagens. Apesar de ser um exercício físico de baixa intensidade, nem todos o fazem corretamente. E quando se torna um hábito, a caminhada pode já nada fazer pela nossa saúde.

“Tendo em conta que a maioria da população é sedentária, a caminhada como atividade física de gasto calórico vai ser sempre benéfica”, defende Dário Pinto, treinador pessoal no Elite Fitness Studio, no Porto. A maioria das pessoas que se iniciam nas caminhadas fazem-no por necessidade: para controlo de determinadas doenças (obesidade, diabetes, hipertensão arterial) e para reduzir o stresse e a ansiedade.

Ana João Martins, médica na Unidade de Saúde Familiar Bracara Augusta, em Braga, diz que o exercício físico entra nas receitas médicas em Portugal. “Prescrevo com frequência as caminhadas quer a utentes principiantes, quer a utentes praticantes de outras atividades físicas”, revela à NM. Os médicos podem atualmente definir “o tipo, a frequência, a duração, a intensidade e a regularidade” do exercício.

Outro dos fatores que não entra de forma tão imediata no leque das vantagens é a caminhada em grupo, embora a médica de Medicina Geral e Familiar garanta ser tão ou mais importante do que os benefícios clínicos. “Promove e melhora as relações interpessoais e é mais seguro para o caso de alguém se sentir mal, tendo quem o auxilie”, destaca.

A caminhada não é assim tão fácil

Embora pareça fácil e acessível a qualquer tipo de pessoa, a realidade das caminhadas não é assim tão definitiva. Como em todos os desportos e atividades físicas, há que ter cuidados consoante o estado de saúde do “atleta”. “As pessoas que têm excesso de peso devem ter cuidado em terrenos com subidas. Estamos a carregar o nosso próprio corpo e devemos evitar lesões nos joelhos e tornozelos”, esclarece Laís Reis, treinadora pessoal há dez anos.

Um exame médico prévio ao início das caminhadas torna-se necessário caso não se treine há muito tempo, se houver alguma doença ou lesão recente no currículo, ou se o peso for elevado. Para Paulo Colaço, professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, o fundamental para ser bem-sucedido nestas lides é o foco. “É importante variar os ritmos de marcha e as inclinações. Se mantivermos sempre o mesmo nível de intensidade, não vamos registar melhorias”, afirma.

Contudo, a evolução deve ser feita com cautela e consciência. Por essa razão, quando a caminhada se torna coisa séria, a procura de aconselhamento técnico não é despropositada. “À medida que a condição física melhora, devemos escolher percursos mais exigentes, mas com atenção a condições especiais, tais como problemas articulares”, avança Paulo Ah Quin, “regional master trainer” do Holmes Place.

A maioria dos especialistas ouvidos pela NM reconhece que a prática isolada da caminhada não é eficaz para manter um corpo saudável. A marcha deve ser complementada com outro tipo de reforços, como exercícios de força ou de musculação. “As caminhadas são como o paracetamol. Todos tomam quando estão com dores e não precisam de ir ao médico. No entanto, nem sempre o paracetamol é suficiente para determinada doença”, assinala Laís Reis.

Sim às descidas e subidas

A obsessão pelo número de quilómetros e de minutos de caminhada é desnecessária, sublinha Paulo Colaço. “É melhor aumentar a qualidade do que a quantidade nos treinos – excessivamente longos podem não ser a melhor opção.” O docente universitário sugere ainda terrenos mais acidentados para a prática da caminhada. “As descidas e subidas promovem adaptações musculares no nosso corpo”, conclui.

“A caminhada deverá ser sempre uma atividade em que o utente se sinta confortável e confiante em realizar”, aconselha a médica Ana João Martins, tendo sempre presente que a evolução dos percursos e da intensidade é fundamental.

Para pessoas com doenças cardíacas ou articulares, o desconforto e a dor devem ser os avisos suficientes para parar a marcha. No caso dos diabéticos, programar a duração da caminhada é indispensável, para evitar baixa concentração de açúcar no sangue.

Para os maiores de 18 anos, a Organização Mundial de Saúde indicou 150 minutos de atividade física de intensidade moderada por semana. Já para crianças e adolescentes, o número é de 60 minutos de intensidade moderada e alta por dia. Para Ana João Martins, no caso dos adultos, 30 a 60 minutos de caminhada, quatro a sete dias por semana, é a melhor receita médica que se pode prescrever a um utente.

Conselhos e cuidados

As vantagens da prática de caminhadas são inúmeras, da melhoria do sistema cardiovascular e pulmonar ao fortalecimento dos ossos, redução da massa gorda, resistência aeróbica e diminuição do stresse. A NM ouviu os especialistas e reuniu cuidados a ter, passo a passo.

Antes:
– Planear o percurso e sua duração: pode ser necessário levar um reforço alimentar
– Ter atenção às condições meteorológicas: evitar períodos de calor e tempestades
– Conhecer “pontos de abastecimento”: lugares com acesso a água e a sombra
– Realizar um aquecimento de cinco a dez minutos: rodar tornozelos, ancas e joelhos
– Atenção ao estômago: não iniciar a caminhada em jejum

Durante:
– Equipamento adaptado: roupa leve, fresca e de algodão no verão, para não causar fricção
– Colocar protetor solar: sempre que o sol espreita, em qualquer estação do ano
– Ter um chapéu transpirável: a cabeça é um dos membros do corpo que mais transpira
– Recorrer a apoio: usar bastão de caminhada para terrenos mais acidentados
– Usar calçado adequado: leve, confortável e impermeável, adaptado a corridas ou trails
– Levar mantimentos: reforço alimentar em caminhadas longas e água em qualquer percurso
– Precauções: no caso dos doentes hipertensos ou coronários, ter um medidor de frequência cardíaca
– GPS é opcional: pode dar motivação, além de informações sobre velocidade e distâncias

Depois:
– Recuperar o corpo: alongamentos de cinco a dez minutos, de forma a evitar lesões e dores corporais
– Hidratar-se: com água e não com outras bebidas