Jejum: sim ou não? Cada corpo suas refeições

Ao regularmos as refeições, protegemo-nos do impulso

O jejum faz bem. O jejum faz mal. Comer muitas vezes ao dia. Comer pouco a partir de certa hora. Em que ficamos? O importante é respeitar o ritmo de vida e o nosso estado de saúde.

Laura Frederico já não era muito de lanchar. Respeitava o almoço e o jantar e, por norma, não prescindia do pequeno-almoço. Isto até há coisa de dois meses e meio, quando começou a fazer jejum. “Foi opção minha e ainda é uma descoberta. Continuo a investigar.”

A atriz de 33 anos tem algumas intolerâncias alimentares. Por causa disso, começou a ser seguida por uma nutricionista e mantém uma dieta “bastante regrada e equilibrada”. Mesmo assim, não raras vezes, sentia “quebras de energia”, “moleza”, logo após comer. “E uma fome muito grande antes da hora de almoço”.

A conversa de alguns amigos despertou-lhe curiosidade. “Ouvia as experiências deles sobre o jejum e comecei a pensar.” Leu alguns artigos para complementar. “O jejum ajuda o corpo a autorregular-se, a ter tempo para desinflamar, para se curar. Até é recomendado a pessoas com cancro.”

A decisão ainda não tem muito tempo “mas já dá para ver” que se sente bem. Fundamenta: “Tenho muito mais energia ao longo do dia, controlo muito mais o apetite, sem ter variações de humor por causa da fome, e sinto-me menos inchada.”

Laura garante que não está a ser radical. “Se houver dias em que me sinto mais fraca, por exemplo, porque estou com a menstruação, tomo o pequeno-almoço e lancho se achar que preciso. O que faço é sempre com muito respeito pelo meu corpo.”

O segredo está em beber bastante água e reforçar o almoço e o jantar. “Se não beber água acho que não consigo fazer jejum. Se as refeições não forem boas, consistentes e equilibradas, sei que não vou aguentar muito tempo sem comer.” Todos os dias, entre as 19 e as 20 horas, come pela última vez. “Tem de ser cedo. Depois de jantar não como mais nada.”

Quem se apercebe destas rotinas faz-lhe perguntas. Laura vai contando que faz jejum pela sua saúde, “não porque toda a gente faz”. E muitos dos que a ouvem também decidem experimentar. “Tem de ser dentro dos limites físicos de cada um e de acordo com a vida de cada um.” E assegura que a sua nova filosofia não lhe altera a vida social.

O jejum e o supérfluo

Os hábitos de Laura não coincidem com a maioria da população. Segundo o último Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física, 85% dos portugueses tomam o pequeno-almoço, o almoço, lancham e jantam. As outras refeições já são menos frequente, como comer a meio da manhã ou cear. “É um padrão claro”, resume José Camolas, vice-presidente do Departamento de Especialidades da Ordem dos Nutricionistas, assim como nutricionista do Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital de Santa Maria e dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa.

O especialista faz, no entanto, questão de recuar no tempo para enquadrar o jejum. “Os humanos começaram por se alimentar de forma oportunista. Quando arranjavam o que comer comiam, pois havia pouca capacidade de aprovisionamento.”

A partir do Neolítico dá-se a revolução. “Passámos a ter comida disponível para mais do que um dia e começámos a restruturar as refeições, a criar hierarquias em relação aos alimentos.”

Ou seja, o jejum não é um conceito estranho ao ser humano. Mesmo quando os rituais à volta da mesa começaram a ser possíveis, o jejum existia por outras vias, como a religião. É o caso dos católicos e dos muçulmanos, que ainda o continuam a praticar. E esses acabam por ser fatores identitários para algumas civilizações.

O que é distinto das sugestões atuais. Aquilo que hoje em dia se encontra nestas propostas de jejum deriva de outras áreas de conhecimento, da bioquímica, da biologia, da genética, “que nos trazem um pouco esta ideia de que as células não convivem bem com o supérfluo energético constante e que [o jejum] pode fazer sentido à regeneração celular.”

José Camolas prossegue: “Quando submetemos as células a um jejum, obrigamo-las a fazer reciclagem das estruturas. A célula utiliza como fonte energética alguns dos seus elementos e por isso recicla-se e metaboliza o lixo, o resíduo”. Algo que “faz sentido na perspetiva do supérfluo alimentar”. Isto é, se as células estiverem constantemente submetidas a um excesso de alimentos. “Esse é o grande desafio das sociedades modernas que não se confrontam com a falta de comida.”

Os radicalismos é que não são bem-vindos. “Encontro muitas vezes alegações de que o padrão alimentar x é melhor do que o y. Que o jejum é ótimo para perder peso ou viver mais anos.” Mas a verdade é que “vai ser mais ou menos eficaz em pessoas diferentes”, em função do seu ritmo de vida e do seu estado de saúde. “Assusta-me e preocupa-me quando se passa a mensagem de que o jejum é bom para isto e para aquilo, porque retira o padrão protetor das refeições.”

O médico diz que “o corpo deve saber o que pode esperar de nós”. Se tivermos um comportamento errático a regulação hormonal vai andar sempre a correr atrás do prejuízo. “E nós precisamos de estabilidade metabólica e hormonal. Se andarmos sempre no pára/arranca vamos estragar mais o carro do que se fizermos muitos quilómetros seguidos com ele.”

Ao regularmos as refeições, protegemo-nos do impulso. “Se tiver o padrão enraizado de só almoçar e depois jantar ficamos menos sensíveis aos estímulos externos.”

Sendo latinos e mediterrâneos, também não podemos esquecer que o valor da alimentação vai além do alimento em si. “Fomos nós que levámos esta questão para outro nível.”

E se os hábitos sociais ligados à alimentação vierem a mudar, há ligações familiares, de extrema importância, que se podem alterar. A solução é ter capacidade de gerir o que comemos e os valores sociais do momento da refeição.

“Há muitas famílias para quem o jantar é o momento do encontro, em que se juntam para preparar a refeição. Ou quando alguém faz um agrado ao outro, preparando-lhe o que mais gosta. Isto é importante do ponto de vista social.” Algo que só nós, humanos, devemos ter: o prazer de partilhar uma refeição.