Há uma lusodescendente focada em empoderar os amputados. Usa diversos materiais, e sobretudo a imaginação, para fazer com que as diferenças, em vez de escondidas, sejam realçadas.
Sophie de Oliveira Barata tirou o curso de Efeitos Especiais para Filme e Televisão na University of the Arts, em Londres, mas a única peça que conseguiu fazer com destaque nessa área foi uma cabeça para o filme “Nuit de chien” (2008), do realizador Werner Schroeter. Hoje, a designer de próteses recorda o episódio com graça: é que nunca lhe pagaram pelo trabalho. Sem ressentimento. A vida acabou por afastar o cinema dos seus horizontes. Em vez de efeitos especiais, dedicou-se às próteses realistas, numa das maiores empresas britânicas do setor. Um trabalho cheio de dignidade mas que não realizava totalmente a lusodescendente, filha de um português e de uma inglesa, que viveu em Loulé e Cascais entre os três e os dez anos. Até que conhece Pollyanna Hope. A menina tinha dois anos quando um autocarro galgou o passeio e a atropelou, esmagando-lhe a perna direita, ferindo a mãe e matando-lhe a avó. Aos oito já tinha usado 12 próteses. Era um corpo em crescimento. Sophie acompanhou-a. Anualmente, a criança pedia um modelo diferente. Primeiro, quis porquinhas Peppa a andar de bicicleta e a comer gelados. Depois, uma cena de Natal. Mais tarde, as fotos da família. O encontro das duas era sinónimo de entusiasmo. Sem saber, a pequena estava a desinquietar Sophie.
A dada altura, a designer não conseguia pensar noutra coisa. Tinha de poder fazer o mesmo por outras pessoas. Só precisava de encontrar um embaixador com ousadia no sangue. Num impulso, escreveu no Google: “model”, “amputee” (modelo, amputada). A primeira imagem que lhe apareceu foi a de Viktoria Modesta, cantora e artista que nasceu com uma malformação na perna esquerda. Aos 19 anos, e após 13 operações, optou por amputar a perna. Era a pessoa ideal. Corria o ano de 2011. E assim nascia o Alternative Limb Project.
Entretanto, Viktoria já tem uma perna estéreo e uma prótese cintilante com dezenas de brilhantes, espelhos e cristais, patrocinada pela Swarovski. Outras das suas clientes são a atleta paralímpica Stefanie Reid, a nadadora Jo-Jo Cranfield e a modelo Kelly Knox.
Na lista também há soldados, bem como outros desportistas e artistas. Para todos, Sophie desenhou próteses personalizadas, de mãos, pés, pernas ou braços. Usando materiais como madeira, silicone, vidro, cristal, metal, chumbo ou lasers, reflexo da personalidade e imaginação de quem a procura. São membros futuristas, verdadeiras obras de arte, que por vezes necessitam de especialistas de outras áreas, como robótica, para garantir que a nova peça se conecta em pleno com o corpo. Cada prótese pode demorar dois a três meses a ser desenvolvida. E o custo pode atingir os 10 mil euros.
Celebrar os novos membros
Sophie continua a fazer as próteses realistas; é com elas que consegue um salário. À “Notícias Magazine” revelou as números. “Fiz mais de 300 membros de aparência realista e 30 peças alternativas.” São estas últimas que lhe enchem a alma. As mais desafiantes foram o braço Vine, para a modelo Kelly Knox. E o braço biónico Snake, inspirado na personagem principal do videojogo “Metal Gear Solid”, que James Young acoplou ao corpo e lhe permite carregar o telemóvel e usar um drone.
Quem usa as criações de Sophie não duvida: é um bom investimento. Depois de anos a conviverem com a deficiência e a amputação, têm a oportunidade de realçar a diferença com orgulho. “Senti que faltava criatividade à indústria, que não representava as pessoas que queriam celebrar os seus membros de uma maneira nova e diferente.” Por isso, achou que “criar designs estranhos e peças isoladas poderia ajudar a mudar as perceções sobre a deficiência, tirando o foco ao que falta e concentrando as atenções no que está lá”. Nos últimos anos, Sophie tem apresentado as suas peças em exposições e museus, levando o conceito que criou “a um público mais amplo”. Não há empoderamento maior do que assumir e celebrar quem se é ao Mundo.