Jorge Manuel Lopes

Bendita era Margarida


Margarida Pinto foi a voz dos Coldfinger durante boa parte do que já aconteceu deste século (de 2000 a 2013), dando voz sobretudo a pop eletrónica e suavemente dançável. No meio deste percurso, uma carreira a solo nasceu em “Apontamento”, de 2005, a que se seguiu um EP, “A Aprendizagem de Margarida Pinto”, quatro anos depois. E por aí se ficou.

O tempo que passou não foi tempo perdido e “Todas as Coisas”, o regresso, é um álbum com as roupas e o ambiente de 2020. É crível que o classicismo nas formas das canções e nas ferramentas venha ganhando terreno, mas “Todas as Coisas” mantém notórios alicerces digitais na maioria das canções. Em vários momentos, a sua voz aproxima-se de Susana Félix – no refrão do tema-título; em “Astronauta”, com um riff florescente de sintetizador que pode tornar a canção viral; ou em “Bela Manhã”, os lençóis da cama luminosamente desalinhados. Também há tempo e espaço para momentos de arrebatamento e emoções mais lineares: “Mundo perfeito” é balada com piano, cordas e Eurovisão; “Não Estou Pronta” idem, embora montada sobre um crescendo amparado por um coro sintético. Mais à frente, uma voz cuja humanidade foi pixelizada evoca a britânica FKA Twigs e seu r&b futurista: a canção chama-se “Bendita Era Eu” e foi em boa hora recuperada de 2016. Recuperação mais profunda encontra-se em “Manual de Sobrevivência”, versão inspirada, e dominada por piano e guitarra uivante, de um tema de Xana do álbum homónimo de 1998.

“Todas as Coisas” tem produção elástica e sábia de Frederico Pereira, que andava por territórios não especialmente próximos (registou Helder Moutinho, Gisela João). Aqui, lança Margarida Pinto para um primeiríssimo plano. Um canto com várias faces, sempre exposto, ora imparável, ora lânguido, ora esboroando-se mudamente, como na autoexplicativa (e subtil, e sem arremedos de pieguice) “Tudo Vai Ficar Bem”. Com uma certeza: “Todas as Coisas” ficou mais do que bem.