
A maternidade é a normalidade em tempos de anormal reclusão, em que a morte e a doença entraram no léxico diário de todos. São bebés que nasceram na hora certa num Mundo virado do avesso pelo surto de Covid-19, obrigando as mães, as que se estreiam e as que se repetem, a superar os desafios do quotidiano cerceado. Em Portugal, a vida renovou-se quase 2 500 vezes em 15 dias de pandemia. E só isso é alimento para a esperança.
São dias planos, atípicos, encerrados. À hora certa, os televisores e os jornais vertem diariamente a contagem de infetados, sempre a subir, ainda que, num sopro de alívio vivido coletivamente pelo país, seja menos severa do que em Espanha ou em Itália, onde tudo inspira terror. Fala-se de mortes às centenas. O bicho invisível, o tal coronavírus, está em todas as conversas. Por estes dias, o hospital é um sítio de medo, medo de contaminação insuspeita, só por lá se estar. Mas há mais do que doença pelos corredores asséticos, há os choros dos bebés, alheios à pandemia, que furam a entrada num Mundo virado do avesso. Entre 16 e 27 março, com o país em estado de emergência, o Instituto dos Registos e Notariado contabiliza 2 419 nascimentos e outros tantos na quinzena anterior.
É esta vida que se renova e introduz a normalidade na anormalidade dos nossos dias. “Ter o primeiro filho nesta pandemia é uma aventura”, desabafa Diana Silva, tripulante da ambulância do INEM, que subitamente se viu enclausurada e longe da família. Não foi assim que sonhou ter a Mariana. Cathlen pediu à mãe para vir do Brasil até Bragança para ter alguém ao seu lado na hora pequenina do Luciano, mas Deiza ficou do lado de fora. Catarina Lé, de Águeda, foi deixada às 8 horas do dia 28 de março à porta da Urgência do Hospital de Aveiro pelo marido e pelos dois filhos, João e Mariana, de seis e de três anos, e só voltaram a ver-se três dias depois, com a família a conhecer a pequena Marta no carro, a poucos passos da entrada daquela unidade hospitalar. “O pai e os pequenitos foram levar-me à Urgência e só viram o bebé quando foram buscar-me novamente. O João percebe que anda por aí um vírus e temos de ter cuidado. A minha pequena de três anos teve saudades da mãe.”

(Foto: Leonel de Castro/GI)
Catarina, a cantora Emmy Curl, é uma mãe de colo ainda vazio, que supera diariamente os desafios da prematuridade. Célia Santos, a nómada cigana que se alimenta de jornas em Carrazeda de Ansiães na falta das festas populares onde vende brinquedos, é o amor do aldeão Gouveia, que duvida da letalidade do coronavírus e mantém uma vivência em comunidade, onde os maiores obstáculos são a sobrevivência e a pobreza. A bebé Luciana juntou-se a 28 de março a Mayara Nazaré, de cinco anos, mas o vírus não mudou os hábitos da comunidade. Têm mais medo dos efeitos na carteira do que na saúde, atenta Gouveia. Vê os “países paralisados” por um bicho que aceita com descrença. “É igual”, afasta Célia, num encolher de ombros. “Não temos cuidados especiais”, remata, mas, pelo sim pelo não, as meninas vão ficando por casa. Uma casa delapidada, onde o maior conforto é a brasa da lareira que aquece e alimenta com as “novidades” brotadas da terra.
A maternidade é a cola destes retalhos de diferentes vivências, profundamente condicionadas por um visitante indesejado e atrevido que voou da China e mudou os planos das novas mães e até das reincidentes, habituadas ao tremor de terra afetivo que é um recém-nascido.
Dar vida numa solidão forçada
Ao quarto parto, nascer é um verbo que Ana Vitorino, de Santarém, conjuga com tranquilidade e desarmante desembaraço. Dhara é a quarta a nascer numa família com três meninas e um rapaz. Todos com identidade ordenada pelo alfabeto. “Foi um parto rápido e sem epidural. Eu gosto muito pouco de lá estar, só vou para o hospital quando sinto que está quase”, conta Ana, que encontrou o Hospital Distrital de Santarém “completamente vazio”, sem vivalma nos corredores. Era de madrugada, a madrugada do dia em que a Organização Mundial de Saúde havia de declarar a pandemia: 11 de março de 2020. “Vai ser um dia histórico, para ninguém esquecer”, atira a mãe, de 34 anos, com a memória cristalina do momento em que leu a notícia no telemóvel. “Ela vai dar este dia em História”, pensou, de olhos na pequenina que dormitava no berço ao lado.

(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)
Então, com 59 novos casos de infeção confirmados no nosso país (hoje são milhares) e nenhum óbito, ainda se experimentava a maternidade com relativa normalidade nos hospitais públicos. Curiosamente, Dhara foi a única filha que o pai viu nascer. “Foi o único parto a que ele assistiu e, às vezes, só atrapalham. É o que digo às outras grávidas para sossegá-las”, graceja Ana Vitorino, embora reconheça que “soube bem” ter a companhia do marido nos restantes dias do internamento. Foi o apoio, o companheirismo que faltou a Catarina, a Ana, a Ana Rita, a Cathlen e a Célia e esse lamento é expressado por todas, ainda que pese mais a quem se viu pela primeira vez no papel de mãe.
Ana Rita sonhou com um parto a dois e, a 1 de abril, ficou claro que o desejo não seria cumprido no Centro Hospitalar do Médio Ave por causa do surto maldito, com a agravante de Rodrigo, que teimou em manter-se sentado no ventre materno, ter de ser retirado por cesariana. A normalidade do quotidiano do casal já tinha sido beliscada, desde que a Covid-19 passou a fazer parte das conversas. Rogério é motorista de pesados e Espanha é o destino habitual. Com a infeção e a morte a escalarem na outra parte da Península Ibérica, Ana Rita e Rogério souberam o que tinham a fazer: o pai deixou o volante para se juntar à esposa grávida nas duas semanas que antecederam o nascimento do Rodrigo. O receio maior era o de trazer o bicho para casa.

(Foto: DR)
“É o primeiro filho dos dois e tínhamos planeado fazer tudo a dois”, revela a mãe, de 27 anos, de Santo Tirso, que não esconde o sobressalto que a assomou no hospital ao ser recebida por uma equipa a que nem a cara conseguia ver. “Estavam todos tapados com fatos de proteção. Transmite-nos segurança e, ao mesmo tempo, algum medo. Sabemos que é para o nosso bem.” Persuadida pela razão, não deixa de pesar a tristeza de ter sido tudo diferente. “O pai só viu o Rodrigo por poucos minutos. Subiu, esteve com o bebé e teve de ir embora.” Os dias de internamento que se seguiram pareceram-lhe uma eternidade.
Outra Ana, a 90 quilómetros de distância, em Vila Real, provou da mesma solidão contrafeita no prelúdio do Lourenço. Com o surto a agigantar-se no país. “Comecei a perceber que tudo poderia ser diferente do que idealizámos. Estamos tantos meses à espera e idealizámos tanto a chegada do bebé e, de repente, tudo deixou de fazer sentido com esta pandemia.” A luta pela segurança dos recém-nascidos e das mães decretou o isolamento. “Mais do que toda a gente, eu só queria ter o meu marido ao meu lado”, confessa Ana Martins.

(Foto: DR)
A Hélder só foi permitida uma entrada de fugida para ver a esposa e o filho, sem poder aninhá-lo no regaço e decorar-lhe as feições. Ficou a foto, ambos de máscara. Cinco minutos de um momento a três, depois a ausência e a ansiedade. “Ele estava muito ansioso, porque queria ver e sentir o seu bebé. Viveu sozinho tudo isto, enquanto eu podia distrair-me com o Lourenço. Quando nasce um bebé, nasce uma mãe. O pai estava em casa à espera que o tempo passasse e queria estar quase de hora a hora a fazer videochamadas”, recorda Ana Martins, sem melancolia. Regressada a casa, está grata por ter a mãe a acompanhá-la nesta viagem, ajudando-a a decifrar os choros do pequenito. O resto da família está longe e longe vai permanecer até que os abraços voltem a ser seguros.
Proximidade por videochamada
O dever de recolhimento deixou boa parte das novas mães sem o apoio habitual da família, que agora se comunica à distância. Têm de desembaraçar-se sozinhas, entre fraldas, cólicas, um cansaço que mói e noites mal dormidas, à espera que o surto amaine. As novas tecnologias são a chamada para acalmar a saudade, dentro e fora dos hospitais. Em Santo Tirso, Ana Rita Ferreira relembra o esforço dos médicos e dos enfermeiros do Centro Hospitalar do Médio Ave para tranquilizar as mães na falta da família. “Estar sozinha e não ter ninguém foi muito difícil.” Valeu-lhe a ternura das primeiras horas com o pequenino, de olhos rasgados e ar sorridente. Para o pai, reconhece a mãe de primeira viagem, de 27 anos, o vazio foi ainda maior. “Ele conheceu o filho através das videochamadas. O som das videochamadas era o que mais se ouvia no internamento. Todas as mães a usarem o telemóvel com os pais a falar do outro lado”, declara, com um sorriso.

(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)
Conformada com os desafios de uma realidade pandémica que ainda se estranha, também Catarina Lé discorre sobre o “isolamento diferente” que experimentou no hospital ao terceiro parto. De volta à reclusão domiciliária, o ecrã do telemóvel é a janela para o país. “Não estou com a minha mãe desde o encerramento das escolas. Custa-lhe não abraçar a neta. Só há telechamadas”, sorri, enquanto reconta o terceiro parto, igual e diferente de todos os outros. Os filhotes, João e Mariana, seguem-na de divisão em divisão, pulando entre gargalhadas. “Como não vem ninguém cá a casa, sempre que alguém liga ficam muito excitados”, explica, arregalando os olhos para, segundos depois, ser vencida pela fofura dos traquinas. A mãe, de 37 anos, tenta a fuga para dar tranquilidade à conversa. Os meninos redescobrem-na e tornam a cachinar. Foi um “turbilhão”, perceciona regressada à memória do dia 28 de março, fortemente amenizado pelo “empenho de todos os profissionais” do Hospital de Aveiro para minorar constrangimentos e garantir o bem-estar de todos. “Se, para nós, este período é angustiante, não há dúvidas de que a vida dos profissionais de saúde está envolta numa ansiedade constante. Apesar das máscaras, da falta de visitas, dos abraços, dos beijinhos de que tanto gostamos, os olhos de todos nós continuam a brilhar e a transmitir a segurança de que tudo vai ficar bem.”
Este isolamento cauteloso das parturientes, que se tornou a regra em quase todos os hospitais públicos, é controverso. A Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto já solicitou a reformulação das orientações sobre o acompanhamento das grávidas no parto à Direção-Geral da Saúde, tanto mais que a opção restritiva adotada pela generalidade das unidades não encontra sustentação nas orientações da Organização Mundial da Saúde. Este organismo internacional tem defendido o direito da grávida à escolha, o que, na opinião daquela associação, se justifica. “O apoio emocional e físico constante e ininterrupto” através de uma “figura de referência que a mulher conhece e em que confia” é “essencial para que esta se sinta segura” durante o parto, avisa.
Corre online uma petição pelo direito à presença de um acompanhante durante o parto, que reúne mais de 16 mil assinaturas. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa reintroduziu, na terça-feira, o direito ao acompanhante no parto e nas duas horas seguintes ao nascimento do bebé, desde que não tenha “sintomas sugestivos de Covid-19” e o teste de despiste à parturiente seja negativo. No entanto, o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, já se manifestou favorável à proibição de acompanhantes e de visitas na defesa das parturientes e dos recém-nascidos, lembrando que as novas regras terão um “limite temporal”. Um horizonte sem coronavírus que ainda não é possível conjeturar.
Mais 18% de nascimentos em hospitais privados
Na generalidade dos hospitais privados, o acompanhamento permanente das grávidas é mantido, ainda que obedecendo a regras mais robustas do que no passado recente. E, talvez por isso, março regista um crescimento significativo no número de nascimentos em unidades particulares em comparação ao ano transato. , Paula Arteaga, coordenadora do Bloco de Partos e Obstetrícia do Hospital da Luz Lisboa, que bateu o recorde de nascimentos no mês passado com 255 bebés, afiança que a “permissão das grávidas manterem acompanhante” foi um dos fatores decisivos. A Associação Portuguesa de Hospitalização Privada dá conta de, pelo menos, 1 100 nascimentos ao longo de março, um crescimento de 18% em relação a igual período de 2019.

Lília teve o Matias no Hospital da Trofa. Os nascimentos nas unidades privadas subiram 18% em março
(Foto: DR)
Lília Oliveira foi uma das mães em tempo de pandemia que escolheu dar à luz numa unidade privada. O Matias nasceu a 21 de março no Hospital da Trofa, isto depois do primeiro parto há cinco anos, da filha, Margarida, ter acontecido na unidade pública de Famalicão. Não foi o medo ao coronavírus que espoletou a decisão, mas, com o despertar do surto, reforçou a vontade. “Juntei o útil ao agradável”, sintetiza.
“Tive a garantia de que o parto era feito pela minha médica e senti-me mais segura por estar num local só para grávidas. O pai não assistiu à cesariana, mas esteve comigo no internamento. Quando chegou ao hospital, teve de mudar totalmente de roupa e ficar confinado comigo ao quarto”, frisa a mãe de Famalicão, que contou com o marido 24 horas por dia no período delicado de internamento hospitalar. “Ficou a dormir no hospital para não ir a casa e não haver contactos com mais ninguém naqueles dias.” Com a família materna em Penedono e a paterna em Proença-a-Nova, terão de desenrascar-se sozinhos. Já estão acostumados à distância. Ainda assim, será bem diferente da “casa cheia” por altura do nascimento da Margarida. Desta vez, a avó Dalinda não vem para dar uma mão e a migração familiar, pela qual todos ansiavam, ficará para depois.

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Lordelo, em Paredes, é hoje a casa de Diana Silva e de Rogério Reis, também eles com a família a suspirar de longe em Sever do Vouga e em Mondim de Basto. “Esta pandemia torna tudo um bocadinho mais difícil. Não conseguimos ter o apoio da família. Os nossos pais ainda trabalham, mas, noutros tempos, dariam apoio ao fim de semana”, suspira. Apesar de ambos serem técnicos de emergência pré-hospitalar do INEM no Porto, a mãe da Mariana, com 32 anos, sente-se como qualquer outra, a fazer tudo pela primeira vez. “Tratar dos bebés dos outros é fácil. Quando é o nosso, parece que esquecemos tudo o que aprendemos.” E agradecem por se terem um ao outro neste primeiro mês de total refúgio domiciliário. Pior será quando Rogério regressar ao trabalho, lá para o fim de abril. O surto dita a necessidade e não há mais tempo para os dois estarem a três. A profissão é de risco e à coragem do dia a dia soma-se o medo da contaminação.
“O regresso do Rogério ao trabalho preocupa-me, agora que o vírus está mais disseminado. Às vezes, parece-me que as pessoas fazem a vida normal e isso causa-me ansiedade.” Sem certezas e ainda muitas dúvidas, vai adivinhando os sacrifícios a fazer pela saúde da pequenina. “Se continuarmos fechadas em casa, ele não vai poder tocar na bebé nem em mim e vamos ter de dormir em quartos separados. Se ficar infetado, não vai saber logo e, por isso, não podemos arriscar.” São preocupações que tentam adiar. Uns dias mais, pois, por agora, vão gozando a doçura de Mariana.

(Foto: DR)
Apesar de Laurinha, o novo arco-íris da casa, ser uma “come e dorme”, Catarina Ferreira até agradece não ter tantas visitas a bater-lhe à porta. “Nem sempre é muito bom, porque estamos debilitadas”, justifica. Em casa e por estes dias de reclusão, o telemóvel é a extensão dos afetos familiares. “Falamos mais vezes do que no passado e sempre por telefone e por videochamada. Num momento difícil e de tanta angústia, receber um amor nos braços é a maior dádiva”, dita, de olhos postos na bebé Laura e na divertida Carolina, com a inquietude própria dos quatro anos, na expectativa de que o seu exemplo sirva de conforto a outras grávidas, a dias da maternidade. A face positiva deste triste surto, afirma a mãe de Penafiel decidida a manter-se otimista, é a maior proximidade entre a família de casa. “A parte boa desta pandemia acaba por ser a reunião familiar que, às vezes, não acontece, porque as nossas vidas são muito aceleradas. Como estão todos por casa, conseguimos estar mais tempo juntos e conviver muito mais.” Afinal, tem tudo o que mais precisa ao seu lado: o marido, as duas filhotas e a mãe para ajudar.
Visitas ao bebé pela janela
Colo materno é coisa que não falta a Cathlen Gallo, que, findo o percurso em Portugal, regressará ao Brasil com mais do que um mestrado em Gestão: levará o Luciano. A surpresa nesta estadia em Bragança. Não há oceano Atlântico que trave o amor de mãe e, mesmo com as muralhas pandémicas nas fronteiras que precisou de escalar, Deiza, enfermeira de Manaus especializada em cuidados intensivos, aterrou no Porto a tempo de abraçar a filha, que estuda na ponta norte de Portugal ao lado do marido Arisson. “A minha mãe veio do Brasil para estar comigo no parto. Não foi permitido e isso foi o mais difícil, mas os profissionais do Hospital de Bragança foram exemplares no apoio psicológico e muitos sensíveis” à sua solidão a prazo. Sem voos para regressar a Manaus, Deiza vai esperando por cá e mimando o neto, nascido a 17 de março.

(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)
“A minha mãe ficaria em março e a minha irmã viria em abril para me ajudar com o bebé.” As escalas das visitas continuavam em junho, altura em que aterraria o irmão de Arisson para passear por Portugal e ver o sobrinho ao vivo, sem as linhas tremidas e o sinal intermitente das videochamadas. “Agora, as passagens foram canceladas e já ninguém vem. Graças a Deus que existe esta tecnologia da videochamada”, destaca Cathlen, que até engendrou outra forma de comunicação com os “muitos amigos” de Bragança. Entrar em casa é coisa proibida e o distanciamento social é regra cumprida à risca. Mas, se uma porta se fecha, sobra a janela, certo? É pela janela que se dá o reencontro da amizade. O bebé Luciano apanha um pouco de sol e os amigos e os vizinhos vão-se encantando por ver o menino pelo vidro. Ouve-se um toque-toque na janela e Cathlen percebe o sinal. É alguém a passar, a caminho do mercado, ansioso por uma espreitadela ao bebé. “Temos muitos amigos em Bragança e o Luciano estava sendo muito esperado por todos”, sublinha, com a doce musicalidade do sotaque. “Os amigos batem na janela e têm-no conhecido através do vidro. No meio desta confusão, o Luciano é a nossa luz.” Cathlen sintetiza o sentido da vida destas mães, apesar dos diferentes percursos, nos dias apertados da pandemia.
Ana Vitorino, coproprietária da Churrasqueira Fatita, em Santarém, também é figura conhecida lá na terra, assim como os três filhos, habituados a percorrer a sala do restaurante. A mesma que foi esvaziada pela determinação nacional de conter o surto. Mantém o take-away aberto, o único ganha-pão da família alargada, e Ana vai dando uma ajuda ao fim de semana, enquanto Dhara dormita no berço. “Todos os meus filhos foram logo apresentados às pessoas do restaurante, aos clientes e à família.” Manda a cautela que, com a Dhara, tudo seja diferente. “Ela ainda não esteve no colo de mais ninguém, a não ser no da mãe.”
À espera que o colo se encha
Aninhar o bebé no colo é a alegria que faz parar o tempo e exorciza as más notícias. E quando esse carinho, essa partilha de pele nos são vedados? Catarina Miranda, de 29 anos, preferia não saber responder a esta pergunta. Alban nasceu há 24 dias, mínimo, prematuro de 27 semanas, e até agora ainda não lhe pôde pegar. Sentir-lhe o cheiro. Permanece na redoma plástica no Hospital de Guimarães, depois do nascimento apressado no Hospital de Vila Real. “Foi tudo muito rápido e eu nem vi o bebé quando nasceu. Tiraram-no logo para uma incubadora para mandá-lo, de imediato, para Guimarães.” Foi tudo inesperado.

(Foto: Leonel de Castro/Global Imagens)
Cantora e compositora, Catarina ou Emmy Curl vive na Dinamarca com Andreas, de 25 anos. À espera do primeiro filho para 12 de junho, regressou a Portugal para fazer um tour e matar as saudades dos pais, que moram em Vila Real. Subitamente, o vírus contagiou o caos no dia a dia da jovem. “Foi no dia em que se declarou o estado de emergência e o Alban também veio de emergência. O meu tour foi cancelado, os meus pais ficaram em pânico com o estado de emergência e tudo isto trouxe-me muita ansiedade”, narra Catarina, que monta a justificação para o inesperado nascimento. O retorno à Dinamarca tinha data marcada para o dia 20 de março. Agora, sabe que não deixará Portugal antes do final de maio. A boa notícia nesta devastação emocional é que o menino está estável e “está a ganhar peso”. Mas a distância pesa-lhe no colo vazio. E o pai, privado de assistir ao nascimento, também está proibido de entrar nos Cuidados Intensivos do Hospital de Guimarães para ver o filho. Tudo por causa do risco de infeção por coronavírus. Catarina não se conforma e lê a tristeza de Andreas num país que lhe é estranho. A língua e os procedimentos.

(Foto: DR)
“Na Dinamarca, só há restrições para quem está infetado. Será que não pode haver outra maneira, que não prive a mãe e o pai de viver a parentalidade? São direitos humanos. Eu percebo o medo, mas são tempos que se perdem e não voltam”, suspira, sem se resignar. “Todos os dias pergunto se posso pegar no meu bebé. Todos os dias.” A resposta tem sido sempre negativa. Talvez daqui a uns dias. “Não há razões aparentes na diferença de tocar ou tê-lo no meu peito, até porque é possível tomar banho no hospital e mudar de roupa para pegar nele.” Mas a mãe não desarma e vai continuar a perguntar. Instalada na casa da avó em Braga e sem transportes públicos, gasta 30 euros por dia na viagem para Guimarães. Passa o dia ao lado do seu bebé. De regresso a casa, agarra na máquina de tirar leite e continua a estimular. O leite que hoje congela alimentará o Alban no futuro. E é só nisso que consegue pensar.