Baratas, cobras, aranhas: o mistério das fobias

As cobras, aranhas ou baratas são animais com os quais poucos simpatizarão, ainda que não se lhes seja fóbico

Medo. Nojo. Repulsa. Pânico. Descontrolo. Viver com uma fobia a um animal leva muitas vezes a alterações de vida para contornar esse sentimento. Um problema que pode ser incapacitante, mas que quase sempre tem solução.

Era 1.30 da manhã quando Ana Inês Barros foi à casa de banho. Sentou-se na sanita e, quando olhou em frente, a subir pelo tapete dobrado na borda da banheira, lá estava ela. Castanha, grande, as patas em movimento, as antenas espetadas, as asas sobre as costas. Uma barata gigante. “Saí aos gritos, não conseguia falar. Enquanto o meu marido ficou na casa de banho a resolver o assunto, eu, na sala, chorei, tremi, tive tonturas, vomitei e o coração ficou tão acelerado que achei que me ia dar uma coisa.”

O marido matou a barata, mas mesmo assim, às 2 da madrugada, Ana Inês estava a sair porta fora com os três filhos atrás – que teriam na altura quatro, seis e dez anos e entretanto haviam acordado com o tumulto. Foi para casa dos pais e só depois de o marido revirar a casa e uma equipa de desinfestação fazer duas intervenções é que voltou. Duas semanas depois. Em sua casa, desde aí, não há uma única abertura que não esteja bloqueada: as tampas da banheira e dos lavatórios estão sempre colocadas e os buracos de escoamento de água foram todos tapados.

Ana Inês tem pesadelos frequentes com este episódio e com outro que aconteceu numa casa de férias no Algarve, tempos depois: quando abriu a porta do armário para tirar um agasalho, viu uma barata a trepar pelo casaco acima. Dessa vez, além de ter gritado como nunca, fez chichi pelas pernas abaixo. Depois, correu para a sala e, quase em transe, despiu-se – já que tudo tinha estado dentro do mesmo armário – e correu porta fora em cuecas e soutien. “Valeu-me a intervenção do meu filho mais velho ou teria ido para a rua naquela figura.” Queria ir embora. Acabou por ceder, mas as férias foram uma tortura e passou as noites restantes a toque de comprimidos para dormir. “Aliás, hoje, só por lhe estar a contar estas histórias, vou ter de tomar um comprimido ou não durmo”, acrescenta.

Ana Inês preenche os critérios típicos de fobia específica: um medo irracional e excessivo, uma resposta ansiosa imediata quando é exposta ao objeto fóbico e uma procura constante do seu evitamento que acaba por lhe condicionar alguns aspetos da vida. A engenheira civil de 45 anos considera-se uma mulher inteligente, educada e sensata, desde que o assunto não seja baratas. Quando é esse o caso, admite, atinge “níveis de irracionalidade incontrolável”.

O processo fóbico parte de uma capacidade que nos é inata e muito útil. “Temos um sistema de defesa altamente evoluído que nos permite ter reações muito eficazes de alerta perante o perigo. Se nos puserem à frente de um leão, ficamos preparados para fugir ou lutar. O que acontece nas fobias específicas é que essa reação de alerta primitiva é exagerada, desproporcional ao perigo, e faz como que um ‘curto-circuito’ ao nosso sistema frontal, ou seja, à nossa capacidade de análise e raciocínio, o que impede uma resposta racional”, resume Nuno Mendes Duarte, diretor clínico da Oficina de Psicologia, em Lisboa.

Os animais são nossos amigos?

As cobras, aranhas ou baratas são animais com os quais poucos simpatizarão, ainda que não se lhes seja fóbico. Mas também há quem tenha terror de animais mais insuspeitos, como o mais fiel amigo do homem. Tânia Vargas, de 30 anos, preferia que lhe pusessem uma barata na cozinha do que um cão. “Sinto um pânico enorme e a minha vontade é fugir, mesmo com cachorrinhos. Se vejo um cão na rua, mudo de passeio. Se há um cão em determinado sítio dou uma volta maior para não passar por ele. Se vou a uma casa onde existe um cão, tem de estar longe de mim.” Não é que ela não ache que os cães são bonitos animais, não é que possa dizer que não gosta deles, o problema é o medo extremo de ser mordida. “Assim que vejo um cão, seja grande ou pequeno, é a primeira coisa que penso que vai acontecer: que o cão me vai atacar e morder.” Se se confrontar com um cão e não se conseguir afastar depressa, Tânia começa a tremer. E já lhe aconteceu ter episódios de choro ao mesmo tempo que sente o coração a galope. Estes episódios começaram quando era pequena.

No que toca a animais domésticos, os medos podem ser relacionados com uma noção de falta de domínio. “A pessoa sente que não controla a relação com o cão e isso ativa uma sensação de ansiedade, por norma relacionada com o medo de ser mordida. Pode começar por não ser uma resposta fóbica – porque tem uma dimensão racional – mas quando o medo começa a levar ao evitamento e a pessoa constrói pensamentos negativos em cima disso, pode surgir uma resposta ansiosa disfuncional e chegar a ser uma fobia”, esclarece Nuno Mendes Duarte.

As fobias podem ter o início em medos da infância que não se superam, mas a verdade é que as suas causas não são muito importantes. “Desenvolve-se uma fobia tipicamente em relação a objetos que conhecemos, sobre os quais já ouvimos histórias ou com os quais tivemos algum tipo de contacto, mas o que define a fobia é não haver uma explicação para a sua origem: há um processo fóbico e o conteúdo é aquele animal, como podia ter sido outro qualquer”, detalha o psicoterapeuta. De resto, quando há uma causa perfeitamente identificável – por exemplo, ter sido atacado por um cão em criança – o problema é outro. “Nesse caso não estamos perante um processo fóbico, mas sim uma perturbação traumática associada a um acontecimento que não foi resolvido. Na fobia não existe uma explicação.”

As fobias não são todas iguais

Há duas emoções básicas associadas às fobias: o medo e o nojo. E muitos autores defendem que a maioria das fobias a animais não têm na sua base o medo de ser atacado, mas antes uma resposta ansiosa que está mais relacionada com o nojo – um mecanismo comportamental do sistema imunológico que, entre outros, tem por objetivo proteger-nos de doenças e contaminação.

E sabe-se que diferentes animais provocam diferentes emoções de forma consistente. Eva Landová, investigadora no Instituto Nacional de Saúde Mental da República Checa, estuda precisamente estas diferentes respostas emocionais humanas em relação aos animais. “Percebemos que as fobias a diferentes animais são desencadeadas pela desregulação de emoções diferentes”, explica em entrevista por email à “Notícias Magazine”. “Os animais maiores provocam sobretudo uma reação de medo. Os mais pequenos, como os parasitas e os animais que transmitem doenças, causam sobretudo nojo.”

Isto faz com que o cão tenha uma pontuação alta em termos de medo e muito baixa quanto ao nojo, e a barata esteja no extremo oposto, causando mais nojo do que medo. Nas experiências feitas pela investigadora, o animal que causou mais repulsa foi a ténia e os valores mais altos de medo foram causados por aranhas – apesar de esta também ter uma pontuação de nojo muito elevada.

Apesar de abundarem os animais que causam fobias, a investigadora percebeu também que poucos despertam um medo tão intenso em pessoa saudáveis como as víboras. “Temos uma reação de medo muito específica a cobras tipo víbora, que não temos com outro tipo de cobras, o que significa que a nossa mente está mais focada em algumas espécies. Especulando, isso pode estar relacionado com o nível de perigo que o animal representou para os nossos ancestrais. De resto, em alguns países, as cobras venenosas ainda representam um sério risco para a saúde”, realça a cientista.

Dentro do cérebro do fóbico

Fredrik Åhs é professor de Psicologia e investigador na Mittuniversitetet, na Suécia, e a sua pesquisa tem incidido sobre os fatores genéticos e contextuais que contribuem para as emoções, sobretudo o medo. Ele e a sua equipa têm feito algumas experiências com fóbicos, sobretudo com o animal que desperta mais medo: a aranha. Expõem os voluntários a vídeos do animal ao mesmo tempo que espreitam para dentro dos seus cérebros com uma tomografia por emissão de positrões. “Ver imagens de aranhas ativa uma parte do cérebro chamada amígdala. A ativação dessa região cerebral tem sido associada ao medo e ao evitamento, além de indicar uma origem evolutiva do medo”, diz o investigador. Mas embora essa resposta seja importante, ela parece não ser suficiente para gerar a sensação consciente de medo. “O sentimento de medo é gerado por regiões do córtex frontal, que também é importante na resposta à resolução de problemas. Curiosamente, também se pensa que o córtex frontal é capaz de desativar a amígdala, o que nos permite fazer coisas mesmo quando temos medo delas.”

Fredrik Åhs não põe de parte a componente social e cultural dos medos que desenvolvemos, mas chama atenção para uma outra teoria: há uma série de distúrbios psicológicos associados à aracnofobia, o que faz com que os investigadores suponham que se pode estar perante uma tendência genética herdada. “A fobia a aranhas pode ser um pouco mais complexa do que geralmente se pensa. Algumas teorias defendem que o medo a aranhas está ‘gravado’ no cérebro de algumas pessoas de raiz e não precisa de nenhuma aprendizagem, ou seja, houve variações genéticas herdadas, e essas mesmas variações aumentam o risco de desenvolver uma série de outros distúrbios mentais.”

Felizmente, o problema costuma ter solução. “O prognóstico é variável – depende da intensidade da fobia, do tempo de evitamento que já existe e de haver ou não outras perturbações psicológicas associadas – mas quando se trata de uma fobia simples, geralmente resolve-se em seis a oito sessões”, assegura o psicoterapeuta Nuno Mendes Duarte. “O tratamento passa pela terapia de exposição ou de dessensibilização sistemática.” Com algumas variações, as duas têm na base a mesma ideia: colocar a pessoa em contacto com o objeto fóbico, progressivamente – seja através de imagens internas, fotografias e vídeos, por exemplo -, num ambiente seguro, ajudando-a a perceber o que está a acontecer no seu cérebro e a autorregular-se.