
As cefaleias estão entre as doenças mais comuns do sistema nervoso. Cerca de 10% dos mais novos, em idade escolar, têm enxaquecas. É uma dor que perturba.
As dores de cabeça são sintomas frequentes nos adultos, mas também nas crianças, adolescentes, jovens. Estima-se que cerca de 50% dos mais novos, até aos 18 anos de idade, já sentiram essa dor que pode aumentar com a idade. Cefaleia e dor de cabeça são exatamente a mesma coisa. Cefaleia é o termo médico para qualquer dor sentida na cabeça, independentemente da sua causa.
Há uma idade estipulada a partir da qual é possível ter uma dor de cabeça? Não parece. Cerca de 10% das crianças em idade escolar sofrem de enxaqueca e 28% dos jovens, entre os 15 e os 19 anos, são afetados pela mesma dor. Metade das pessoas que sofrem de enxaqueca tem o primeiro ataque antes dos 12 anos. Antes da puberdade, os meninos sofrem de enxaqueca com mais frequência do que as meninas. À medida que a adolescência se aproxima, a incidência aumenta mais rapidamente nas raparigas do que nos rapazes.
As dores de cabeça podem ter inúmeras causas e mecanismos. A cabeça é constituída por várias estruturas e órgãos – olhos, ouvidos, nariz, maxilares, dentes, vasos sanguíneos, nervos, ossos, músculos, etc. – enervados por uma ampla rede de terminações nervosas sensíveis à dor. “Qualquer fator que desequilibre o normal funcionamento ou a integridade dessas estruturas estimula essas terminações nervosas e pode causar dor, na criança ou no adulto”, explica Isabel Pavão Martins, neurologista no Hospital de Santa Maria, professora associada da Faculdade de Medicina e Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa.
“Uma poeira que entra para os olhos, uma afta na boca, uma cárie dentária, uma bandolete ou uns óculos de mergulho apertados, um gelado muito frio na boca, a inflamação dos seios perinasais são causas comuns de dor, de que todos vamos tendo experiência ao longo da vida. São cefaleias devidas à estimulação direta das terminações nervosas”, refere. Há doenças que podem causar dor de cabeça na criança, como as patologias do foro da otorrinolaringologia (a sinusite aguda ou crónica), que provocam dores na cabeça ou na face, com corrimento no nariz ou na garganta. Há também dores de cabeça pontuais, desencadeadas pela febre, pela fome, por pequenos traumatismos ou quedas.
Aos 17 anos, 8% dos rapazes e 23% das raparigas já sofreram de cefaleias
No entanto, as dores de cabeça da maioria das pessoas surgem sem motivo aparente, de forma repetida, e os exames não detetam qualquer problema. São as chamadas cefaleias primárias, e a enxaqueca e a cefaleia de tensão são os exemplos mais comuns. A enxaqueca afeta cerca de 7 a 10 % das crianças e 12% dos adultos. Isabel Pavão Martins adianta que se trata de “uma doença de causa genética, que ocorre em vários membros da mesma família, e não se associa a nenhuma doença grave do sistema nervoso.” Ainda assim, não sendo grave nem perigosa, é uma doença incapacitante.
“Nas crianças em idade escolar é uma causa de absentismo escolar e interfere na vida das crianças, nos seus tempos livres e na vida familiar, sendo um motivo de preocupação para os pais e para os educadores”, sublinha a neurologista. A enxaqueca pode surgir muito cedo na vida, mas sobretudo na idade escolar. Manifesta-se, habitualmente, por episódios de dor de cabeça que duram horas ou até um dia.
A dor é sentida na fronte, nos olhos ou nas têmporas, é muito intensa a latejar ou a fazer outro tipo de pressão e associa-se a enjoo, náuseas e vómitos. “Em plena crise, a criança fica intolerante a todo o tipo de estímulos, não suporta a luz nem o ruído, ou os movimentos e não consegue baixar a cabeça ou fazer esforços, pois está extremamente sensível a esses estímulos que a incomodam e agravam a dor.” Durante essas crises, a criança fica com aspeto doente, pálida e com má cara, com olheiras, quer deitar-se, isolar-se no escuro, fica muito quieta e prostrada.
São sintomas assustadores para os pais. Isabel Pavão Martins refere que, algumas vezes, as crianças vomitam e adormecem e depois acordam bem, sem dores, como se nada se tivesse passado. É a típica crise de enxaqueca. Se há manifestações visuais, o que raramente acontece, veem luzes brilhantes, cintilações, ou ficam com a visão turva ou desfocada, é uma enxaqueca com aura, uma outra forma de enxaqueca.
“A frequência destas crises e muito variável e imprevisível, o que gera alguma insegurança nas pessoas afetadas. Podem surgir duas vezes durante a infância ou com muita frequência, mensal ou semanalmente. Tendem a piorar nas fases de maior atividade escolar, com o cansaço a falta de sono, o stresse, e a melhorar nas férias grandes”, adianta a neurologista e professora. É importante que os pais tomem nota dessas crises de forma a tentar identificar um padrão ou um fator que as desencadeie.
“Sabe-se que as pessoas com enxaqueca têm uma grande suscetibilidade às mudanças de ritmo de vida. Por exemplo, se estiverem muitas horas sem comer, ou sem dormir, quando mudam de um período de atividade escolar para o início das férias, isso pode desencadear dores de cabeça. Outros desencadeantes possíveis são os estímulos visuais, a luz solar muito intensa, locais onde existem muitos brilhos e reflexos, muitas horas face aos ecrãs das consolas, dos tablets, tudo isso pode desencadear crises de enxaqueca”, adianta a especialista.
A dor de cabeça pode ter outros sintomas associados como náuseas, vómitos, tonturas, sensibilidade ao toque, som, luz e odores
Madalena Plácido, presidente da MiGRA Portugal – Associação Portuguesa de Doentes com Enxaqueca e Cefaleias, diz que estas dores “podem ser assustadoras para as crianças e deixá-las ansiosas, com medo da próxima crise.” “As enxaquecas podem ser um fator de stresse para a criança e também para os pais, que se sentem muitas vezes perdidos e sem saber o que fazer e a quem recorrer. A MiGRA Portugal pode ser uma ajuda preciosa pois dispõe de informação que ajudará os pais a compreenderem o que se passa, permite a partilha de experiências entre pais e crianças com doença e incentivará os pais a procurarem ajuda especializada”, realça.
A cefaleia de tensão, dor de cabeça menos intensa e menos incapacitante do que a enxaqueca, pode ser mais frequente. É como um peso, uma pressão ou como ter um capacete na cabeça, dor ligeira sem náuseas nem vómitos. Neste caso, as crianças ficam sensíveis aos ruídos e à confusão, mas não à luz e não interrompem a sua atividade. Isabel Pavão Martins explica que “não se sabe bem qual é a causa desta cefaleia, mas pensa-se que pode ter um componente muscular ou de contração dos músculos do couro cabeludo.” Aconselha-se exercício físico regular e técnicas de relaxamento. E convém não cair no uso excessivo ou diários de analgésicos ou anti-inflamatórios para o tratamento das dores.
O diagnóstico nas crianças é, muitas vezes, feito através da descrição dos pais, de um questionário, da observação cuidadosa, e de um exame neurológico completo
“Uma criança com dores de cabeça intensas ou incapacitantes, sobretudo de início recente ou súbito, que a acordam de noite, localizadas na nuca, com febre ou com outras alterações, como desequilíbrio, mudanças de comportamento ou do rendimento escolar, ou perdas da consciência, ou que não cedem à terapêutica, deve ser avaliada pelo médico de família ou pelo pediatra, para despistar outros motivos que possam estar a desencadear as dores”, aconselha a neurologista.
Ainda não é bem conhecida a história natural da enxaqueca na infância. Muitas crianças deixam de ter crises com a passagem à adolescência ou na vida adulta, sobretudo os rapazes, já que as raparigas podem ter crises relacionadas com as variações hormonais que se iniciam na puberdade. Um diagnóstico é muito importante, não só porque existem terapêuticas próprias para a enxaqueca, mas também para tranquilizar a família e assegurar aos pais que se trata de uma doença benigna e que pode ser controlável.
O que fazer? Manter um ritmo de vida certinho, com regularidade nas horas das refeições e nas horas de estudo e de sono. Fazer exercício regular. Há o mito que as enxaquecas são desencadeadas por determinados alimentos e alguns doentes entram em dietas muito restritivas. Isabel Pavão Martins sustenta que há poucos alimentos relacionados com as crises. “Nos adultos e nos adolescentes, o álcool pode ser um desencadeante, às vezes muito específico (só o vinho branco ou o tinto, por exemplo), enquanto nas crianças têm sido implicados o chocolate ou os citrinos, mas isso não se aplica de modo nenhum a todos os casos, e não faz sentido impor às criança uma dieta restritiva sem perceber se, naquele caso específico, aquele alimento é um desencadeante de crises.”
Há também a ideia de que a maior parte das dores de cabeça estão relacionadas com a visão. “Embora o esforço visual mantido e as perturbações visuais possam desencadear dores de cabeça isso não é a causa mais habitual de dores de cabeça recorrentes na infância, nem na vida adulta”, explica a neurologista.