Artistas em estado de emergência

Nelson Sousa, cantor de 32 anos, de Vila Nova de Gaia, sentiu na pele as dificuldades e arranjou emprego num supermercado. Mas resiste. Candidatou-se ao The Voice e superou as provas cegas (Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Luís Cardoso, programador, está desempregado e pensa no que fazer à vida. Já pensou emigrar. Nelson Sousa, cantor, arranjou emprego num supermercado e suspendeu as aulas de piano. Em três dias, Victor Butuc, músico e produtor, perdeu o trabalho de um ano. Mudou-se para casa dos pais. Nuno Góis é ator e resiste. O dia de amanhã é uma constante e dolorosa incógnita. Mais um confinamento e tudo cai. A ministra da Cultura anuncia um reforço no investimento e avisa que nada será igual.

Tudo parou, de repente. A sala fechou, os projetos travaram a fundo, a vida em suspenso. Luís Cardoso, 30 anos, programador e gestor cultural, ficou sem trabalho. O Club de Vila Real sucumbiu, foi a primeira sala de espetáculos a fechar as portas. “Fomos obrigados a encerrar a partir de março, não tínhamos condições para sustentar o espaço, não havia qualquer perspetiva de futuro. Fechámos uma das casas de concertos mais ativas do país.” Na última década, mais de mil eventos organizados por uma instituição com 125 anos. A pandemia virou tudo do avesso. Do lado de lá da sede centenária, um silêncio que dói.

Fazia um pouco de tudo, programava, trabalhava no bar. Estudou Gestão e Turismo, voltou a Vila Real com muitas ideias na área cultural, tomou conta da sala do Club de Vila Real em 2017. Anos intensos, agora a situação é frágil. “A perspetiva é muito má, não sabemos se vamos conseguir reabrir esta dinâmica tão importante na cidade. Queríamos trabalhar com entidades públicas para criar eventos, mas nunca tivemos essa sorte.” Sem apoios, nada feito.

Mantém-se, em regime de voluntariado, como presidente do Club Vila Real. A parte cultural acabou, a desportiva prossegue. “Vou repensar o que vou fazer à minha vida.” Luís Cardoso vive em casa dos pais. “Só assim é possível, só estando na minha casa, na minha cidade, a viver com os meus pais.” A possibilidade de emigrar já lhe veio à ideia, mas garante que não se perdoaria se não fizesse tudo o que está ao seu alcance para reabrir o Club, esgotar todas as hipóteses. Parece que o Mundo lhe caiu em cima dos ombros.

“O setor parou por completo, esta pandemia veio mostrar as fragilidades da cultura e das artes”, comenta. E no interior tudo parece mais complicado. “É ainda mais difícil lutar e fazer com que as coisas aconteçam”, admite.

Luís Cardoso, 30 anos, programador e gestor cultural, ficou sem trabalho. O Club de Vila Real foi a primeira sala de espetáculos a fechar as porta
(Foto: Rui Manuel Ferreira/Global Imagens)

Nelson Sousa, cantor de 32 anos, de Vila Nova de Gaia, sentiu na pele as dificuldades e arranjou emprego num supermercado. No ano passado, viveu apenas da música, dos concertos da banda que circulava num camião-palco pelos arraiais populares e das atuações que fazia em bares, restaurantes, festas privadas. A pandemia cancelou 80 concertos previstos para este ano. Só da banda.

O cantor, otimista por natureza, começou a procurar o que fazer, em abril encontrou trabalho num supermercado, repõe produtos, atende clientes. “Mal me apercebi que não íamos voltar ao normal tão cedo, fui procurar emprego. Apercebi-me que isto não era assim tão leve, que as coisas iam mudar de figura.” Fez contas à vida, redefiniu prioridades, suspendeu as aulas de piano.

Entretanto, tentou a sua sorte no concurso The Voice Portugal, muito influenciado pela namorada. Cantou “Desfolhada” de Simone de Oliveira, as cadeiras viraram-se, está na equipa de Áurea. “A esperança nunca desapareceu, temos de nos adaptar ao momento.” O The Voice é mais um passo na sua luta. “A música é o que me faz feliz, não me vejo a fazer outra coisa”, confessa. Um amor que surgiu nas réplicas do Chuva de Estrelas nas coletividades ao pé da porta. Chegou a vestir-se de Bon Jovi para um playback. Mais tarde, no final da adolescência, as festas de karaoke alimentaram a paixão e o amor cresceu.

Mudou de vida à espera que tudo passe. “Depois de tudo isto, acredito que será dado muito mais valor à cultura. No entanto, não vai começar no café da esquina, mas com grandes concertos e com artistas conhecidos”, prevê. “A concorrência não é necessariamente má, temos todos o nosso espaço e todos juntos podemos ajudar a que a cultura cresça.” A esperança não morre, o cantor não desanima, sonha criar as suas músicas, trabalhar com compositores e autores importantes. “E quando voltar tudo ao normal, vai voltar ainda melhor.”

Por cada espetáculo cancelado, 18 artistas sem rendimento

Neste momento, o estado das artes não é famoso. Entre março e maio, um inquérito do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE), em que participaram cerca de 1300 trabalhadores do setor, revelou que 98% dos artistas tinham espetáculos cancelados e 85% admitiram estar numa situação dramática sem qualquer tipo de proteção laboral. Pouco depois, um outro inquérito mostrava que apenas 12% têm contratos sem termo e 70% uma segunda atividade. Em março, a GDA – Gestão dos Direitos dos Artistas também apalpou o pulso à situação e concluiu que por cada espetáculo cancelado, em média, 18 artistas envolvidos ficaram sem rendimento.

Rui Galveias, coordenador do CENA-STE, critica o desconhecimento do setor por parte do Governo, lembra que o mapeamento da área tarda em avançar, diz que há um trabalho profundo a fazer, que a tutela reage pontualmente aos protestos, à indignação. Mas nada acontece de concreto.

A pandemia destapou várias fragilidades. “E tudo o que dissemos contou muito pouco, há um grande desconhecimento do setor e muita incapacidade de ouvir. Há pouca sensibilidade para a questão das contratações, quando há muito falso recibo verde. A realidade é muito complexa.”

Luta-se por uma legislação que tenha atenção às características e especificidades dos profissionais do setor, só que os artistas continuam mais fora do que dentro do sistema. “Confundir trabalhadores independentes com profissionais liberais dá nisto.”

“O resultado é um diploma que está muito coxo e que fomos convidados a preencher como se fosse um livro para colorir”, acrescenta Rui Galveias. É necessário pensar em soluções de futuro, convenções coletivas do setor, bases mínimas de contratação. “A palavra fundamental é emergência, senão vamos perder a maioria dos trabalhadores e condenar muita gente à pobreza.”

As artes estão no fio da navalha. Entre meados de março e o final de abril, foram cancelados, suspensos ou adiados cerca de 27 mil espetáculos, segundo a Associação de Promotores de Espetáculos, Festivais e Eventos. A crise já levou à criação de grupos informais de ajuda alimentar aos profissionais da cultura. A União Audiovisual é um deles, surgiu em abril, apoia semanalmente 160 famílias com cabazes alimentares. Está em todo o país, tem pontos de recolha anunciados na sua página de Facebook e em salas de espetáculos que se associam à causa. No início, havia vergonha, entretanto percebeu-se a real dimensão da angústia. “A situação não está melhor, está pior”, revela Inês Sales, da União Audiovisual.

Os pedidos aumentam e quem amealhava entre março e setembro, para aguentar o inverno, não conseguirá fazê-lo neste ano. Famílias de circo, empresas de catering, DJ, maquilhadores, encenadores, e tantos outros invisíveis que fazem a máquina girar. “Antes ainda havia esperança, neste momento, com as previsões, vamos atingir um período assustador em termos de pedidos. Vamos perder muitos técnicos e profissionais que se vão virar para outras áreas, vamos ter famílias a passar por grandes dificuldades, a necessitar de apoio.”

“Chutar para canto, empurrar com a barriga”

Victor Butuc está a fazer trabalho de escritório sem rendimento. É o que acontece a quem trabalha à bilheteira e a encher salas e é freelancer na produção de eventos de música. É o que acontece a quem teve de adiar a apresentação do terceiro disco e concertos marcados, reagendados para fevereiro do próximo ano, de novo remarcados para outubro de 2021, por via das dúvidas. Em março, depois de várias chamadas, o choque de que nada ia avançar. “O trabalho de um ano foi cancelado em três dias”, diz.

Tem 27 anos. É road manager, produtor freelancer de espetáculos e eventos, está ligado a importantes festivais de música, faz produções de concertos com artistas nacionais e internacionais, é baterista e fundador da banda The Lemon Lovers. É manager de uma editora independente. Licenciou-se em Som e Imagem, frequentou o mestrado em Gestão de Indústrias Criativas na Universidade Católica do Porto. Começou a tocar bateria aos 12 anos, foi o gatilho para querer perceber como a indústria funcionava. Nunca mais saiu dela.

“O trabalho de um ano foi cancelado em três dias”, diz Victor Butuc, 27 anos, road manager, produtor e músico
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Com a pandemia, ficou sem chão, concorreu a vários apoios e percebeu que estava num limbo, que a sua situação não se adequava ao que estava disponível. Mudou-se para casa dos pais, deixou o Porto, está em Aveiro. “Voltei ao ninho sem querer.” Como se lida com tudo o que está a acontecer? “Não se lida muito bem”, responde. “Este é o ano do adiar. É triste ver as salas onde cresci completamente fechadas e sem condições para abrir”, lamenta.

Vai mantendo a cabeça ocupada com os Pinehouse Concerts, um canal independente de divulgação de música que criou no ano passado. “Sempre fiz tudo, sempre trabalhei, não consigo estar parado.” É um resistente inconformado que acredita que é possível dar a volta. “Estou do lado dos que se mexem e não dos que choram”, garante.

Não tem sido fácil, apesar de aparecerem poucos e raros trabalhos na sua área, o suficiente para manter o ritmo, ocupado e a fazer planos. Não tem uma solução para resolver a situação. “Tenho várias alternativas que funcionam, boas soluções para o futuro: live streamings, concertos online, concertos para gente sentada, a cumprir as normas da DGS. Temos de jogar com as cartas que temos.” Trabalhar com teatros e programadores municipais, partilhar programação.

Nuno Góis é ator, tem 42 anos, estreou-se em 1997. É de Lisboa, há nove anos mudou-se para o litoral alentejano, dedica-se sobretudo à animação de rua, teatros ambulantes, feiras medievais. Vai a escolas e museus, dá aulas e workshops, tem espetáculos dedicados à poesia pensados essencialmente para bibliotecas. Em fevereiro, a perspetiva era boa, com o que já tinha agendado e apalavrado, uma feira em Marrocos em abril, estava a lançar uma nova trupe de jograis e não estava a correr mal. Tudo mudou. “Não estava à espera de que o desamparo fosse tão grande”, reconhece.

Os apoios que surgiram com a pandemia não chegam e ninguém escapa. “É assustador porque há muitos profissionais que dificilmente retornarão ao setor e para os jovens é um drama porque muito dificilmente serão capazes de entrar.” Valeu-lhe alguns espetáculos no último verão, em que a Câmara de Odemira decidiu contratar profissionais locais. Pagou uma dívida e respirou um bocadinho. Mas, neste momento, não consegue entrar numa escola para fazer propostas.

Nuno Góis, 42 anos, ator, vive no litoral alentejano, onde se dedica sobretudo à animação de rua, teatros ambulantes, feiras medievais: “No fim, vamos ver as consequências, quem sobreviveu a tudo isto”
(Foto: André Vidigal/Global Imagens)

A crise da cultura, realça, é anterior à pandemia, são necessárias mudanças estruturais que, em seu entender, “são chutadas para canto e empurradas com a barriga há muito tempo.” É uma bola de neve, não há espetáculos, há muita gente em suspenso, empresas de aluguer de figurinos, técnicos de som e luz, produtores, estruturas que organizam eventos, companhias de teatro, bandas. “A teia com que nos cosemos vai estar completamente destroçada se não se fizer nada”, alerta. As suas expectativas não são as melhores, sente uma falta de apoio do Estado, lembra que ninguém sabe onde estão os 30 milhões do programa “Cultura para Todos”, não está a ser concretizado e não existe. “Devia haver um apoio efetivo a todos os que foram afetados por esta pandemia.”

Para Nuno Góis, nada ficará como dantes, nada será igual depois disto, e o real impacto da pandemia só será verdadeiramente destapado depois de tudo passar. “No fim, vamos ver as consequências, quem sobreviveu a tudo isto.”

“Moldura fantástica, quadro péssimo”

Do Ministério da Cultura chegam boas notícias. A ministra Graça Fonseca assegura que “prosseguirá a política de reforço de investimento na cultura” em 2021 e recorda que, desde o início da pandemia, a tutela “tomou um conjunto de medidas excecionais para os profissionais do setor da cultura.” “Não apenas os profissionais do espetáculo, mas de todas as outras áreas. Foi, aliás, o único setor que teve medidas específicas complementares”, salienta, lembrando as linhas de apoio de emergência ao setor das artes, do livro, e a estruturas artísticas que não tinham apoios estatais no início do estado de emergência, bem como medidas de apoio a trabalhadores independentes com ou sem descontos.

No final deste ano, o novo estatuto para os profissionais do setor estará concluído. É um compromisso que quer cumprir. “Para tal, está a ser desenvolvido um trabalho desde há quatro meses, que envolve múltiplas reuniões setoriais entre representantes do Ministério da Cultura e das estruturas da área da cultura.” Graça Fonseca sabe que o abanão é tremendo. “Se há lição que podemos e devemos retirar desta pandemia é que nada pode ficar como antes. E é nesse sentido que o Ministério da Cultura continuará a trabalhar, sempre em diálogo e articulação com os vários intervenientes do setor”, frisa a ministra.

O PSD tem uma visão diferente do que está para vir. “O setor das artes está num estado de absoluta tragédia”, refere Paulo Rios de Oliveira, deputado do PSD, coordenador do partido na Comissão de Cultura e Comunicação, sublinhando que, por natureza, é uma das áreas mais frágeis, mais precárias e menos organizadas. “Com menos espírito de grupo, não fala a uma só voz, o que lhe tira força e protagonismo”, analisa. Se antes da pandemia o panorama não era bom, agora é pior. “A situação é dramática.”

Os fundos de ajuda alimentar e as constantes solicitações do setor à Assembleia da República mostram, em seu entender, que não há respostas por parte do Governo. “O setor deixou de acreditar na ministra e pede a demissão do secretário de Estado. É a tempestade perfeita: as dificuldades levadas ao máximo e as perguntas levadas ao mínimo. E quando há ajuda alimentar, atingimos o grau zero da credibilidade deste Governo”, acusa.

Para o social-democrata, o Orçamento do Estado para 2021, com uma dotação que não chega aos 0,3%, não resolve problemas. “Mais uma vez, moldura fantástica e um quadro péssimo. A arrogância anda de mão dada com a incompetência, temos uma ministra que nem sequer ouve para emendar a mão e corrigir o que está mal.”

A cultura foi dos primeiros setores a fechar. Abriram-se linhas de emergência, o BE defendeu financiamento a fundo perdido que não avançou. Beatriz Dias, deputada do BE, vice-presidente da Comissão de Cultura e Comunicação, fala de uma situação avassaladora. “A precariedade e a vulnerabilidade dos trabalhadores da cultura não foram criadas pela pandemia, mas foram exacerbadas e muito expostas nesta situação difícil que vivemos.” As medidas, em sua opinião, foram insuficientes e avulsas para, por um lado, responder à emergência e, por outro, corrigir o que está instalado a montante. “É importante encontrar mecanismos que respondam à variabilidade do trabalho dos trabalhadores da cultura, um conjunto de dispositivos legais para que se assumam garantias nas situações de ausência de rendimentos e possam aceder às prestações sociais a que têm direito.” As organizações representativas do setor e os sindicatos devem envolver-se nesta discussão. Beatriz Dias alude a uma reforma ou até mais do que isso. “Ou mesmo uma revolução no próprio sistema que olhe para a política cultural e que tenha como moldura um verdadeiro serviço público de cultura.”

Ana Mesquita, deputada do PCP, vê contradições no Orçamento do Estado para a cultura. “Fazemos contas e verificamos que o peso do orçamento para a cultura desce este ano.” Não lhe parece o caminho a seguir, nem o mais correto. “O que se exige é um efetivo reforço das verbas, um efetivo planeamento do que deve ser a intervenção do Estado no apoio à cultura”, afirma. A agonia dos últimos meses indica que as perspetivas não são animadoras. “A situação põe a nu um subfinanciamento muito grande, desequilíbrios que nunca foram combatidos, uma precariedade absolutamente assustadora.” Na sua perspetiva, a falta de consistência política não salvaguardou trabalhadores e estruturas do setor. “Apesar de o Governo ter anunciado uma série de apoios, eles não chegaram a muita gente que está a viver da solidariedade e de movimentos que se organizaram para distribuir bens alimentares.”

Rosário Gambôa é deputada do PS, está na Comissão de Cultura e Comunicação, e também reconhece que “a pandemia veio revelar muitas fragilidades que o setor já atravessava”. Um setor, pelas suas características, “muito fragmentado e muito pulverizado”. A precariedade é um assunto recorrente e a situação exige intervenção, nomeadamente o mapeamento de quem são os profissionais da Cultura e o diagnóstico das condições em que se encontram. E o novo estatuto para os profissionais do setor é, em seu entender, um dos aspetos mais importante que “dará alguma garantia de estabilidade e segurança” a vários níveis. Há mais trabalho a fazer como, adianta, uma programação em rede nos cineteatros que permita a troca de experiências e que chegue aos territórios de baixa densidade.

“Se o setor cai, nada se segura”

Fruto das circunstâncias, nasceu a associação Circuito que lançou a campanha #aovivooumorto pela sobrevivência de 27 salas nacionais de programação de música que, no ano passado, contabilizaram 7 537 atuações musicais para uma audiência de quase 1,2 milhões de pessoas. No dia 17, houve manifestações em quatro cidades, Lisboa, Porto, Viseu e Évora, com o lema “Junta-te à fila para que o circuito não morra”. Filas de gente à porta de espaços fechados.

A Circuito pede medidas de apoio e estratégias públicas de proteção e valorização do setor, nomeadamente um programa de investimento imediato nessas salas de concertos até à retoma sustentável da atividade. E com urgência. Se há um circuito que é um dos pilares da indústria da música, se esse pilar cai, o ecossistema desmorona-se.

A associação Circuito lançou a campanha #aovivooumorto e organizou manifestações em quatro cidades portuguesas
(Foto: António Cotrim/Lusa)

Daniel Pires, um dos porta-vozes da Circuito, diretor criativo e fundador do Maus Hábitos, no Porto, defende que as 27 salas sejam reconhecidas como espaços de intervenção cultural e os seus programadores como agentes culturais ativos que arriscam o ano todo e fazem a economia girar. “Se o setor cai, nada se segura. Sem apoio, vamos à vida. Se vier um novo confinamento, vai tudo por água abaixo”, avisa. Os agentes culturais ficam insolventes, não se podem candidatar porque têm dívidas ao Estado. “É aniquilar toda uma geração de pessoas que começou a trabalhar agora ou que o faz desde sempre.”

As salas estão fechadas e as perspetivas não são animadoras. Daniel Pires insiste numa intervenção cirúrgica para que toda a estrutura artística nacional não se desmembre e caia como um baralho de cartas. Definir o estatuto de intermitência, analisar contas, redefinir códigos de atividade, avançar com apoios específicos. “É preciso afinar o modelo e perceber os problemas. Agora é ir com pinças, intervir cirurgicamente.”

Ana Ademar, atriz, sócia-gerente de A Casa – Oficina Os Infantes, em Beja, faz parte da Circuito. “Os espaços resistem, mas têm dificuldades em subsistir desta forma.” Não há programação, os horários alteram-se, as pessoas retraem-se a cada norma anunciada, e é o espírito das casas culturais que está em causa. A sala em Beja esteve fechada quatro meses, reabriu com um café para fazer face às despesas. “Temos de nos ir adaptando, ver o que funciona, estamos à espera que possamos regressar à dita normalidade – se é que regressaremos a essa normalidade”, comenta. Defende apoios estatais para lidar com as atuais circunstâncias e que o trabalho dos agentes culturais seja reconhecido. Apesar de tudo, a expectativa de voltar a ter a casa cheia não esmorece. Apesar de tudo, a esperança persiste num setor que vive com a corda na garganta.