Ora falta um azulejo numa fachada, ora falta um paralelo na calçada. São anomalias nas paisagens de Lisboa e Porto que inspiraram dois projetos: Joana Abreu preenche os vazios dos edifícios, Patrícia Simões e Tiago Custódio tratam do pavimento.
A arte pode tornar tudo mais belo mas também possui um enorme potencial de intervenção. No percurso desde a Estação de São Bento até à Faculdade de Belas Artes do Porto, Joana Abreu, natural de Valongo, despertou para uma realidade: as inúmeras fachadas de edifícios antigos com azulejos em falta. Uma inquietude que, em 2015, se transformou no projeto Preencher Vazios.
Joana trabalha sozinha no seu ateliê e o processo é simples. Quando vê uma fachada com potencial de intervenção, tira uma fotografia ao vazio e ao padrão de azulejos que ainda existem e mede-os com uma fita métrica. De seguida, recria o padrão em programa de edição de imagem, mas com cores diferentes. O objetivo é criar um contraste notório entre o novo e o antigo. A seguir, insere uma frase de um autor português e, após a impressão em papel, cola-o no azulejo de madeira e enverniza. Além da Invicta, encontram-se exemplos do seu trabalho em Braga e Lisboa.
“A iniciativa pretende chamar a atenção para os pequenos detalhes que nos rodeiam diariamente e surpreender os transeuntes com algo que não estavam habituados a ver durante o seu percurso”, elucida a designer.
Em habitações ou nos restantes edifícios, Joana não pede para deixar a sua marca. A menos que veja algum morador, claro. “Porque se tiver de pedir autorização a quem lá mora, a resposta é quase sempre a mesma – que não é nada com eles, que tenho que falar com o proprietário da casa ou com a Câmara – e isso envolve diversas burocracias e tempo.”
A criadora do Preencher Vazios já fez alguns workshops no seu ateliê, mas conta realizá-los com mais regularidade. “Consistem em dar a conhecer toda a história do projeto e, em conjunto, desenvolver os azulejos para depois irmos colá-los nas fachadas a intervir”, esclarece. O limite de pessoas é de quatro e, para se inscrever, basta estar atento às redes sociais e enviar mensagem privada ou email para ter acesso a informação detalhada.
A cor das pedras
Por trás de outra ideia que preenche vazios, neste caso o pavimento das cidades, está a dupla algarvia Patrícia Simões e Tiago Custódio com a iniciativa neoFOFO.
Tudo começou numa parede cinzenta. Pintada por ocasião das eleições autárquicas de 2013, assim eliminando mensagens escritas que acompanharam, durante muito tempo, os percursos de Patrícia. Desse modo, surgiu a opção de um protesto fofo com corações em lã. Foi um caso de juntar a fome à vontade de comer, uma vez que já tinha pensado em espalhar tricô, croché e similares enquanto forma de arte urbana – uma arte denominada yarnbombing. No entanto, essa possível manifestação deu lugar a um projeto, após Tiago verificar uma falha na calçada em forma de coração.
Após colocar a primeira pedra na calçada, a dupla partilhou a ação nas suas redes sociais, recebendo um feedback positivo que levou a avançar para a criação de uma página.
É possível ver o resultado deste trabalho na zona de Lisboa. Ainda não avançou para mais locais devido aos trabalhos de cada um. “Nunca fomos pensando em nada, as coisas foram acontecendo. Apesar de estarmos parados a título individual, ainda fiz duas ‘pedras fofas’ em tamanho gigante. Basicamente, são pedras que estão num género de metamorfose”, define Tiago. Algo que surgiu na sequência de um projeto de final de curso, nas Belas Artes do Porto, e que permitiu continuar a utilizar o género de material que considera fofo.