Aranhas: por que não devemos matá-las

Encontramo-las normalmente nos cantos mais escondidos da casa, debaixo dos móveis ou atrás dos eletrodomésticos. Naqueles locais por onde o aspirador, a vassoura ou o pano do pó não passam assim com tanta frequência. E quando nos deparamos com elas – as aranhas -, a primeira reação é matá-las e destruir-lhes as teias. Mas devemos fazê-lo?

Rui Carvalho, doutorando do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Climáticas da Universidade dos Açores e do Laboratory for Integrative Biodiversity Research da Universidade de Helsínquia, defende que não. Considera mesmo que “a presença das aranhas por casa é mais desejável do que indesejável”.

O motivo é muito simples, explica este biólogo que colabora em projetos de aracnologia desde 2005: “Elas cumprem um papel de controlo de insetos inoportunos, como os mosquitos que nos picam ou as moscas da fruta que adoram aquelas peças escondidas no fundo da fruteira”.

“[As aranhas] cumprem um papel de controlo de insetos inoportunos, como os mosquitos que nos picam ou as moscas da fruta que adoram aquelas peças escondidas no fundo da fruteira”

Ou seja, são uma forma natural de mantermos a casa livre de insetos sem termos que recorrer a produtos químicos. Fora de casa ajudam, por exemplo, a controlar as pragas agrícolas.

A maioria das aranhas que existem em Portugal são carnívoras e predadoras. As que encontramos dentro de casa normalmente utilizam como método de caça a construção de teias (nas quais os animais de que se alimentam ficam presos) ou percorrem o solo à procura de vítimas.

Outras espécies presentes em Portugal, mas fora das nossas casas, constroem um alçapão à entrada do seu esconderijo, de onde saem alguns fios da teia. Quando algum animal toca nesses fios, elas abrem o alçapão e capturam-no.

Há, no entanto, uma espécie que se destaca pela peculiaridade da sua técnica. “A Holocnemus pluchei, o nosso inofensivo aranhiço doméstico, monta por vezes a sua teia na vizinhança da teia de outras espécies. E se tiver essa oportunidade, rouba as presas à sua vizinha”, assinala o mesmo investigador.

É um caso de cleptoparasitismo, um fenómeno que tanto pode ocorrer entre seres da mesma espécie como entre seres de espécies diferentes.

Menos repulsa, mais respeito

E se, mesmo assim, nos quisermos ver livres delas? Há outras opções que não matá-las. Poderemos, por exemplo, tornar-lhes a nossa casa menos confortável colocando redes mosquiteiras em todos os pontos de entrada (portas, janelas, chaminés, etc.). Desta forma, impedimos a sua entrada e a dos insetos dos quais elas se alimentam.

Existe uma forma ainda mais célere de fazer com que saiam da nossa casa: basta colocar um copo de vidro sobre a aranha e fazer deslizar uma folha de papel sob o mesmo, de modo a que ela não saia. Depois, é só largá-la numa zona com vegetação, aconselha o mesmo investigador.

Rui Carvalho acredita que se conhecermos melhor estes animais e o papel que desempenham na natureza, tenderemos “a olhá-los com menos repulsa e mais respeito”.

Por este motivo, ele e a bióloga Andreia Valente estão a desenvolver um projeto intitulado “Aranhas: ainda temos idade para termos medo delas?”, através do qual pretendem mostrar que “há espaço para muito mais do que o medo; há espaço para convivência, curiosidade e empatia por estes animais”, diz.

O projeto venceu o concurso Fala Ciência?, em novembro de 2018, e em março será apresentado no FameLab, o mais popular concurso internacional de comunicação científica, cuja final decorrerá em junho em Cheltenham, no Reino Unido.

Por terra, mar e ar

• O número de olhos não é igual em todas as espécies, mas são sempre em número par. Em Portugal, existem aranhas com oito e seis olhos e algumas espécies cavernícolas que simplesmente não têm olhos.

• Nem todas as aranhas constroem teias, mas todas fabricam seda. As teias têm propriedades antifúngicas, e algumas podem segregar cola para as presas ficarem agregadas. Podem usá-las para capturar, fazer abrigos, proteger os ovos, fazer linhas de segurança e estruturas para acasalamento.

• Há aranhas que praticam balonismo, ou seja, deslocam-se aproveitando as correntes de ar ou elétricas existentes na natureza. Normalmente, esta é uma técnica utilizada pelos juvenis. Posicionam-se num ponto alto e lançam uma teia, que é literalmente arrastada pela força dos elementos. Muitas vezes, as aranhas estão entre as primeiras espécies colonizadoras de ilhas vulcânicas recém-formadas.

• Existem aranhas em todo o mundo. Desde ambientes aquáticos aos desertos até aos círculos polares. São animais que conseguem adaptar-se bem a condições extremas.