Aparência e autoestima: uma relação controversa

"Acredito que a nossa beleza se constrói de dentro para fora", garante a apresentadora de televisão Isabel Silva (Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

O excesso de informalidade e a falta de cuidado com a imagem, a reboque da pandemia, abalam o amor-próprio? A questão passa por onde se olha. De dentro para fora ou de fora para dentro.

Isabel Silva, apresentadora de televisão, esteve confinada 47 dias. Houve de tudo nesse tempo. Fato de treino no sofá para ver televisão, indumentária desportiva para treinar, vestido para se sentar à secretária a trabalhar, roupa adequada para uma refeição na varanda. Sente-se bem de qualquer maneira sem desmazelar o que realmente lhe importa: noites bem dormidas, pele bonita e cheirosa, alimentação cuidada, exercício físico.

“Acredito que a nossa beleza se constrói de dentro para fora. Tanto me sinto bem com um fato de treino como com um vestido simples para ir a uma gala ou apresentar um programa”, conta. Qualquer trapinho lhe cai bem. “Cultivar a beleza interior é a chave para a beleza exterior.” De dentro para fora, não de fora para dentro. E a autoestima? “Se a autoestima está em baixo, é porque há alguma lacuna na vida e é preciso resolver isso muito bem”, responde.

Em tempo de pandemia, a apresentadora da TVI não maltrata a aparência. “Sinto que nunca me descuido. Mesmo quando estou relaxada e descontraída, estou cuidada de dentro para fora.” Tudo passa por aceitar quem é, gostar de como se é. “Faço esse trabalho, aceitar-me como sou e gostar de mim com as minhas características, com o meu metro e 58 de altura.” A pandemia até pode significar uma viragem. “Fazer ‘reset’ e privilegiar a vida pessoal.”

Jorge Gabriel não alterou rotinas em relação à imagem. Nem dentro, nem fora de casa. “Faço exatamente as mesmas escolhas, muito informais, não são abandalhadas, são informais. Não sou de usar fato e gravata, nem de grandes aventuras visuais.”

O apresentador da RTP não saiu do ar, a exposição manteve-se. “As calças de ganga são as minhas maiores amigas”, confirma. Com as restrições e regras, passou mais tempo em casa durante as tardes sem, porém, mudar hábitos. T-shirt e calças de fato de treino ou calções ou calções de pijama e chinelos ou pés descalços (meias se sentir frio). Tudo igual, portanto, antes e depois da pandemia. “Em termos de roupa, faço o que já fazia.”

“Faço exatamente as mesmas escolhas, muito informais, não são abandalhadas, são informais. Não sou de usar fato e gravata, nem de grandes aventuras visuais”, reconhece Jorge Gabriel, apresentador de televisão (Foto: Fábio Poço/Global Imagens)

Tudo igual: rotinas, imagem, aparência, autoestima. O que se vê por fora pode não ter relação com o que anda lá dentro. Para Jorge Gabriel, a pandemia colocou a imagem no seu sítio. “As pessoas passaram a dar à imagem o devido valor que deve ter.” O que importa, diz, é sentir-se bem como se é, com o que se veste e valorizar a liberdade e a saúde, na justa medida. É mais importante agradar pelo que salta à vista ou pelo que sai do coração? Essa é a pergunta para o apresentador de televisão.

“Toda a gente tem dias e dias. Umas vezes, ocupa-se mais da imagem, outras vezes menos”, diz Ágata. Tudo depende do estado de espírito e do valor que a aparência tem para cada um. “Há dias em que temos mais vontade de cuidar de nós.” A cantora faz por isso, não se entrega à preguiça ou ao desmazelo, confessa que engordou dois quilos, que, entretanto, já perdeu, e continua a levar a vida para a frente. “Continuo a cantar em estúdio e a dar o melhor de mim. Ninguém gosta de estar mal e a vida tem de continuar.”

Escudo ou fator de vulnerabilidade

Nem tudo o que parece é. Deixar de pintar o cabelo não é desleixo quando há vontade de assumir a cor da idade, querer deixar de usar tintas, mostrar que se está bem assim. Duas pessoas com corpos idênticos podem não ter a mesma perceção, uma achar-se bonita, outra ver-se feia. Mudar para um estilo mais descontraído não significa falta de cuidado, mas estar bem na própria pele.

A aparência não é tudo. “A autoestima é uma manifestação de um todo, não é só um reflexo do que achamos sobre nós ou a nossa autoimagem. É um conceito mais alargado, onde cabe não só a imagem, mas a forma como olhamos para nós, a forma como nos sentimos connosco e com os outros”, adianta Diana Gaspar, psicóloga, especialista em psicologia positiva.

O isolamento e a ausência de rotinas causam naturalmente impacto. “A partir do momento que as rotinas são alteradas, em que deixamos tanto de ir à rua, tanto de ir ao trabalho, tanto de estar com os outros, se calhar aquele que era o desleixo ou a necessidade de estar mais simples, ou menos cuidado em algumas dimensões, pode ficar afetado e sofrer alterações com consequências negativas para a forma como nos sentimos connosco”, refere. Mas quem já tinha tendência para cuidar de si terá mantido esse cuidado, quem já estava mais desligado da sua imagem assim terá continuado.

Não há evidências científicas de que a informalidade causa impacto na autoestima. Nem sim, nem não. Mas há aspetos relevantes. “Pelo que sabemos da relação entre fatores que geram stresse, autoestima e saúde psicológica, podemos deduzir que uma baixa autoestima, associada à vivência de aspetos stressantes da pandemia, pode resultar num conjunto de fragilidades psicológicas”, explica Nuno Mendes Duarte, psicólogo clínico e psicoterapeuta.

“Toda a gente tem dias e dias. Umas vezes, ocupa-se mais da imagem, outras vezes menos”, conta a cantora Ágata (Foto: Orlando Almeida/Global Imagens)

O excesso de informalidade, o desmazelo, o descuido com a imagem, são consequência de determinados estados emocionais menos positivos. A informalidade em reuniões de teletrabalho, por exemplo, não é necessariamente sinónima de descuido. Mas a angústia e a ansiedade perante alterações de vida, como o confinamento ou a perda do emprego, provocam tristeza que pode conduzir a um maior desmazelo. “Se, por outro lado, imaginarmos pessoas com boa autoestima, que não tenham sentido o teletrabalho como um stressor negativo, então a informalidade com que se apresentam pode até constituir um elemento de relaxamento e conforto, que em nada afeta a visão de si próprios”, aponta o psicólogo.

A autoestima pode, sublinha Nuno Mendes Duarte, “funcionar como um escudo ou fator de vulnerabilidade perante desafios ou eventos que causam stresse.” Há situações, sustenta, em que “estar desmazelado, sem querer cuidar de si, pode ser um sinal de que a saúde psicológica está afetada e, necessariamente, a autoestima e a visão de si também.”

Susana Marques Pinto, stylist, tem uma perspetiva colada às circunstâncias. “Não sei bem se o que baixa a autoestima é a roupa ou se é a incógnita perante o futuro – e a forma como nos vestimos é um mero reflexo disto tudo”, comenta. Há menos preocupação com a imagem, mais tempo em casa pede roupa mais descontraída. “Já não se vai tanto para a rua maquilhada, não necessariamente que isto se traduza em autoestima.”

A pandemia refreou essa preocupação exacerbada com a aparência e o que remexe as entranhas agarra-se mais ao momento que vivemos. “O abuso de vaidade, de preocupação com a imagem, de mostrar aos outros, muito de rede social, regrediu bastante, neste momento”, analisa a stylist. “Não vejo isso com um handicap. Acho que é desejável essa diminuição de exagero.”

O que fazer

  • Sentir-se bem na própria pele é sentir-se bem com os outros.
  • Criar novas rotinas em tempos de pandemia. As rotinas organizam internamente a forma como estamos connosco e com os outros.
  • Criar momentos de autocuidado no dia a dia.
  • Adotar um estilo mais descontraído, mas consciente do autocuidado.
  • Mais tempo em casa, mais cuidado com a alimentação. Não desleixar no que se come. Evitar comprar certos alimentos.
  • Teletrabalho com timings bem definidos. Estipular intervalos. Tomar café na rua, parar na hora de almoço, fazer uma caminhada, ter momentos para sair de casa.
  • Ter tempo. Ler um livro, ver um filme, fazer alongamentos, estar com a família, cuidar da imagem.
  • Parar de pensar que é possível fazer tudo ao mesmo tempo.