Sentir ansiedade por algo que está para acontecer é normal. A continuidade desse estado, cujo pico é o ataque de pânico, já foge ao habitual. Diogo e Andreia falam da patologia, do estigma, da falta de respostas e do como se vive com esse estado.
Andreia Ferreira vive em Vila Nova de Famalicão e tem fases de “não querer sair do quarto ou ver a luz do sol”. Tem dias em que só quer chorar, ouvir música. “Às vezes questiono o porquê de tanto sofrimento ao ponto de querer desaparecer.” Tem 36 anos, é operadora especializada numa cadeia de supermercados e diz que sofre de ansiedade. “Desde que me conheço por ‘gente’.” Durante uma crise sente falta de ar, palpitações, tremores e uma sensação desconcertante no peito. “É mais do que uma ansiedade normal e saudável, que vem naquele momento e vai embora. É contínua. Não acaba.”
“A ansiedade é uma resposta neurofisiológica a uma vivência de medo, mesmo que não se consiga identificar esse medo. As pessoas apresentam sintomas físicos como a taquicardia, respiração superficial com frequência aumentada, sudação, sensação de frio ou de calor, tonturas ou vertigem, sensação de desmaio e sintomas gastrointestinais”, pormenoriza João Luís Freitas, médico psiquiatra e diretor de serviço no Hospital de Magalhães Lemos, do Porto. O clínico acrescenta que “o ataque de pânico é o pico máximo da ansiedade” e comenta que o primeiro “surge com frequência num período de perda (luto ou divórcio) e pouco mais há a fazer do que ir às urgências hospitalares”.
Segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, mais de um quinto dos portugueses sofre de uma perturbação psiquiátrica (22,9%), uma taxa que na Europa só é ultrapassada pela Irlanda do Norte (23,1%). O primeiro Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, de 2013, refere que as perturbações da ansiedade (PA) têm uma prevalência anual de 16,5%. Entre elas, a perturbação do pânico (PP), com uma prevalência anual de 1,7%, e o transtorno de ansiedade generalizada (TAG), com 4,3%.
Cerca de 80% das pessoas que Natacha Seixas acompanha sofrem de PA, PP ou ambas. A psicóloga clínica de Lisboa, autora do livro “Crescer comigo”, diz que podem pedir o seu auxílio por uma outra patologia e terem como comorbilidade a ansiedade e/ou o pânico. “A maioria acredita padecer de uma doença física grave e tem dificuldade em aceitar que seja produto da própria mente”, mas geralmente fica descartada a possibilidade de uma doença física com a bateria de exames que justificassem os sintomas. Por norma, estes indivíduos procuram ajuda “em última instância, desesperados, com pensamentos automáticos negativos, muito focados nas sensações corporais e nas suas consequências. Sentem-se confusos. Não sabem bem descrever o que sentem, ‘caem’ na consulta muito perdidos e envolvidos na ‘crise’”.
22,9%
Percentagem de portugueses que sofre de uma perturbação psiquiátrica, segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental
Andreia sofreu ataques de pânico durante um ano e recorda a “sensação de que se vai morrer naquele dia” e “o medo constante e ensurdecedor”. Não percebia o que se passava, porém constata que se o pânico aparece do nada, a ansiedade ocorre quando quer “fazer algo, atingir um objetivo, realização pessoal e profissional, tudo ao mesmo tempo”, o que acaba por não acontecer. “Sinto-me frustrada. Ser pessimista também não ajuda em nada”, sublinha, admitindo que, no início, não falava com ninguém, em parte “porque existem muitas pessoas retrógradas que não entendem e ainda julgam”.
A propósito do estigma, João Luís Freitas considera que há caminho a desbravar na área da psiquiatria e saúde mental. “A doença psiquiátrica é encarada como sendo de uma natureza diferente. Ninguém tem culpa de ter uma úlcera no estômago, mas já tem culpa de não ser uma pessoa calma. Há a noção de que a doença mental está ligada a uma certa fragilidade: se está deprimido, deve ser fraco. Mas trata-se de uma patologia como as outras, embora mais complexa.” Natacha Seixas corrobora e realça que existe a crença de que “o psicólogo é para malucos”, uma terminologia que no seu entender deve ser desmistificada. “As pessoas devem procurar um profissional de saúde mental sempre que precisem de contar os seus segredos, a raiva, a zanga, os gritos silenciados, as dores não choradas, os sentimentos desprezados, as palavras caladas, os pensamentos perturbados, as vozes que lhe falam.”
“Essa coisa”
Andreia procurou ajuda especializada quando “já não tinha controlo” e os estados “interferiam com tudo”. “Os sintomas fazem com que não consigamos dar um belo passeio em lugares barulhentos e movimentados, porque sentimos que algo nos rouba a concentração do aqui e do agora.” Ela chama “essa coisa” ao que lhe retira vida e a condiciona. “Durante os ataques de ansiedade não estou bem em lado nenhum. A nível profissional as pessoas que não passam pelo mesmo dizem que não quero trabalhar. Têm que se colocar mais no lugar do próximo e não julgarem pela aparência”, frisa esta mulher, que hoje conhece os motivos que desencadearam a ansiedade. Fala na infância e em “violência doméstica” por parte dos pais e “bullying na escola”.
João Luís Freitas assegura haver razões circunstanciais e desenvolvimentais. “Existe uma história até chegar a um ponto e são vários os motivos para que num determinado momento uma pessoa fique fragilizada, para começar a desenvolver uma ansiedade crónica, permanente e mais intensa.”
16,5%
Prevalência anual das perturbações da ansiedade. Entre elas a perturbação do pânico, com uma prevalência anual de 1,7%, e o transtorno de ansiedade generalizada, com 4,3%
“Os cientistas indicam que as PA afetam mais as mulheres e podem ter como causa alguns fatores de risco, tais como genética, situações de intenso stresse, morte ou enfermidade de um ente querido, mudanças drásticas, experiência traumática, abuso sexual ou abandono na infância”, enumera Natacha Seixas.
Daniela Paiva é enfermeira no Serviço de Hematologia do Hospital de São João, no Porto, e atesta que “as doenças oncológicas provocam um grande sofrimento ao nível psicológico, além do forte impacto emocional”, pelo que quem delas padece facilmente desenvolve ansiedade. Acredita, por isso, que necessitam de um acompanhamento especial. “Nós, enfermeiros, temos de lhes falar com carinho. Os cuidados têm de ser humanizados. Por outro lado, têm de ocupar o tempo. Estão internados longos períodos.” Chama a atenção para o facto de a saúde ser física mas também mental. Eis a sua motivação para um projeto que pretende desenvolver. Por enquanto, ocupa-se da pesquisa sobre formas de contribuir para reduzir a ansiedade no hospital. “Os fármacos são essenciais, mas existem ferramentas não farmacológicas que complementam a medicação.”
Com base nos 30 anos de experiência, João Luís Freitas confirma que “os medicamentos são absolutamente fundamentais, ainda que a longo prazo sirvam de pouco”. Ou seja, não vão resolver “por si a perturbação de pânico sem outras intervenções acessórias”. Para Natacha Seixas, “é desejável que o tratamento psicofarmacológico aconteça juntamente com o acompanhamento psicológico, para minimizar o desconforto das sensações psicossomáticas”. Refere também a terapia cognitivo-comportamental e a introdução de técnicas de relaxamento como programação neurolinguística, hipnose e meditação.
Menos sedativos, mais terapia
Diogo Oliveira, 32 anos, encontrou uma alternativa depois de “ter sido ignorado pelo Serviço Nacional de Saúde [SNS]”. Por iniciativa própria, recorreu ao setor privado, onde foi acompanhado por psicólogos, psiquiatras e hipnólogos. “Comecei a estudar e a aprender técnicas de respiração que me ajudaram a perceber como evitar as situações de crise”, conta este técnico administrativo de Vila Nova de Gaia.
Para explicar como aqui chegou, Diogo recuou até aos 15 anos. “Num dia normal de aulas, do nada, comecei a sentir-me mal. Um forte aperto no peito, dificuldade em respirar, batimento cardíaco acelerado e um tremendo medo. Naquele momento pensei que iria morrer, fiquei sem reação e em desespero.” Assim recorda o primeiro ataque de pânico que o atirou para as urgências hospitalares. O segundo ocorreu no dia seguinte e, a partir daí, passou a viver num “estado de terror, de medo e de insegurança”. Era habitual ter crises nas aulas, nos transportes ou em casa. “Todos diziam que seria apenas uma fase da idade. Não tinha ninguém que me conseguisse compreender”, relata Diogo, que foi encaminhado para o médico de família. “O SNS continua a lidar com estes casos com a prescrição de sedativos. Não há preocupação em descobrir a causa, apenas amenizar as crises. Em dez anos fiz vários pedidos para ter uma consulta de psiquiatria e todos foram negados, sem qualquer justificação”, desabafa. Os ataques de pânico interferiram negativamente nos campos social e familiar. Porém, teve um “grande apoio” da empresa onde trabalha.
A abordagem terapêutica incidiu na sintomatologia, mas também ajudou Diogo a descobrir a causa do problema – uma causa que não quer partilhar com a “Notícias Magazine”, salientando apenas o facto dessa descoberta ter sido fundamental para conseguir “bloquear situações de crises”. Garante: “Há mais de dois anos que não tenho um ataque de pânico.” Em 2017, criou um grupo no Facebook que conta com mais de 200 membros, entre eles profissionais de saúde, para facilitar a partilha de experiências, desabafar ou esclarecer dúvidas.
Andreia Ferreira encontrou mais estabilidade e vai (con)vivendo quer com a ansiedade, quer com a depressão entretanto diagnosticada, com o apoio do psiquiatra. “Os medicamentos ajudam a controlar os sintomas, mas penso que se deve procurar outras formas complementares, que ajudem a encarar o problema, para não ser só com químicos.”
Sinais de alerta
“Não há explicações para as pessoas terem sintomas diferentes umas das outras, mas geralmente um ataque de pânico envolve pelo menos quatro sintomas”, refere a psicóloga Natacha Seixas. São sintomas que surgem repentinamente, podendo durar “de alguns segundos a meia hora, embora geralmente sejam de dez minutos”:
- Sensação de perigo iminente
- Medo de perder o controlo
- Medo de enlouquecer
- Hiperventilação
- Tremores
- Falta de ar
- Taquicardia
- Sudorese
- Náuseas
- Dor abdominal
- Dores no peito
- Dores de cabeça
- Tontura
- Desmaio
- Dificuldade a engolir
- Sensação semelhante a um ataque cardíaco
- Dormência
- Medo de morrer
- Pensamentos negativos
- Algumas pessoas também experimentam desrealização (sentimentos de irrealidade) ou despersonalização (sentimento de desapego de si mesmo)
Medidas preventivas
O psiquiatra João Luís Freitas indica algumas medidas para a ansiedade não ultrapassar níveis razoáveis:
- Criar hábitos saudáveis
- Ter rotinas
- Ter um bom sono (por exemplo, não usar a TV para tranquilizar ou adormecer)
- Desmontar o discurso de não ter tempo para fazer algo saudável (por exemplo, um desporto)
- Levantar e deitar a horas certas
- Encontrar situações de relaxamento e prazer para tirar a tensão do dia a dia
- Pedir ajuda profissional. Não menosprezar a medicação, mas não lhe atribuir demasiada esperança. Ao fim e ao cabo, salta-se uma elevada fasquia treinando. São precisas três semanas para criar um hábito, bom ou mau