Nasceu e cresceu no mundo do turismo e da restauração. Considera-se “um bocado orgulhosa e bastante teimosa”. Detesta ingratidão quase tanto quanto sushi e amarelo. Não lhe faltam resiliência, coragem e uma gargalhada desarmante.
O setor é dos mais castigados pelo vírus. A lista de hotéis condenados cresce todos os dias. A de restaurantes sem futuro, também. Centenas e centenas dos 40 mil postos de trabalho diretos estão ameaçados. O rol de trabalhadores despedidos engrossa. Do poço sem fim à vista, emerge o rosto da secretária-geral da AHRESP. Por extenso: Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal. O título, difuso, diz desde logo da complexidade da tarefa de Ana Jacinto. “São processos muito sensíveis, tendo em conta um tecido associativo muito disperso”, concorda Pedro Machado. “Mas que a Ana gere com muita mestria”, acrescenta. O presidente do Turismo do Centro de Portugal conhece bem a perfilada. “Extraordinário profissionalismo, capacidade de trabalho, um porto seguro neste momento difícil.” Releva ainda “o esforço no sentido de ter presença assídua nos media”. Não esquece a primeira impressão. “O trato cordial, a gargalhada muito sonora.”
Susana Leitão é colaboradora na associação, amiga e prima chegada. “A Ana começa a acusar algum cansaço, são muitos meses a lidar com os efeitos da pandemia, muito severos para o setor. Mas não baixa os braços.” Resiliência, coragem e a tal gargalhada “que a define mesmo em momentos muito adversos”.
O mais doloroso viveu-o na adolescência, de forma inesperada, ensombrando dias felizes e despreocupados – “A nadar no mar, a ouvir música, a devorar filmes de terror e gelados”. A morte repentina da mãe mudaria para sempre a vida da rapariga de 13 anos. “Filha única, menina da mamã, muito protegida, recolhi-me. Não exteriorizei a dor. Só hoje, tantos anos depois, consigo admitir que nunca ultrapassei a perda.”
Manteve-se aluna excelente e assumiu outras responsabilidades. O pai, “pai e mãe”, tornou-se uma figura central. Antero Jacinto, barman de profissão, foi dirigente do Club Barman de Portugal, da Associação Barman de Portugal e também da AHRESP. Inaugurou restaurante e bares com história, na capital. “Em alguns até lavei pratos”, diz a filha. Ana nasceu e cresceu no mundo em que se move. Entrou na AHRESP como conselheira jurídica aos 21 anos, acabada de se formar em Direito. “Era um mundo de homens. Nos primeiros anos, era a única presença feminina nas reuniões.” Sentiu, “aqui e ali”, o tratamento paternalista. “Mas nunca fui alvo de comentários sexistas”, faz questão de dizer. Diferente aconteceu na sala do tribunal. “Um dia tropecei na toga, caí sobre o juiz, que disse isto: ‘Nunca vi ninguém fazer tanto para ganhar um processo’. Foi das coisas mais machistas que ouvi.”
Acorda às seis e meia da manhã para correr. Regressa perto das nove da noite “para ainda fazer o jantar”. Admite: “Ultimamente acordo um pouco cansada. Preocupada porque vejo pessoas desesperadas”. Tem um filho, estudante na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, e Mia, a cachorra que há pouco tempo resgatou ao canil. A Mia precisa da largueza que um apartamento não tem e, por isso, mais de que nunca, a casa da Ericeira tornou-se refúgio de fim de semana. “A cachorra precisa de correr.” Ela, da presença do mar. “Recompõe-me.”
Defeitos, tem “muitíssimos. “Um bocado orgulhosa. E teimosa.” Detesta ingratidão quase tanto quanto sushi e amarelo. Compreende as medidas restritivas tomadas pelo Governo, mas deixa um pedido: “Por favor, não deixem de ir aos restaurantes”.
Ana Cristina Pereira Correia Jacinto Lopes
Cargo: secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP)
Nascimento: 10/12/1973 (46 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Lisboa)