Ana Bravo: “Não sabia o que era o verdadeiro amor”

A nutricionista Ana Bravo é autora do blogue "Nutrição com Coração" (Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Primeiro, a morte repentina do irmão, obrigando-a a um luto sem respostas. Depois, a aparente derrocada de um sonho, seria difícil ser mãe. Sob a capa de supermulher, a nutricionista trabalhou até perder o equilíbrio. Estava à porta de um burnout, disse-lhe o médico, que entendeu a necessidade da paciente fazer um voo picado à sua espiritualidade. Sem contar, conheceu um guru, renasceu e está de volta. Hoje, há uma nova Ana Bravo em cena, muito parecida com a menina que cresceu na aldeia, entre tachos e nenucos.

Da vidraça de casa, que quase toca as nuvens, vê o mar. É com essa paisagem que medita, recolhida na cadeira de junco que balança a um canto da sala. Um quadro quase perfeito, não fosse a nutricionista Ana Bravo um espírito de campo. É por isso que a entrevista acontece no Parque da Cidade, no Porto. No meio da Natureza, para onde irá migrar mal encontre um cantinho mágico. Serena, numa conversa em que abunda a palavra amor, leva-nos numa viagem às origens. Dá-nos a conhecer a família, o percurso de empresária, os segredos da Nutrição e as fragilidades que chegou a camuflar num mundo cor-de-rosa. Vestiu umas calças de ganga, um top azul-bebé e um sorriso largo e saiu. Podia ter sido um vestido esvoaçante, foi a própria quem pensou nisso. Afinal, há duas mulheres que são a mesma. Uma usa saltos altos. Outra pisa a terra com os pés descalços. Mas ambas assumem que o caminho pelo equilíbrio entre o ser e o estar ainda só vai a meio.

Que memórias guarda da infância, de crescer na aldeia, que valores tirou daí?
Vivi em Vila Real até aos 12 anos e depois fui viver para Chaves, para perto dos meus avós maternos. Só aos 14 é que fui para essa dita aldeia. A minha infância foi feliz com alguns contratempos. Tenho muitos irmãos – cinco, infelizmente um já morreu, mas somos sempre seis -, tenho uma família muito grande, e somos todos muito diferentes, mas damos-nos todos muito bem. E tenho muitos sobrinhos também. A minha infância foi passada a fazer aquelas brincadeiras na rua ou em casa, a dar cabo dos tachos todos da minha mãe, de forma a que não havia retorno, porque achávamos que os bolos se faziam de uma maneira diferente. Ficavam uma tal argamassa que depois já não havia conserto para aquilo (risos). Eu e a Kiki [a melhor amiga] andávamos sempre nessas brincadeiras. O nosso sítio de eleição era a cozinha da avó Luz. Cozinhávamos com tudo. Se não nos dessem comida, porque às vezes davam-nos massinhas partidas, arroz, farinha, fazíamos com terra. Sempre estivemos muito à volta dos tachos e assim continuamos até hoje.

Que profissões tinham os seus pais, de que família vem a Ana?
Os meus pais são professores. O meu avô era professor primário, são avós de cidade, entre aspas, sempre viveram no centro de Chaves. Os meus avós maternos tiveram uma presença muito marcada na minha vida e continuam a ter. A minha avó materna continua muito presente, a avó Bravo, como eu lhe chamo. Infelizmente, tive menos contacto com os meus avós paternos. Com a minha avó paterna ainda tive bastante. Tenho uma memória muito boa de dormir com ela. Antes de dormir, tomava uma chávena de Cerelac, mas muito fininho, assim uma papa que só a minha avó sabia fazer. Volta e meia, quando eu estou doente, uma doença de nada, aquela chávena cura tudo imediatamente (risos). Os meus pais sempre me deram uma educação que eu agradeço. Tiveram q.b. de exigência, mas também q.b. de liberdade. Tenho muito orgulho nos meus pais, tenho muita sorte, agradeço a Deus a família em que nasci.

Sendo tão unidos, perder um irmão foi doloroso. Ainda para mais teve de fazer um luto sem respostas.
Pois. Eu acho que na verdade não se faz esse luto sem respostas. As pessoas acham que fazem, mas fica gravado cá dentro, e chega a uma determinada altura em que tudo se exterioriza. O meu irmão morreu há 11 anos. Era uma pessoa super saudável, morreu repentinamente, estava na Argélia a trabalhar. Recebi a notícia nessa manhã, muito cedo. Íamos ter um almoço de família e fui a pessoa que deu a notícia. Foi muito pesado, mas a minha reação também foi muito estranha. Na altura achei que era muito forte e fui trabalhar no dia a seguir. Hoje, acho que não tive respeito por mim nesse momento. Era domingo, fui trabalhar na segunda-feira porque tinha muitas consultas marcadas e tinha inclusivamente pessoas que vinham de uma ilha, com voo, etc. Pensei, “vou dar as consultas e depois então tiro uns dias para tratar da minha família”. Mas, lá está, não era para tratar de mim, era para tratar da minha família. Portanto, na verdade, eu não vivi o luto como se deve viver. Hoje, tenho mais respostas do que tinha nessa altura. Foi um filme de terror literalmente, o corpo veio da Argélia passado um mês, veio sem coração. Nada era conclusivo, lá, cá.… Às tantas já estava toda a gente tão desgastada, sem o mínimo de energia, que só queríamos fechar o assunto. Mas sem respostas não o conseguimos fechar. O meu burnout teve a ver com esse acumular, com o somatório de todos esses acontecimentos que nós achamos que já estão apaziguados e na verdade ainda não foram encaixados na gavetinha certa.

Esse lado afetivo, de cuidar dos outros, muito maternal, é revelador do seu grande sonho, ser mãe. Porém, há um problema. Qual é?
Nunca questionei se podia ser mãe. Grande parte das minhas brincadeiras era fazer a comida para dar aos bebés, aos nenucos, não era para eu comer. Fazia roupinhas para os bebés. Como não sabia, dava cabo das minhas camisas de dormir todas. Desenhava o nenuco na camisola, cortava e cosia. Dava-lhes banho e papinha. O primeiro dinheiro que juntei a sério foi para comprar fraldas para recém-nascidos, que eram caríssimas, e aquilo era uma alegria. Portanto, nunca me passou pela cabeça que não pudesse ser mãe. Toda a vida vivi com o sonho. Esse era o sonho. Não passava pela nutrição, esse é dos que se agregam. O sonho era ser mãe. Há quatro anos e meio, mais ou menos, numa consulta de rotina o meu médico disse-me que estava a achar alguma coisa estranha. Pediu-me para fazer umas análises mais específicas e percebeu que eu tinha uma reserva ovárica muito mais baixa do que seria de esperar para a minha idade. Na altura, o que me sugeriu foi que eu fosse mãe o mais rapidamente possível, mas que mesmo assim poderia ter dificuldades. Ou seja, não seria tão linear como sempre imaginei que seria. Quando cheguei a casa, parei o carro em frente à minha garagem e estive mais de uma hora a chorar. Se é reversível? Entretanto já procurei mais opiniões e dizem-me que não é simples, não é tão fácil como normalmente é para uma mulher, mas que sim, que provavelmente será possível.

Esse é o grande sonho mas, apesar dessa notícia, nunca sentiu essa urgência, nem de si, nem por parte dos outros?
Todos os dias estou com os filhos das minhas grandes amigas ou com os meus sobrinhos. Vivo muito entre crianças, mas não passo a minha vida a dizer “ai quero tanto ter um filho”. Nem para mim mesma. Seria um ato de egoísmo puro ter um filho só porque sim. É preciso ter tanto, tanto cuidado com as crianças. Tenho essa noção clara que um filho será seguramente fruto de muito amor. Não vou acelerar, vou esperar. Tenho muita fé que aconteça naturalmente, não com todos os tratamentos que me propõem. A fé não morre.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

Como nasce o amor pela cozinha?
O meu pai cozinha muito bem. Mesmo. E a minha mãe sempre cozinhou com muito amor. Nós cantávamos na cozinha, era um momento alegre. E mais ainda quando fomos morar para a aldeia. A dona Rita, a vizinha da frente, levava-nos tudo, a alface, a couve, o feijão. Tudo aquilo tinha um cheirinho… E esse cheirinho vinha mesmo para o nosso tacho. A minha mãe nunca permitiu que tivéssemos comida processada em casa. Um dos meus lanches favoritos no verão era, e continua a ser, tomate-coração-de-boi cortado com cebola e pedacinhos de pão centeio, que é o pão que se usa mais em Chaves, com um bocadinho de azeite. É uma maravilha. Tinha filhos de colegas dos meus pais, de outras zonas do país, que iam passar férias comigo e sentiam falta das bolachas. Na altura, às vezes, sentia-me um bocadinho constrangida. Hoje agradeço muito essa educação alimentar que fui tendo ao longo da vida.

A cozinha que aprendeu é muito diferente da que hoje incentiva as outras pessoas a seguir?
Não, tem muito poucas diferenças. A minha mãe sempre nos ensinou a gostar dos alimentos, a saber o que eles são, sem demasiados condimentos. Ensinou-me que pôr uma boa cama de legumes, por exemplo, num assado faz dele uma maravilha e quase não é preciso usar gordura. Passei tudo isso para a minha vida profissional e deu-me muito jeito. E acho que fui buscar a capacidade de trabalho, o estar sempre em movimento, ao meu pai. Ele é uma pessoa que vive muito no meio dos livros, da música, que acorda muito cedo, cinco, seis da manhã e vai para o escritório. Depois desse momento, vai preparar o pequeno-almoço para toda a gente. Põe uma mesa muito bonita e tudo aquilo sempre me inspirou e continua a inspirar.

A nutrição não foi o primeiro amor. O que queria cursar inicialmente e o que fez com que acabasse na nutrição?
Quando era miúda, queria ser hospedeira, mas depois passou-me e quis ser médica. Escolhi Medicina porque era boa aluna. Quando não estava a tratar bem os meus bonecos, estava a tentar abri-los. Não entrei por duas décimas e para não ficar um ano parada entrei em Nutrição. Aí percebi claramente que tinha sido colocada, como tantas vezes na minha vida, no sítio certo.

A partir daí começa toda uma nova vida, com mediatismo.
Nada na minha vida profissional foi pensado, a verdade é esta. Fui fazendo aquilo que sentia, aquilo que amava, aquilo que me movia. Trabalhei aqui no Porto, tive a minha clínica muito cedo, mas depois, em Lisboa, comecei a trabalhar com o Ibérico Nogueira, o cirurgião plástico, um amigo do coração. Na altura, convidou-me para irmos a um programa da SIC. E eu fui, claro, não podia dizer que não à pessoa que me tinha acolhido, que tinha acreditado no meu trabalho. Fui contrariada, confesso, mesmo contrariada. Estava em Trás-os-Montes com a minha família toda, lembro-me que foi entre o Natal e a Passagem de Ano. Não era a minha praia, achava eu. A verdade é que me esqueci que tinha câmaras à frente. Na semana a seguir, a Júlia Pinheiro entrou na SIC, chamou-me e eu passei a ir todas as semanas, e isso ajudou. Mais uma coisa que não foi pensada: muitas pessoas perguntavam-me o que é que eu comia ao pequeno-almoço, ao almoço, ao jantar, e eu respondia a mensagens privadas. Vinha no comboio [Lisboa-Porto] e pensei “vou criar uma página [no Facebook] para pôr lá tudo o que como”. Não me custava nada, tirava uma fotografia e publicava. Surgiu aí o nome “Nutrição com o Coração”. No dia a seguir, quando acordei para ir treinar, às 6.30 da manhã, tinha quase cinco mil seguidores. Nessa altura, há cinco, seis anos, fui muito criticada porque não havia outro nutricionista a fazer o mesmo em Portugal. Apontaram-me o dedo, disseram que não tinha jeito nenhum, “agora a nutricionista anda ali a pôr tudo aquilo que come”. Passamos por essas fases quando saímos um bocado fora da caixa.

Essa excessiva exposição pública fez com que se afastasse do que hoje tanto valoriza?
Sim, sim, sem dúvida. Nunca fui deslumbrada por esse mundo, mas a determinada altura estava mais envolvida nele do que no que tem mais a ver com a minha essência. Isso roubava-me energia. Uma coisa era ter a minha vida profissional exposta. A partir do momento em que a minha vida privada passou a ter alguma importância, foi francamente mau. Foi uma experiência muito desagradável. Já foi ultrapassada há muito, estou a falar do meu namoro com o Zé [José Fidalgo]. Nas redes sociais, a determinada altura, estejamos bem ou maldispostas, tristes, contentes ou assim-assim, a nossa cara é sempre a mesma. Porque o que queremos passar é que “este é um mundo cor-de-rosa, estamos todos felizes, estamos todos bem”, e não é verdade. Não tenho de partilhar um mundo cor-de-rosa, porque a minha vida não é um mundo cor-de-rosa. E eu só passei a fazer verdadeiramente isso quando percebi nas consultas que isso fazia mal a muitas pessoas. Achavam que aquilo era a vida, queriam atingir aquilo e não conseguiam. O que as deixava frustradas, tristes. E eu pensava, não posso estar a contribuir para isto. Se eu acordar triste, das duas uma, ou não publico ou se as pessoas notarem que estou com uma cara mais tristonha, ok, é normal. Se tiver olheiras, tenho olheiras. Se por acaso me arranjar toda bonita para ir a uma festa, também gosto de mostrar que me arranjei porque sou vaidosa, q.b.. Desde que isso não interfira demasiado com o que realmente importa, acho que está ótimo. Deve é haver um equilíbrio e passar às pessoas a mensagem de que todos temos dias maus, todos temos problemas, todos temos contrariedades, coisas que nos deixam tristes, fraquezas.

E como é que chegou ao burnout?
Há dois anos e meio cheguei a um ponto extremo de cansaço, de tristeza. Sintomas físicos de que algo não estava bem e que tinha de parar e pensar. Embora me dissessem “Ana, precisas de tomar medicamentos para melhorar”, tinha como certo que não era um tratamento desses que precisava. Precisava era de voltar a mim. A determinada altura, com o ramerrame e a correria, deixei de ter tempo para isso. E comecei a definhar, literalmente foi isto que aconteceu. E quando voltei a ter tempo, mergulhei na Natureza, que amo, no meio do campo, no meio da floresta, no meio do rio, para me ouvir.

Como percebe que não está bem, que os outros percebem que não está bem, e ganha coragem para pedir ajuda?
Os meus pais iam dizendo isso: “Ana, o teu ritmo é muito acelerado, não vai dar certo, em algum momento isso vai descambar”. Mas eu tinha super poderes, conseguia tudo, fazia tudo. E depois, como o resultado estava à vista e era bom, continuava naquilo, não questionava, estava tudo bem. A determinada altura, no caminho para a clínica, comecei a ter de me agarrar, porque ficava muito zonza e tonta e a sensação é que tinha nuvens debaixo dos pés. Depois a privação de sono, comecei a ter dificuldade em concentrar-me, tive crises de ansiedade, ataques de pânico. É desesperante. Perdemos o controlo do nosso corpo, achamos que vamos morrer. O vital foi ir buscar um caminho, mas não o fiz sozinha.

Mas consultou um médico?
Sim, mas é um médico especial, que me conhece há muitos anos, que me entendia. Quando eu dizia: “doutor, não quero tomar medicamentos, sinto que é uma coisa que vem de dentro, não é uma coisa meramente física, e isto é o resultado de ter deixado a minha espiritualidade um bocado de lado”, ele entendia-me. Se calhar, se fosse outro médico, dizia “Ana, isso não faz sentido nenhum, tem é de tomar isto e aquilo”. Mas não, até foi com ele que vi a lista de tarefas que tinha, e juntos fizemos uma separação do que podia deixar e do que não podia deixar. Depois, fui em busca, sabia que me faltava alguma coisa, só não sabia o que era. Mas acabei por conhecer o meu guru e era a peça que faltava.

Como chega ao seu guru?
Cheguei na pior altura da minha vida, mas não foi isso que me fez querer ficar. Já procurava o meu guru há muito tempo, mas não sabia que ele tinha o nome de guru e que se chamava Paramahamsa Vishwananda. Fui no pico do meu burnout à Alemanha receber um darshan. Nem sabia muito bem o que era um guru, fui sem saber para o que ia, mas com alguma curiosidade. Aquilo que se sente num darshan do Paramahamsa Vishwananda – que é um momento em que ele nos coloca a mão na cabeça e nos olha nos olhos da forma mais bonita, mais profunda, mais cheia de amor – é como se mergulhasse dentro de nós. Não dá para explicar. E depois tudo fez sentido, as técnicas de ioga e meditação que aprendi fazem com que no dia a dia consigamos pôr o divino em todas as nossas ações. O que nós aprendemos é o que é o verdadeiro amor. As pessoas não sabem o que é. Eu não sabia o que era o verdadeiro amor.

Algumas dessas coisas que aprendeu partilhou no seu último livro, “Nutrição com o Coração”. Como percebe que fez a diferença?
É-me demonstrado com muito carinho. As pessoas agradecem, às vezes encontram-me na rua e caem-lhes as lágrimas, é uma coisa muito bonita. Na altura tive dúvidas porque me exponho muito no livro e pensei que me iria fragilizar muito. Por outro lado, pensei, depois do que passei, do que aprendi, este é um salto de coragem e vou fazê-lo.

As fragilidades de que falava há pouco, de não ter medo de as expor. A Ana é uma pessoa frágil. É fácil admitir as suas fragilidades, dizer quais são?
Sim, completamente. Tenho muitas fragilidades, claro que sim. Antes não o faria, jamais o faria, não era sequer hipótese. E é muito agradável fazer esta partilha com as pessoas. Fortalece-nos. Não há quem não tenha fragilidades. Mas que raio de capa é essa, que necessidade temos, como eu tive durante tanto tempo, de mostrar que era a supermulher? E isso só nos cansa, é uma armadura tão pesada, tão pesada, que nós carregamos dia após dia, após dia, após dia. Mas para quê?

E agora que voltou, e voltou com força, não sente que está a pisar novamente a linha? Não tem receio de voltar ao sítio onde foi obrigada a parar?
Se lhe disser que não, vou mentir (risos). Gostava de dizer que não. De facto, dou por mim muitas vezes empolgada com muitas coisas que acontecem. Tenho ainda de dosear. O meu caminho é longo. Ainda estou no início, sinto-me francamente melhor e sinto que tenho coisas muito boas para partilhar, mas tenho muito para aprender.

No caso da sua espiritualidade, o guru chocou de alguma forma com as crenças com que foi educada?
Não reparei nisso. Hoje em dia não questiono se as pessoas vão achar bem, mal ou assim-assim. Se tenho um guru que é a maior fonte de amor que conheço e que faz parte de todos os meus dias, não tinha por que não o partilhar. Se as pessoas pensam que eu sou maluca, é com elas.

E em que é que essa renovada espiritualidade se traduz no seu trabalho?
Muda tudo. Hoje em dia faço tudo com amor. Não é mecanizado, não é só porque sim, porque é uma obrigação, porque as pessoas esperam de mim, é com amor, e isto não é uma historia de encantar, é real. E o guru Gi ensinou-me isto, de diversas formas através de práticas espirituais, como a Atma Kriya Yoga, que faço diariamente. Ajudam-nos a encontrar esse ponto de serenidade pura, em que se sente um amor que depois dá vontade de espalhar pelo Mundo inteiro e isso reflete-se em tudo o que fazemos na vida. Na forma como trabalhamos. As minhas primeiras consultas passaram a ter mais 30 minutos porque o tempo que tinha antes não era suficiente para dar tudo o que eu queria dar. O tempo que passo na cozinha agora, em vez de ser um amontoado de trabalho, para ficar tudo despachado, é fazermos uma receita hoje, outra amanhã, e divertimo-nos, no sentido de estarmos com tempo, rimos. Tudo flui de forma completamente diferente. Nada é pesado. Não estou a dizer que não tenho dias tristes, é óbvio que tenho. Mas a forma como vemos a vida, como encaramos o que nos magoa, não tem nada a ver.

(Foto: Artur Machado/Global Imagens)

As pessoas comem pelo prazer de estar, de conviver. Há uma nova forma de comer. O reverso é muito mau?
Sou totalmente a favor do convívio em torno da mesa, é uma coisa muito cultural, muito nossa, não tem de deixar de ser assim. E comer não é um conjunto de regras fechadas que nos tornam a vida infeliz. Comer é um prazer, antes de mais, e deve continuar a ser. Mas, quanto mais infelizes somos e menos sabemos lidar com as emoções, mais comemos porque é uma forma imediata de compensação. Quanto mais temos vidas atribuladas, menos energia temos para chegar a casa e confecionar uma refeição. Vamos comprar opções que não têm interesse nenhum e essa realidade acaba por ser um ciclo vicioso. Procuro levar as pessoas a escutarem-se e a perceberem o que é que as faz querer seguir um plano alimentar, antes de o começarem. Porque muitas vezes seguem planos pelos motivos errados. Porque a amiga é magra, porque o namorado disse que estava gorda, não é pela saúde. Não é porque querem ter mais energia, porque se querem sentir mais leves. E acabam por andar nessas oscilações e depois é uma frustração. Se não nos tratarmos por dentro estamos a tapar o sol com a peneira. E isso é estar a tratar o efeito e não a causa.

A propósito do movimento #MeToo, a Ana, que é uma mulher bem-sucedida, empreendedora, em algum momento sentiu que era desvalorizada por ser mulher ou foi assediada?
Assediada exatamente assim, com esse peso, não. Comecei a trabalhar muito nova, como a maior parte de nós tinha muito cara de menina, e muitas vezes os pacientes iam à porta e diziam: “ó menina, chame-me a doutora”. E eu comecei a sentir a necessidade de deixar o meu lugar claro. No que respeita a esse assediar, nomeadamente por parte de homens com poder, já tive de me proteger, poderemos dizer assim, mas na verdade acho que soube fazê-lo.

Fez 39 anos há meses. Já dá para fazer uma retrospetiva. Cometeu muitos erros, havia muita coisa para modificar?
Não, nada para modificar. Não mudava nada. Mas sou uma pessoa diferente, não na essência, claro. Passei toda a vida em busca da minha espiritualidade, não sabia exatamente o caminho. A partir do momento em que encontrei, todo o puzzle se encaixa.

O que ficou pelo caminho?
Ter um filho. Espero que possa acontecer, não perco a esperança.

E estes projetos todos que tem, o que tem ainda mais para dar?
Neste momento, está tudo em cima da mesa. Não vou seguir todas as hipóteses possíveis, vou contrariar para não voltar a algo parecido com o que já vivi. Estamos a criar uma nova linha de produtos e algo ligado à restauração.

Ainda se sente uma supermulher?
Às vezes ainda tenho a mania (risos). Mas estou a fazer o meu caminho e vou, passo a passo, procurar cada vez mais esse equilíbrio que me mostra que não sou supermulher, que não faz sentido agarrar tantas coisas em simultâneo, querer tomar conta de tantas pessoas. Faz mais sentido, e é o meu propósito neste momento, ir morar para o campo, para um sítio pequenino, com muitas árvores, se possível com o som da água, um riacho, em que possa estar nessa minha paz e ter o momento em que me possa dar aos outros, através da profissão que escolhi. Agradeço todos os dias a Deus por me ter colocado neste caminho, na Nutrição.