Valter Hugo Mãe

Ah, Vila do Conde


As máscaras são como lenços de assoar que se dobram nos bolsos das camisas ou na carteira onde as senhoras têm a fotografia dos netos ou dos falecidos.

Nem me falem no vírus por Vila do Conde, que isto vai sempre parar às Caxinas, com as televisões a mostrarem as nossas dunas. A presidente da autarquia assume que o surto assenta sobretudo no foco da Gencoal, a conserveira aqui diante de minha casa, por onde nunca vi ninguém advertindo ao cuidado.

Várias vezes escutei acerca de pessoas com diagnóstico positivo e que não se deixam em isolamento. Mais, pessoas que não se diagnosticam oficialmente a menos que tenham sintomas graves. Há dias, na fila para os correios, uma moça garantia que, na fábrica, algumas mulheres trabalhavam caladas porque lhes deram sintomas ligeiros e assim não ficavam na mira de ninguém. Vale o que vale. São coisas que se dizem e devem traduzir sobretudo o medo ou o protesto de não haver melhor e mais atempada informação. Não fazemos ideia de como se controlam as coisas. Aqui, pela redondeza, o que se mostra é o descompromisso, o que significa o descontrolo total.

Deram de se juntar à nossa porta os adolescentes e algumas crianças. Com colunas de som a tocar umas confusões latinas, sempre a distorcer, ficam em bicicletas e empurrões, gritarias e estardalhaços num grupo de mais de vinte e trinta. Com os velhos a passar os dias inteiros para trás e para diante, ao caminho do pão quente ou das cervejas nos cafés, as máscaras são como lenços de assoar que se dobram nos bolsos das camisas ou na carteira onde as senhoras têm a fotografia dos netos ou dos falecidos. Aqui, à entrada do talho, tira-se a máscara de tão dobradinha e coloca-se no rosto sempre sem fôlego, que nas Caxinas somos todos meio asmáticos, tramados por esta maresia, pela humidade, pela nortada ou lá o que seja que ataca os pulmões. Para cada caminho, atravessa-se a estrepitante festa dos adolescentes, que ficam como carrosseis de bafo em torno de quem passa.

Em pouco mais de trinta dias dobramos os casos que existiam desde o início da pandemia. Os números actualizam-se lentamente, com muito poucas explicações, e nas ruas toda a gente carece de saber onde está, afinal, o problema. Agora vão disciplinar as esplanadas quando se multiplicaram as esplanadas exactamente por se dizer às pessoas que seriam seguras. Ninguém sabe em que ficamos. É tudo meio à deriva e um pouco depois de fazer sentido. Quando a imprensa noticia algo, a população já lá chegou por prudência medrosa. Uma ciência de boca em boca que mostra que, uma e outra vez, não há um serviço audível, inequívoco, no instante certo, prestado por autoridade alguma.

Os franceses estão todos por aí, e mais os que colocam as férias na praia no topo das prioridades de sobrevivência, e as Caxinas lá vão às cegas, sem mais do que a fé no Senhor dos Navegantes, cuja festa foi exactamente no início de agosto, quando isto começou a piorar a sério.

Uma menina perguntou se eu também vinha de França. Disse-me que parecia, porque em França as pessoas iam muito de máscara à rua, como eu, e em Portugal só acontecia para comprarem maçãs e iogurtes. Em Portugal, deve a menina achar, os ares já levam a purga. Tão junto ao oceano, o Senhor dos Navegantes providencia a morte do vírus aos banhistas. É uma autêntica alegria. Por entre o reggaeton, só se vê alegria.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)