A reviravolta profissional depois dos 40

Isa Silva agarrou-se às suas paixões, a pintura e o desenho. Tornou-se ilustradora e designer gráfica, trabalha em casa, em Lisboa (Foto: Diana Quintela/Global Imagens)

Um emprego já não é para a vida. Rita Correia era economista, agora faz bolos sem glúten. Isa Silva tinha 50 anos quando pintou o seu primeiro mural. Ana Margarida fazia velas, tornou-se esteticista por conta própria. João Pinheiro passou 30 anos na indústria da madeira até se dedicar ao turismo rural. Zélia Évora foi secretária 24 anos, neste momento faz sacos, chapéus e mochilas à mão. Jorge Nunes deixou a banca e dá formação em Mindfulness. Histórias de quem deu uma volta de 180 graus - sem idade.

Zélia Évora tinha 24 anos de casa, secretária de uma empresa de construção civil, fazia orçamentos, tratava de faturas, atendia telefonemas e clientes, geria dinheiro. Entrou com 19 anos, com curso técnico-profissional de Contabilidade, saiu aos 43 com uma filha de colo que nem um ano tinha e um filho de sete. Era a crise, convidaram-na a sair. “Não estava à espera, foi um choque muito grande, pensava que fazia parte da mobília.” A imagem de um emprego para toda a vida desvaneceu-se assim, sem aviso nem recado, a quente, sem rede. “Fiquei desempregada com uma mão à frente e outra atrás.”

“Não era o meu sonho, foi o meu plano de sobrevivência. As coisas demoram tempo a construir”
Zélia Évora

Um dia, sentou-se a fazer chapéus e nunca mais parou. Hoje, aos 50, tem um ateliê na parte velha das Caldas da Rainha e faz sacos, mochilas, meias, chapéus, saias e outras peças que vende online. Publicou dois livros, “A Terapia do Tricô” e “Re-Use”, e faz parte do gangue da malha. À terça-feira à noite, um grupo junta-se num café para tricotar e conversar, conversar e tricotar.

Zélia Évora trabalha num ateliê na parte antiga das Caldas da Rainha, escreveu dois livros, faz parte do gangue da malha (Foto: Henriques da Cunha/Global Imagens)

Um dia depois de ter sido despedida, fez o caminho de sempre, estacionou no parque da empresa. Caiu em si. Deixou o carro no mesmo lugar e foi ter com uma amiga que tinha uma loja de artigos de bebé e ofereceu-se para ajudar. Não queria ficar em casa e tinha jeito para trabalhos manuais. Aos oito anos já sabia costurar, ensinada pela mãe, e a costura era um escape depois do escritório. Agarrava-se às agulhas, linhas e lãs, sem saber que o futuro estava ali, nas suas mãos.

No primeiro verão como desempregada, comprou um chapéu para a filha num centro comercial. Chegaram a casa e nada na cabeça, o chapéu perdeu-se algures. Não perdeu tempo, fez um chapéu para a filha, outro para si, tirou uma selfie, colocou-a no Facebook, e pouco depois perguntaram-lhe quanto custava. Chapéu vendido. Esteve um ano a fazer chapéus de aba larga, anos 1960, à estrela de cinema. “Se calhar tinha encontrado o meu emprego.” Tinha mesmo. “Nunca tinha pensado nessa possibilidade e mesmo agora acho inacreditável que consiga sobreviver disto.”

Agora compra tecidos, fechos, novelos, linhas, toda a matéria-prima, para fazer peças que estão na sua cabeça, sem moldes ou instruções. Peça pronta, passa a ferro, tira fotografia, coloca na Internet. Estampa a andorinha que tem tatuada no pulso nas peças que faz do início ao fim e que vai enviando pelo correio com agradecimento escrito à mão. É também doula e acompanha grávidas, é instrutora de massagem de bebés. Mantém um horário rigoroso para conseguir fazer tudo, neste Natal fez 50 bolsas e 30 mochilas, a 15 de novembro tinha fechado as encomendas. Neste momento não quer outra vida. “Não lhe chamem um sonho, chamem-lhe um plano”, diz. A frase resume-lhe a mudança. “Não era o meu sonho, foi o meu plano de sobrevivência. As coisas demoram tempo a construir.”

Aos 50 anos, Isa Silva estava a pintar um mural de 12 metros de altura por 10 metros de comprimento no Largo de Sapadores, na lateral da Escola Básica Natália Correia, em Lisboa. Batizou-o de “Era Uma Vez”, foi uma das propostas vencedoras do Orçamento Participativo de 2016 da Junta de Freguesia de São Vicente. Seis dias a pintar o seu primeiro mural. Aos 46 anos, ficou desempregada, andou pelo Tribunal de Trabalho, recebeu apenas 9% do que tinha direito. As duras voltas que a vida deu conduziram-na ao que sempre gostou, à pintura, ao desenho. Hoje, com 53 anos, é ilustradora, designer gráfica, e uma das mais velhas artistas urbanas do país. É freelancer e tem prémios no currículo.

“As voltas e contravoltas levaram-me para um caminho que é o meu. Valeu a pena”
Isa Silva

“As voltas e contravoltas levaram-me para um caminho que é o meu. Valeu a pena passar pelo que passei para chegar onde estou agora.” Não foi fácil. Desde pequena que tinha jeito para o desenho, terminou o 12.º ano, concorreu à Faculdade de Belas-Artes. Não chegou a entrar, tinha de ajudar os pais nas despesas de casa. Sentiu que lhe tinham cortado as pernas pela primeira vez. Começou a trabalhar como secretária numa consultora, à frente de um computador no tempo do MS DOS, quando ainda não existia Windows, letras verdes num ecrã preto. Aprendeu rápido, começou a dar formação aos colegas.

Dois anos depois saiu para tirar um curso de formação profissional de longa duração, financiado, com a ideia de entrar no que viria a ser a Portugal Telecom. Foi uma das melhores alunas, mas ninguém entrou. Tinha jeito para ensinar, foi formadora durante algum tempo, fez os próprios manuais. Estudou Design Gráfico em horário pós-laboral e em 1998, no início da Internet no país, estava numa empresa que fazia sites e conteúdos, trabalhava partir de casa. Treze anos depois, a empresa faliu. “Tinha 46 anos, uma idade muito complicada, o início da crise. Afetou-me bastante. Era velha para umas coisas, nova para outras.”

Agarrou-se ao que sabia fazer e não sabia se iria ou não funcionar. Criou o projeto de pintura Square Faces, caras coloridas em quadrados, cores fortes, linhas estilizadas. Tem mais de cem caras, Fernando Pessoa, Amália, Saramago, Variações estão nesse lote. Daí à arte urbana foi um pulo. “Comecei a lançar pequenas sementes que levam tempo a germinar, a dar frutos.” Transformou a sala de casa em ateliê de trabalho, é disciplinada com os horários. Ilustra livros, faz editoriais, capas. É designer gráfica de revistas, cria logótipos. “A minha melhor qualidade é ser insatisfeita.”

No ano passado, ganhou um prémio pela imagem gráfica do projeto Fumeiro do Mar. Ganhou também uma viagem a Londres no Natal no concurso da Medway, pela imagem que desenhou para a parede de entrada da empresa ferroviária em Entrecampos. Faz parte do coletivo Urban Sketchers, pessoas que desenham diários gráficos em cidades, vilas, aldeias onde vivem ou por onde viajam. Chegou a tirar fotografias em concertos e peças de teatro, até a máquina avariar, criou o texto, figurinos e cenários para a peça “A Lua Que Queria Ser Quadrada”.

Trabalha por conta própria, nunca sabe como será o mês seguinte. “Temos a liberdade de horário e a incerteza do retorno.” Isa Silva não cruza os braços, vê tutoriais, aprende novas técnicas em workshops que lhe interessam. Sempre à cata de trabalho.

Foto: Diana Quintela/Global Imagens

O mercado de trabalho está a mudar, um emprego para a vida deixou de ser a regra. A segurança, a localização e o salário já não são a tríade sagrada. “O sapato desconfortável é familiar até que seja descalçado, só então se percebe o quão desconfortável ele é”, define Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e formadora, autora do livro “Dar a Volta”, um guia para uma vida com propósito para quem se sente parado num contexto que já não faz sentido. “O maior gatilho para a mudança é sempre um desconforto, um mal-estar.” Saúde mental em erosão, o corpo que se ressente.

“Um trabalho é só um trabalho e ninguém é insubstituível e isso abala o pilar de segurança.” E há sempre perguntas a fazer. Gosta-se do que se faz? Foi a primeira escolha? O que pesa mais: o dinheiro ou o equilíbrio mental? As horas de prazer e de socialização estão a ser esmagadas pelo trabalho? O corpo e a cabeça andam em piloto automático? Filipa Jardim da Silva avisa que é preciso parar, desacelerar. Nada de pressas, nada feito às cegas. “Cada um tem a sua própria fórmula de mudança”, sublinha a psicóloga que recorda o exemplo de José Saramago. “Só muito tarde resolveu seguir o que era o seu talento maior e o que lhe alimentava a alma.” Com muito sucesso.

Passos curtos, andar para a frente

Ana Margarida Almeida reproduz os gestos mecânicos que lhe ocuparam os dias durante 20 anos. Sentada, panela de água quente entre as pernas, vela após vela em banhos sucessivos. Mãos na água, costas num vai e vem. “Sempre gostei de trabalhos miudinhos. Tinha de fazer alguma coisa e gostava do que fazia.” Uma vida de trabalho na fábrica de velas do irmão. “Nove horas por dia agarrada àquela máquina, tanto tempo que começou a perder a beleza. Era um trabalho mecânico, as minhas mãos pareciam velhinhas, fisicamente dava-me cabo do corpo.” O jeito de miúda para a maquilhagem dava de si. Aos 14, 15 anos, era a maquilhadora das tias em dias de casamento, transformava a casa de banho num salão de beleza.

“Acordei para a vida, estava quase nos 50, não dava para adiar mais, tinha de ser”
Ana Margarida Almeida

Investiu em formação em unhas, massagens, depilação, saiu da fábrica e, quase no meio século de vida, abriu o seu negócio de estética e massagens em Santa Maria da Feira. “Acordei para a vida, estava quase nos 50, não dava para adiar mais, tinha de ser naquele momento.” Arrumou desculpas para avançar, apesar de todas as dúvidas. “É o risco, o receio de não dar certo, o medo de fracassar, será que vou conseguir, já tenho esta idade.”

Avançou e inaugurou o seu gabinete a 1 de maio de 2016. “No dia seguinte, o prazer que me deu estacionar o carro e ver o meu nome na loja, a alegria de entrar no que era meu. Não há nada que pague esta liberdade de poder fazer o que quero e o que gosto, gerir à minha maneira conforme quero e posso.” Ana Margarida, de Oliveira de Azeméis, tem 53 anos, também dá aulas de danças latinas em São João da Madeira, às terças e quintas à noite. Genica não lhe falta e, no fim de tudo, aquela agradável sensação de mudança. “Pelo menos tentei, fiz com que o meu sonho resultasse.”

“Os 40 de hoje já não são os 40 de antigamente”, adianta Vânia Borges, diretora de Recursos Humanos do Grupo Adecco, multinacional suíça na área de soluções de recursos humanos, há 30 anos em Portugal. A sociedade mudou, o conceito de idade também, e um outro paradigma começa a penetrar. “Quando se inicia um novo processo de recrutamento, por regra as empresas procuram o profissional mais experiente, com várias competências desenvolvidas, com potencial para aprender e desenvolver novas áreas mas, por vezes, tudo isto vem acompanhado pelo adjetivo ‘jovem’.”

A idade é um critério para muitas empresas e o receio de não encontrar um novo trabalho depois dos 40 uma realidade. “Na maioria das vezes são profissionais que procuram novas oportunidades para continuarem a aprender e também aplicar os seus conhecimentos em novas empresas. Não querem parar apenas porque a sociedade julga que eles já não têm mais idade para novos desafios.” O cenário vai mudando e a idade não tem de ser sinónimo de insucesso profissional. “É sim de maturidade, de diversidade e de criação de um ambiente no qual as diferentes faixas etárias se complementam para criar um ambiente bastante rico em experiências e vivências”, refere.

Ana Margarida Almeida abriu o gabinete de estética há três anos e meio. Também dá aulas de dança à noite (Foto: Tony Dias/Global Imagens)

João Pinheiro é engenheiro florestal, tem quase 62 anos e aos 52 deixou uma vida de trabalho na indústria da madeira. Comprou e recuperou uma antiga pousada da EDP, no Gerês, com a irmã, e em 2014 abriu o Hotel Rural Misarela com 13 quartos e um restaurante. O projeto megalómano, que se lhe entranhou na cabeça quando tinha 23 anos, está de pé. “Sempre pensei ter algo ligado à floresta e à exploração turística.” Plano cumprido. Mas até chegar ao Gerês, vasculhou o sudoeste alentejano, o Algarve, o interior algarvio, o Douro Internacional, o Tejo Internacional. Andava à procura de uma “propriedade pequena, bem integrada no espaço envolvente”.

“Saía de casa à segunda-feira com a mala feita e nunca sabia exatamente em que dia voltava”
João Pinheiro

Nasceu em Angola, aos dois anos estava em Coimbra, pouco depois em Braga, tirou o curso em Lisboa, aos 23 era engenheiro florestal na que era a maior empresa de transformação de madeiras do país. Atiraram-no logo às feras, a chefiar um setor. Mantém-se na área quase 30 anos. Depois do primeiro trabalho, vai para a Dinamarca, volta a Portugal para uma empresa de exportação de madeira em Leça da Palmeira, até que cria o seu projeto em Viana do Castelo, que não corre bem, e monta uma empresa de raiz em Oliveira de Frades. Em 2009 decide que não vai continuar no negócio de sempre. “Nunca há um só fator, mas o que mais contribuiu para mudar foi a exaustão. Saía à segunda-feira com a mala feita e nunca sabia exatamente em que dia voltava a casa.” Só no carro da empresa tinha 95 mil quilómetros feitos num ano, fora os carros de aluguer e as viagens de avião.

Aos 52 anos muda de área. “Se ainda tinha alguma genica queria aproveitá-la.” Canalizou a energia para o turismo rural. “Estou muito mais tranquilo, muito menos stressado, o barco é muito menor, há alturas mais exigentes que outras.” Há dias em que começa a trabalhar às sete da manhã e termina às 11 da noite e não se queixa. “Claro que vale a pena quando se pensa que viver não é só ganhar dinheiro. Gosto de andar com passos curtos, andar para a frente, concretizando coisas.” Já anda a matutar num novo projeto. Enquanto tiver energia, há estrada para andar.

Se só há uma vida que seja o melhor possível. Lourdes Monteiro, formadora, coach em liderança de equipas, facilitadora em processos de mudança, coautora do livro “Quero, Posso e Mudo de Carreira”, fala em dois paradigmas. O do emprego, em que a profissão é uma forma de pagar contas, e o da realização, vida plena e feliz no que se faz. O problema é o sofrimento e os níveis de stresse além do limite. E a pergunta: a vida é só isto? “Por vezes há um grande sofrimento e nada à volta facilita, há obstáculos dissuasores da ideia de mudar.” É preciso desconstruir o que é socialmente aceite. “É preciso encontrar estratégia de sobrevivência.” A idade é um fator que continua a pesar. “No modelo do século XX, as pessoas a partir dos 40 já não são válidas e esse paradigma tem de ser desmontado”, defende.

João Pinheiro concretizou a vontade de ter um projeto ligado à natureza e ao turismo no Parque da Peneda Gerês (Foto: Gonçalo Delgado/Global Imagens)

O estado de graça e o banho-maria

Aos 51 anos, Rita Mendes Correia aproveitou a oportunidade da pré-reforma. Nos dois anos anteriores, acordava com a mesma sensação. “Não vou fazer isto o resto da minha vida.” Economista durante 27 anos, primeiro na PT, depois na Associação Industrial Portuguesa em Bruxelas, aos 30 estava num banco em Portugal, onde começou no departamento internacional, passou pelas áreas de crédito e comercial, recuperação de crédito, voltou ao internacional, acabou no marketing operacional. Saiu do banco, entrou numa sociedade com um amigo num restaurante, percebeu que não era aquilo que queria, há quatro anos abriu Gluoff, o seu próprio negócio. Faz bolos sem glúten, sem corantes nem conservantes. Abriu uma pequena fábrica em Cascais, dá emprego a duas pessoas, tem liberdade, mas faz questão de cumprir um horário. Hoje, aos 58 anos, não se arrepende. “Tem sido bom e estou feliz pela opção.”

“Não parti para o negócio a pensar que vai ser tudo fantástico. Não há unicórnios na indústria”
Rita Mendes Correia

Aliou o interesse pela área da indústria à experiência acumulada. Sabia que estava a entrar num nicho de mercado e que tinha de se diferenciar – além do facto de o filho ser intolerante ao glúten e estar habituada a cozinhar numa altura em que havia pouca informação, poucas farinhas, quase nada à venda. Havia vontade de mudar de área numa altura mais tranquila, financeiramente estável, os dois filhos criados, pés assentes na terra. Os 20 anos de economista deram-lhe a capacidade de ser realista, a noção de que as coisas podem falhar em situações improváveis. “Não parti para o negócio a pensar que vai ser tudo fantástico e que vai tudo correr bem. Não há unicórnios na indústria.” Num mercado pequeno é preciso inovar sem parar. Há pouco mais de três meses lançou uma linha de bolachas artesanais biológicas sem glúten. Os seus produtos estão em supermercados, numa cadeia de pastelarias, disponíveis para encomendas.

A mudança foi tranquila. “Há momentos, nas empresas, em que percebemos que já não vamos lá, que não é o nosso momento, as coisas têm de se renovar.” Está contente e exportar está nos horizontes.

Rita Mendes Correia tem uma pequena fábrica de bolos sem glúten em Cascais e tenta sempre inovar neste nicho de mercado (Foto: Filipe Amorim/Global Imagens)

Jorge Nunes tem o seu site pronto há pouco mais de um mês, explica o que fez e o que faz, o seu projeto. Tem 52 anos e é formador na área de Mindfulness, acompanha grupos em meditação, está preparado para organizar mini retiros, tem um espaço no primeiro piso do mercado na Figueira da Foz. Para trás, quase 20 anos na banca, boas e más recordações. E uma volta de 180 graus aos 49.

“Não se sai de um esquema de trabalho de 20 anos de repente”
Jorge Nunes

Andou nos cursos de Filosofia e de Direito em Coimbra, não acabou nenhum, após alguns trabalhos a banca oferece-lhe estabilidade, emprego certo, seguro de saúde, bom salário, um pacote de regalias. No início, equipa jovem, entusiasmo, motivação. Depois, o desconforto, o arrastar, o vai melhorar, o vou arranjar outra coisa. Mudança para outro balcão, outra equipa, mais tranquila, novo estado de graça. Nova transferência de balcão e um “ambiente de trabalho hostil”. Era como se tivesse uma parede à frente onde batia com a cabeça várias vezes por dia. “Mas não havia nada que pudesse fazer, restava-me baixar os ombros, respirar um bocado mais, procurar alternativas.” Não aguentou.

“Estava numa situação de sofrimento”, conta. Expôs a situação aos recursos humanos, ouviram-no, propuseram-lhe mudar para Lisboa. Ponderou prós e contras, acabou por ficar. “O ambiente hostil manteve-se, mas estava a dar-lhe menos corda e a conseguir respirar um pouco melhor.” Em julho de 2016 fala-se na compra do banco, alguma coisa ia acontecer, comentava-se o despedimento de mais de 300 funcionários. Aproveitou a boleia e saiu no final desse ano. “Levei algum tempo para processar, os primeiros meses foram de reintegração, continuava a gerir stresse porque não tinha stresse. Não se sai de um esquema de trabalho de 20 anos, com uma espécie de rede de proteção por baixo, de repente.”

Voltou-se para o que realmente lhe interessava, investiu em formação em Mindfulness e autocompaixão, fez retiros, procurou ajuda especializada, até que no final do ano passado arrancou com o seu negócio. Conduz um grupo de meditação à segunda-feira de manhã no espaço de coworking no mercado da Figueira da Foz, é facilitador de Mindfulness, faz sessões de acompanhamento com meditação. E há uma frase que não esquece: o importante é viver o mais plenamente possível para morrer o mais livremente possível.

Jorge Nunes conduz um grupo de meditação, dá formação em Mindfulness e instalou-se no mercado da Figueira da Foz após uma vida na banca (Foto: Fernando Fontes/Global Imagens)