
Demorar a responder a uma pergunta não é necessariamente sinal de que não sabemos o que dizer. Pode ser só uma ferramenta de inteligência emocional.
Sérgio Gomes da Costa, 48 anos, foi-se habituando aos comentários sobre os breves segundos que gosta de reservar para si antes de começar a responder. “Várias pessoas foram constatando isso ao longo da minha vida. Em alguns momentos o meu silêncio até as leva pensar que na verdade sei mais sobre um dado assunto do que o que realmente sei.” Não é o caso, garante o portuense, que trabalha na área da assessoria da comunicação. Aqueles ténues segundos são-lhe só naturais, espécie de hábito enraizado de quem sempre se conheceu com as palavras contadas e bem medidas.
“Costumam descrever-me como aquela pessoa calada que volta e meia resolve o assunto numa tirada com alguma ponta de humor”, conta. Num discurso pausado, pois. Se é um recurso ou até uma estratégia não pode precisar. Até porque na maior parte das vezes fá-lo de forma inconsciente. Mas admite que se sente confortável com esta prática, infalível garantia de respostas mais ponderadas. “Acima de tudo, gosto de ser sintético naquilo que vou dizer. Se calhar esse tempo que levo a responder é o tempo necessário para fazer um rápido processamento da informação, sintetizar as ideias e falar na justa medida.”
O comportamento de Sérgio – mesmo sem uma intenção declarada do próprio em usá-lo como tal – parece corresponder na perfeição a uma ferramenta recentemente nomeada e escrutinada pelo americano Justin Bariso. “Rule of awkward silence” (em português, é habitualmente traduzida como a regra do silêncio incómodo), chamou-lhe, no início deste ano, o autor, orador e consultor na área da inteligência emocional. A inspiração, revela em declarações à “Notícias Magazine”, veio-lhe do estudo das “grandes mentes”.
“Mais do que uma vez, reparei nestas pessoas super inteligentes que faziam longas pausas enquanto encaravam dadas perguntas. O Steve Jobs [fundador da Apple, falecido em 2011] e o Elon Musk [CEO da SpaceX e da Tesla, entre outras] são dois exemplos.” Jeff Bezos, fundador da Amazon, ou Tim Cook, atual CEO da Apple, são outros casos ilustrativos desta prática. Justin deu-se conta de que também ele o fazia, mas só com pessoas com quem já tinha uma relação prévia. No caso destas personalidades, o cenário era outro.
“Fiquei fascinado com o facto de estas figuras fazerem longas pausas mesmo no meio de entrevistas ou em grandes palcos. Já conhecia o poder da pausa – um recurso retórico para causar um efeito dramático – mas isso não parecia encaixar naquilo que os via fazer. No caso deles, era mais sentirem-se confortáveis na própria pele, ao ponto de poderem levar o tempo deles para darem respostas de qualidade.”
Steve Jobs protagonizou em 1997, ano em que regressou à Apple depois de uma década afastado, um episódio icónico. Conduzia uma sessão de perguntas e respostas numa conferência que juntava programadores da empresa de várias partes do Mundo quando um elemento da assistência o visou de forma pouco agradável. “Não sabe do que está a falar. Onde é que esteve nos últimos anos?”, questionou. Mas o empertigado funcionário estava longe de imaginar o que aí vinha.
Jobs bebeu um copo de água e sentou-se. E pôs-se a pensar. Uns dez segundos. Depois fez uma piada. E voltou à quietude. Longos oito segundos. Valeria a pena, no entanto. A resposta de Jobs, que soma milhões de visualizações no YouTube, haveria de ficar para a história de tão categórica, numa demonstração engenhosa de como responder a um insulto.
Inteligência emocional e gestão de conflitos
Mas, afinal, em que consiste exatamente esta regra do silêncio incómodo? Justin Bariso considera-a essencialmente uma ferramenta de inteligência emocional. Ou seja, a “capacidade de identificar, perceber e gerir emoções”. “Quando queremos tomar boas decisões, habitualmente usamos uma parte do cérebro conhecida por córtex pré-frontal. É quando pensamos bem nas coisas”, começa por explicar.
Já quando nos sentimos atacados ou sob pressão entra em ação a amígdala, descrita pelos cientistas como “o processador emocional” do cérebro. “Isto resulta numa espécie de ‘sequestro emocional’, em que frequentemente dizemos ou fazemos coisas que mais tarde lamentamos ou que não estão em harmonia com os nossos princípios.” Eis o tipo de comportamento que a regra do silêncio incómodo pretende evitar.
“Desta forma, levamos o tempo que precisamos para usar mais o nosso cérebro, para pensar melhor no que estamos a dizer e a fazer. E acabamos por ficar mais satisfeitos com as nossas respostas.” Bariso enumera outras vantagens que advêm do uso desta ferramenta: podermos colocar-nos na pele do outro, mantermo-nos calmos, sentirmo-nos mais confiantes, darmos respostas mais profundas, calar o mundo exterior e exercitar as faculdades mentais são algumas delas.

(Foto: DR)
Jaime Ferreira da Silva, especialista em psicologia clínica e psicologia das organizações e docente do programa de Formação Avançada em Inteligência Emocional da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica, concorda que esta postura pode ser um trunfo precioso. “Ao fazer-se silêncio criam-se condições para facilitar a reflexão. Muitas vezes em debates chega-se a um ponto em que ninguém está a ouvir. O silêncio promove uma escuta ativa. Se falamos tipo metralhadora o interlocutor desliga.” Esta técnica pode revelar-se particularmente importante no caso de um líder. “Se crio um silêncio, passo a mensagem de que estou disponível para ouvir. É um convite à partilha. Além de transmitir uma imagem de calma e serenidade.”
Também Sara Baía, consultora de recursos humanos, realça a importância crescente do silêncio no mundo organizacional e na gestão de conflitos. “Efetivamente, por oposição à correria em que estamos mergulhados, há um apelo crescente a este trabalho de inteligência emocional, de haver espaços para que as pessoas possam refletir.” Até porque, sublinha Sara, este silêncio pode encerrar duas perspetivas: “A da pessoa que o utiliza de forma racional e pretende responder sem se arrepender, e a do interlocutor que acaba por ser surpreendido com este silêncio, despertando-se uma reação de ansiedade ou curiosidade”.
Por vezes, até de irritação. Embora o objetivo desta ferramenta não seja de todo esse, lembra Justin Bariso. Certo é que a regra do silêncio incómodo também se pode revelar um aliado precioso noutros contextos. Numa negociação, por exemplo. “Pode ser usada pelo efeito que provoca no outro. Desta forma, abro margem de manobra para deixar a pessoa mais disponível a tomar uma decisão que não aquela que previamente estava pensada”, aponta Sara Baía.
O que é demais…
Agora, o reverso da medalha. Porque inevitavelmente esta regra também pode trazer dissabores. É o próprio padrinho do conceito quem o assume. Mesmo defendendo que, em traços gerais, um uso mais frequente destes silêncios seria “melhor para todos”, Justin Bariso ressalva que “a exceção faz a regra”. “Há alturas em que precisamos de uma resposta imediata, sem pausas ou sem pensar demasiado sobre algo. E, claro, há circunstâncias em que podemos perder a nossa audiência se insistirmos numa série de pausas longas. Não é para todas as perguntas, nem é para usar sempre. A ideia é levarmos o nosso tempo quando precisamos dele.”
Sara Baía recorda ainda os vários estudos que apontam os quatro segundos como o limiar de tempo a partir do qual o silêncio se pode tornar incomodativo. “Mas depois também depende da cultura. Se falarmos de uma cultura em que se valorizem mais as pausas e os silêncios o caso é outro.” A especialista em recursos humanos conclui dizendo que “são mais as vezes em que a técnica funciona do que aquelas em que não funciona”. A mesma premissa é defendida por Bariso, autor do livro “QE – Inteligência emocional”.
“Pessoalmente, recomendo usar a pausa antes de respostas como um comportamento por defeito. Porque hoje em dia todos tendemos a responder mais depressa do que devíamos.” Ou a reiterada apologia de que o silêncio é de ouro. Mesmo quando chega a ser incómodo.