Portugal é um dos países da União Europeia com uma das maiores taxas de obesidade. Cerca de 60% dos portugueses têm excesso de peso e cerca de 22% são obesos. É uma doença de risco de infeção por covid-19.
A Federação Mundial da Obesidade fez soar as campainhas. As doenças relacionadas com a obesidade pioram nos infetados por covid-19. A quarentena e a suspensão de cirurgias e consultas agravam a situação e o confinamento tem impacto na mobilidade e na inatividade física forçada, mesmo que por curtos períodos, o que eleva o risco de doença metabólica. Além disso, a crise atual e a necessidade de isolamento aumentam a vontade de comer e comer alimentos muito calóricos e mais baratos. E tudo isso contribui para agravar ainda mais os casos de excesso de peso e obesidade.
Os riscos de complicações em caso de infeção por covid-19 são um grave problema. Outro é o enorme impacto que a obesidade tem na saúde, uma vez que está associada a mais de 200 outras doenças, como diabetes, dislipidemia, hipertensão arterial, apneia do sono, síndrome metabólica, doenças cardiovasculares, incontinência urinária, e cerca de 13 tipos de cancros. A obesidade é uma doença complexa e multifatorial, um dos principais problemas do século XXI, atingindo proporções já consideradas epidémicas.
A obesidade é responsável por alterações musculoesqueléticas, infertilidade, depressão, diminuição da qualidade de vida
Portugal tem uma das mais altas taxas de obesidade da União Europeia: 60% das pessoas têm excesso de peso e 22% são obesas. “A obesidade é uma doença endócrina crónica associada a mais de 200 outras patologias, entre as quais doenças cardiovasculares (diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia), respiratórias (asma, apneia do sono), genitourinárias (incontinência urinária, infertilidade), gastrointestinais (litíase biliar, refluxo gastroesofágico, esteatohepatite não alcoólica), musculoesqueléticas (osteoartrite, gota) e vários tipos de cancro”, adianta Selma Souto, endocrinologista do Centro Hospitalar e Universitário São João, no Porto, e secretária-geral da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO).
“O tratamento da obesidade é igualmente crónico”, avisa. Os períodos de confinamento aumentam os riscos de agravamento e suas comorbilidades e, por isso, é importante manter o acompanhamento da equipa multidisciplinar das pessoas com obesidade e pré-obesidade, mesmo que à distância. Manter um estilo de vida saudável é fundamental.
Os doentes, segundo a endocrinologista, “devem respeitar o plano alimentar prescrito, mantendo as ‘regras de ouro’ da alimentação, usando preferencialmente métodos de culinária saudável na confeção das refeições. A atividade física regular é igualmente indispensável.” E devem ser dadas algumas indicações de como lidar com certas emoções associadas ao isolamento, como o stresse, a ansiedade ou a tristeza, de modo a evitar maior ingestão de alimentos pela componente emocional. “Nesta abordagem, inclui-se a informação sobre os benefícios da atividade física na diminuição dos sintomas da depressão, na melhoria da autoestima, da autoconfiança e da gestão do stresse”, sustenta.
É também importante manter um horário regular de sono e de rotina de deitar, mesmo em quarentena, para ajudar a controlar o peso. “Em diversos estudos, foi demonstrado que os indivíduos com obesidade, sobretudo com obesidade mórbida, têm maior risco de sintomas e de complicações mais graves de covid-19. Para esses, a taxa de mortalidade agrava-se na presença de certas comorbilidades, como a diabetes, doenças cardiovasculares ou patologias respiratórias. É, por isso, fundamental recordar os doentes com obesidade das medidas higiénicas para redução do risco de contágio”, refere Selma Souto.
Manter um horário regular de sono e de rotina de deitar, mesmo em quarentena, ajuda a controlar o peso
O obeso é um doente de risco por estar mais vulnerável às infeções devido à sua baixa imunidade, aos problemas respiratórios e todas as outras doenças associadas. “Não temos números de Portugal, mas temos os números do estado de São Paulo, no Brasil, onde 57% das mortes de pessoas abaixo dos 60 anos eram pessoas com obesidade. Em Wuhan, 88% das vítimas mortais tinham excesso de peso. Em França, pacientes com o índice de massa corporal (IMC) acima do normal representam 83% das pessoas contaminadas por covid-19 e, no Reino Unido, 70% dos infetados tinham excesso de peso”, refere Carlos Oliveira, presidente da Associação dos Obesos e Ex-Obesos de Portugal (ADEXO).
“Por outro lado, sabemos que a obesidade predomina nos escalões mais baixos da sociedade e fazer uma alimentação saudável onera o orçamento familiar, daí que se opte por alimentos mais baratos, que, por norma, são mais calóricos. Ora, perante uma situação de crise que vamos certamente viver, motivada pelo desemprego que já está no terreno e que se anuncia mais severo, é evidente que os números da obesidade vão aumentar”, afirma.
O obeso é um doente de risco por estar mais vulnerável às infeções devido à sua baixa imunidade
Carlos Oliveira lembra a falta de investimento no tratamento da doença e que pesa nos encargos do Ministério da Saúde. O que se gasta no tratamento das doenças associadas é uma quantia avultada. “Por outro lado, falta investimento na investigação científica, sabemos que a obesidade é uma doença biológica e que uma grande maioria das pessoas são resistentes à leptina. Ultrapassar essa resistência é um trabalho que está a ser realizado em Portugal pela doutora Ana Domingos, do Instituto Gulbenkian de Ciência, com muito bons resultados. É necessário que esta investigação seja apoiada técnica e financeiramente por vários ministérios.”
A ADEXO tem vindo a solicitar insistentemente ao Ministério da Saúde que altere a lei que não consente a comparticipação de medicamentos que ajudem na perda de peso para os doentes que não têm indicação para cirurgia. E gostaria que houvesse uma maior sensibilidade para aprender com esta pandemia reconhecendo mais valor aos cientistas.
“Esperamos também que o Governo, depois da reabertura da economia, contemple as nossas propostas e que reconheça que é mais barato tratar a doença do que os seus efeitos. É importante lembrar que não é a obesidade que está associada às doenças cardiovasculares. Não é a obesidade que está associada à diabetes. Também não é a obesidade que está associada às doenças respiratórias, à apneia do sono ou a tantas outras doenças. Mas, pelo contrário, são estas doenças que estão associadas à obesidade”, refere o presidente da ADEXO.