Situações complexas no trabalho e no seio familiar. Crises financeiras. Depressão. Não faltam motivos que nos façam sentir presos num labirinto emocional. Mas há uma mensagem que é preciso passar: há soluções.
Há um ponto em que a realidade entra fundo na consciência. Não vale a pena fechar os olhos, virar a cara. O assunto é sério e regressa de tempos a tempos aos noticiários, mostrando que é abrangente. Transversal à sociedade. Preocupa por isso e por parecer que é fácil não percebermos que lá está. Desta vez, foi a morte prematura do ator Pedro Lima que pôs novamente a saúde mental na ordem do dia. Está na altura de perceber que “todos temos um papel importante a desempenhar quando estes problemas nos atingem”. Enquanto amigos, colegas, familiares, empresários, políticos, jornalistas.
As palavras são de José Carlos Rocha, diretor do Centro de Psicologia do Trauma e do Luto, em Vila Nova de Gaia, que refere alguns dos motivos que nos podem fazer sentir emocionalmente perdidos. A depressão, o stresse pós-traumático, situações complexas no ambiente de trabalho e familiar, acidentes, violência, abusos. “As pessoas vão acumulando no seu interior e quando chegam a dada altura já não aguentam.” Porém, antes deste pico ser atingido há trabalho que pode ser feito. E quanto mais cedo, melhor. Ainda agora, a pretexto da pandemia, foi reforçada a divulgação de números de telefone de auxílio (ver caixa). Isto por se entender que o isolamento, o confinamento, as mudanças de rotinas e a incerteza do rumo dos dias causavam ansiedade, aumentavam a solidão, ampliavam problemas antigos, que por falta das distrações diárias ecoavam mais alto na cabeça. Entre outros efeitos que só cada um, com propriedade, pode saber e descrever.
José Carlos Rocha continua focado em passar uma mensagem. Tanto no início da pandemia como agora, sejam quais forem os fantasmas e as angústias. “Há soluções eficientes que estão disponíveis no Serviço Nacional de Saúde e nos privados. Temos os melhores do Mundo a fazer um extraordinário trabalho em termos clínicos. Portanto, repito, há soluções. Não é uma esperança vã, uma luz. São soluções eficazes para a maioria dos problemas de saúde mental.” É apenas preciso atenção. De todos nós.
Naturalmente, a resolução requer trabalho “e isso só pode acontecer quando o problema ou problemas são sinalizados”. Primeiro, esse trabalho tem de ser individual. “As pessoas têm de ter a ambição de quererem ser felizes, de estarem bem. De quererem procurar significado e sentido para a sua vida, mesmo depois de inúmeros acontecimento que possam ter ocorrido.” Depois há um trabalho ativo, “que se faz com um especialista”.
O psicólogo afirma que hoje “o Sistema Nacional de Saúde está mais atento às questões mentais”. No entanto, alerta, “estes problemas acabam por ser secundarizados pela medicina do trabalho, pelos seguros”. E defende que é urgente trabalhar com as empresas: “Não é assim tão custoso ter medidas, até porque muitas vezes o emprego é um refúgio para quem está doente”. Convém não esquecer.
Não há super-heróis
Percebermos que não estamos bem ou que quem nos é próximo não está bem é o ponto de partida. “Somos humanos. Não há super-homens nem super-mulheres. Temos de ter consciência que todos temos vulnerabilidades, somos frágeis. Contudo, também temos uma força fantástica para superar as adversidades. O que só acontece se trabalharmos nesses aspetos incómodos.” E porque tristeza não é o mesmo que depressão, uma vez tendo consciência que um sofrimento persiste, urge atuar. “É preciso encontrar soluções.” Que não passam por desvalorizar e repetir, para nós ou para os outros, expressões como “não penses mais nisso”, “não ligues”, “esquece isso, já passou”.
Beatriz Godinho, a viver sozinha em Inglaterra, demorou a pedir ajuda. Primeiro, surgiu o cancro. “E eu enganava, dava a entender aos outros que a vida continuava bela.” Depois, uma desilusão com quem lhe era próximo. “Fui agredida na minha casa. Fiquei traumatizada. Ganhei fobia a ter gente por perto.” Escondeu-se. Isolou-se. Deu conta que não estava bem, mas pedir ajuda era “chatear os outros”. O passado moía. “Tentava por A mais B perceber por que me tinham destruído a vida. E comecei a achar que era má. Fechei-me ao mundo, fiquei num buraco, de tal maneira que me achava inútil. Não conseguia fazer nada. Perdi o alento.” Não conseguia ler, ligar o computador, a televisão irritava, só queria silêncio. Foi neste cenário que um dia atentou contra a própria vida. Foi socorrida a tempo e agora, sabendo que ainda não está bem, agradece o facto de ser medicamente bem acompanhada. “Não podia ter melhor assistência. Todos os dias me ligam, de manhã e à noite. Querem saber o que comi, o que fiz. E antes disto iam visitar-me a casa diariamente. Só quando perceberam que já estava melhor é que passaram ao acompanhamento por telefone.” Beatriz tem depressão com demência e é considerada paciente de alto risco. Os médicos estão vigilantes e os amigos também. Há dias, sofreu um duro golpe com a morte da cadela. “Uns amigos convidaram-me a passar uns dias em França. Estou na casa deles, pagaram-me o bilhete de avião. Se preciso estão cá. E isso faz toda a diferença.”
José Carlos Santos, enfermeiro especialista em saúde mental, professor coordenador na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidologia, reforça a importância do estar atento ao outro, “no sentido de identificar o sofrimento mental e perceber de que forma ele é disfuncional”. O que acontece quando a pessoa não se consegue realizar, fica isolada, ou não cumpre tarefas do dia a dia. “Numa fase precoce podemos, por exemplo, estar próximos, fazer escuta ativa, mostrar solidariedade para com as dificuldades que a pessoa está a vivenciar.” Quando o sofrimento mental tem uma dimensão que as torne disfuncionais, tem de haver intervenção de um profissional. “O que podemos fazer é levá-las a perceber que precisam de ajuda, impedindo que se chegue ao fim da linha, à hipótese de suicídio. É muito importante, porque ainda há um estigma elevado em torno da saúde mental. Principalmente para os homens.”
Aos olhos deste especialista é ainda premente acabar com alguns mitos. “A evidência diz que a esmagadora maioria das pessoas avisa quando não está bem. Nós é que nem sempre temos consciência desses avisos, que podem ser verbais ou não verbais.” Outro erro é achar-se que quando a pessoa pensa no suicídio não vale a pena fazer nada. “Também aqui as evidências mostram que a ambivalência está presente na esmagadora maioria dos casos. Dizermos que estamos ali e mostrarmos compreensão é essencial.” E por fim, ao contrário do que se pensa, “quando alguém está em crise, falar de suicídio não é mau”. Abordar o assunto frontalmente permite que se expressem emoções e que se possa intervir e trabalhar na saúde mental.” E a saúde mental, por tudo isto, é urgente e não pode continuar a ser segregada da lista de prioridades. Até porque há soluções.
Peça ajuda
Estes são contactos específicos para a ajuda no caso de risco de suicídio e sofrimento mental (solidão, ansiedade, depressão), protegidos por duplo anonimato.
SOS Voz Amiga
(das 16 às 24 horas)
213 544 545
912 802 669
963 524 660
800 209 899 (linha verde gratuita, das 21 às 24 horas)
Conversa Amiga Inatel
(das 15 às 22 horas)
808 237 327
210 027 159
Vozes Amigas de Esperança de Portugal
(das 16 às 22 horas)
222 030 707
Telefone da Amizade
(das 16 às 23 horas)
22 208 07 07
Voz de Apoio
(das 21 à 24 horas)
225 506 070
SNS24
808 24 24 24