Rui Cardoso Martins

A ladra impressionante e a ladra novata

(Ilustração: João Vasco Correia)

Crónica "Levante-se o réu", por Rui Cardoso Martins.

Verónica e Maria da Luz pareciam versões diferentes do mesmo tipo de pessoa. Maria da Luz a caminho de ser Verónica. Para essa transição, no entanto, seria preciso tempo – uns dez anos de vida as separam – , uma mudança na cosmética e do corpo. Maria da Luz no tribunal: cabelo negro sobre os óculos, magra com um pauzinho de gelado, caminhando nos ténis como se avançasse sobre pedrinhas soltas. Verónica no tribunal: loira oxigenada de rabo-de-cavalo, jeans arredondados nos músculos, em cima de uns sapatos altos de calcar salões, como que dançava no centro de um baile, mascando pastilha. Verónica, a experiente, a impressionante, pediu ajuda a Maria da Luz, a inexperiente, a novata, para roubar uma loja de cosméticos. Quatro olhos e quatro mãos são melhores. Os vigilantes descobriram as duas na TV. Verónica a encher-se de coisas, a outra a assessorar o golpe, ao passarem as caixas já lá vinha a polícia. Para Verónica, foi um déjà vu, uma repetição do seu destino. Para Maria da Luz, uma inauguração e um grande susto. Para alguém se fazer ladrão é necessário um método, uma pedagogia. E, para deixar de o ser, outro método e outra pedagogia. Foi esse o retrato feito pela procuradora do Ministério Público e pelo advogado de defesa das duas mulheres nas alegações finais.

Maria da Luz, uma jovem que, na vida toda, de criminal só teve uma condenação por condução ilegal. Desempregada, vive com os pais e o irmão. Arrependida, jurou que nunca mais vai roubar. Pode escapar deste furto com uma admoestação. Os danos do crime foram nulos, os batons, as caixinhas de pó-de-arroz, tudo o que fora tirado das prateleiras foi devolvido. A procuradora disse que Maria da Luz se deixou influenciar – a jovem largou um suspiro – e, desenrolando a vida de Verónica, percebemos porquê.

“Quanto à arguida Verónica, verificou-se que o certificado de registo criminal é, de alguma forma, impressionante. Tem aqui inúmeras conduções sem habilitação legal, já cumpriu pena, tem diversos crimes de furto em 2019… em 2009… outro em 2011, outro em 2014, e depois ainda tem outros crimes pelos quais entretanto já cumpriu penas de prisão efectivas. Tudo isto se reduz a saber se, aplicando a pena de prisão, se poderá ou não suspender a pena. A postura da arguida aqui no julgamento foi de admissão que foi uma fase complicada da sua vida e que pretende repor a sua vida de uma maneira diferente. O relatório social não diz uma coisa diferente: que a arguida pretende parar com este percurso que já é demasiado longo e dar uma rota diferente à sua vida.”

À medida que a procuradora falava, Verónica amaciava os gestos, fazia que sim com a cabeça encolhida nos ombros como uma tartaruga na carapaça. Elogiada num tribunal, decerto novidade!

“A arguida demonstrou aqui já alguma capacidade introspectiva e algumas competências de autocrítica quanto ao seu passado criminal, o que anteriormente não fazia. Ela agora efectivamente está a pensar em dar uma volta à sua vida e portanto, tudo isto visto e ponderado, vossa Excelência poderá dar uma última oportunidade à arguida, e queremos que esta perceba que esta é de facto uma oportunidade de ouro, e que possa de alguma forma fazer com que o seu certificado de registo criminal deixe de registar condenações.”

A voz da magistrada fez-se bíblica e Verónica ergueu a cabeça do seu côncavo de tartaruga e agora abanava-a como arbusto ao vento, fazendo que sim, que sim, que sim.

“Porque a partir do momento em que registe uma nova, não tenho qualquer dúvida que não há nenhum juiz que não lhe aplique uma pena efectiva. Portanto o percurso criminal tem de parar e a vida da arguida tem de levar uma volta!”

O advogado de defesa apanhou as palavras em pleno voo. Sim, Verónica é um caso “bem mais bicudo” do que o de Maria da Luz.

“Mas ela já sabe o que é a pena de prisão efectiva e nós também sabemos que a pena de prisão também não resolve este tipo de situações. Antes pelo contrário: nas prisões encontram-se más companhias e portanto, para estes tipos de crimes, mais do que pôr as pessoas dentro das prisões, acho que deve haver é um acompanhamento, um plano de tratamento, que é para as pessoas serem ressocializadas e integradas na sociedade!”

– Querem dizer mais alguma coisa?, perguntou a juíza.

– Não, responderam.

E as duas saíram leves como meninas.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)