Jorge Manuel Lopes

A comédia é assunto sério

“It’s no laughing matter”. Ou seja, não é assunto para rir. Assim se lê no cartaz que acompanhou a estreia nas salas, em 1983, de “O rei da comédia”. Um filme de Martin Scorsese em que Jerry Lewis se apresenta como Jerry Langford, uma celebridade da televisão e dos palcos não particularmente calorosa ou divertida, espécie de versão em negativo das personagens que construíram a sua imagem de marca. E onde Robert De Niro, compondo um Rupert Punkin que gostaria de ascender à nobreza da comédia e nutre uma obsessão malsã por Jerry, retoma em parte o perturbante Travis Bickle que vestiu em “Taxi driver” (1975), também de Scorsese, substituindo o crescendo homicida por uma crença ilimitada (e, vai-se a ver, astuta) na ilusão que inventou para si. E o circo mediático acionado no momento em que Rupert rapta Jerry, num passo extremo para alcançar a fama, tem tanto de grotesco como de totalmente plausível.

Não sendo algo que apele ao riso, a obra que Scorsese lançou entre o negrume do monumental “O touro enraivecido” (1980) e a deliciosa alucinação de “Nova Iorque fora de horas (1985) é, em todo o caso, assunto de comédia. Pelo que não falta na segunda parte de “Revisitar os grandes géneros: a comédia – a comédia, improvavelmente”, ciclo que chega à Cinemateca Portuguesa, em Lisboa, na terça-feira 8, aí permanecendo até ao final de setembro. Um ciclo que “procurará os caminhos mais excêntricos” desta linguagem cinematográfica, como se lê no programa. Neste caso, por excentricidade tanto se pode entender filmes de proveniências geográficas menos mainstream como trabalhos de autores não imediatamente associáveis à comédia. Robert De Niro e Jerry Lewis serão avistados sábado 12, pelas 15.30 horas. Antes e depois há, por exemplo, “Querido diário” de Nanni Moretti, “Que fiz eu para merecer isto?” de Pedro Almodóvar, “Malteses, burgueses e às vezes” de Artur Semedo e “Leningrad Cowboys go America” de Aki Kaurismäki.