Violência doméstica: o medo que as fez ficar foi o medo que as fez sair

Tortura e agonia. Meses e anos de humilhação. Eles plantaram no sonho de vida delas o vazio, a solidão. Tantas e tantas vezes que já não sabem senão viver em sobressalto. Houve um dia em que disseram basta. Pelos filhos. Por elas. Fugiram de casa. Do horror que devia ser amor. Com ajuda de amigos, familiares ou sozinhas. Encontraram nas instituições de apoio às vítimas de violência doméstica a segurança e o apoio que lhes faltava. Refazendo a vida do zero. Seja em que idade for. Ameaçadas, pedem para tapar o rosto, enquanto recordam o pesadelo. Aqui serão todas Marias. Quantas Marias há no país? Marias coragem. Em calvários. Sem descanso. Falta-lhes a mão firme da Justiça. Porque a liberdade deles continua a prendê-las ao terror.

Assim que punha a chave à porta era como se o diabo lhes entrasse em casa. Chegava bêbado, quase todos os dias. E quase todos os dias de madrugada. Durante 22 anos. Como se aguenta? Acreditando que as atitudes irão mudar, vai-se perdoando. Por medo de que tudo piore, vai-se calando.

“Pela saúde dos teus filhos não faças queixa que ele vai preso”, suplicava-lhe a sogra. O maior receio de Maria das Dores, 42 anos, “era ficar sem os pequenos”. Quando a mais velha foi estudar fora da cidade, o mais novo foi dormir com a mãe. Aconchegavam-se num abraço. Na esperança que quando o demónio voltasse não se lembrasse da existência deles.

À distância é tudo mais claro. “Ele sempre foi muito complicado.” Depois de casarem o cenário agudizou-se. Nada do que fizesse estava bem. Todos os dias lhe arranjava um amante, mas era ele quem tinha telhados de vidro. E na ressaca dos dias enchia-lhe o telemóvel com mensagens: “Eu mato-te!”; “Parto-te as trombas!”; “Aperto-te o pescoço!”.

Um dia apertou o da filha. “Fiquei de ir buscá-la a uma festa, mas ele tirou-me as chaves do carro”. Era comum. No auge da loucura tirava-lhe também as de casa. “A miúda acabou por vir sozinha. Assim que a viu atirou-se a ela. Ainda hoje me diz que sente as mãos do pai a sufocá-la.” E nos ouvidos os berros. “És uma puta, como a tua mãe.”

A casa era paredes meias com a da família do marido. Sabiam, mas pediam silêncio. “Tinha muito, muito, medo de dar o passo. Com um ordenado pequeno, como ia sobreviver com os miúdos?” Foi a filha que lhe deu o abanão. Ligou-lhe num pranto. “Sai daí, mãe. Se não sais tu, saio eu.” Demorou um mês até Maria das Dores ganhar coragem. “Via-me num beco sem saída. Ia abandonar o lar sem saber se teria ajuda.”

Saiu sem nada e foi apresentar queixa na GNR. “No meio de tudo, tive sorte. Se calhar saí a tempo.” Obrigada a mudar de trabalho, de rotina, de vida. “Consegui erguer-me graças às pessoas à minha volta.” Há um ano que está separada. Não do medo. “Basta um barulho de noite para ficar em sobressalto.” Ele está com pulseira eletrónica, à espera do julgamento. Maria das Dores quase ri. De desespero. “A sentença vai ser pena suspensa. Sem indemnização. Eles saem sempre por cima. Não devia haver pena suspensa, deviam pagar por tudo o que nos fizeram sofrer.”

O tema da violência doméstica voltou aos holofotes em janeiro. Num só mês morreram nove mulheres às mãos de agressores. Ao número junta-se uma criança de dois anos. Estrangulada pelo pai. A notícia fez estremecer Maria Valente, de 34 anos. A filha tem precisamente a idade da menina assassinada. Regressa ao passado. “Sempre houve comportamentos um bocadinho estranhos, que relativizava, até ao momento em que começaram a ser muito violentos.”

Deu por si perseguida. Perdida no labirinto de terror do companheiro. Oito anos. A família dele a desculpabilizar-lhe os atos. Era “stresse, excesso de trabalho, um esgotamento, algo tratável, passageiro”. Era doente. Psiquiátrico. Um diagnosticado escondido a Maria Valente. De propósito. Só soube depois de ter posto fim ao tormento. O que aconteceu quando ele ameaçou que matava a filha recém-nascida. Nesse dia saiu de casa. Contou à família, às autoridades. A polícia passou a levá-la ao trabalho. “Para me sentir segura.”

Com a associação de apoio às vítimas Coolabora, aprendeu “a encontrar estratégias para sair do buraco onde estava”. O caminho das pedras leva dois anos. “Há coisas que ele me fez que nunca mais vou esquecer: violência sexual, violência psicológica – que foi a que mais me marcou – violência económica.” Diminuída, quase acreditou nas palavras que ouvia.

“Eu não valia para nada na minha profissão. Como mulher não era competente, chegou a pôr em causa o meu papel como mãe. Quando ouvimos uma vez pensamos: ‘está chateado’. Quando ouvimos 30 vezes por dia começamos a acreditar que não prestamos.” Porque não falou antes? “Por vergonha. Tinha sido decisão minha ter tido esta relação.” Agora vive à defesa. “Não vou a sítio nenhum, onde primeiro não dê uma volta ao estacionamento para ver se é seguro. Não entro no carro, sem primeiro olhar para dentro dele”.

É mais fácil compreender os outros quando calçamos os sapatos deles. “Sempre achei estranho como é que as pessoas se mantinham nestas relações.” Pensava que talvez fosse por dependência financeira, por não terem para onde ir. “Não é nada disso. Eu não dependia financeiramente, sempre trabalhei. Acaba por haver uma dependência, talvez emocional, e não vemos mesmo saída. Não vemos saída.”

Para o seu caso, que é como o de tantas mulheres, pede uma mão mais pesada da Justiça. “Quando as penas são suspensas para nós é sempre pouco. Os tribunais precisam de ter noção da perigosidade. Basta aplicarem uma pena mais gravosa para poderem evitar, provavelmente, algumas mortes.”

A articulação entre as entidades que prestam apoio às vítimas de violência doméstica tem em vista isso mesmo: evitar danos ainda maiores. Apesar das tragédias que recentemente vieram a público, Carla Andrade, assistente social e técnica no do Núcleo de Apoio à Vítima de Viseu, refere que essa rede “está a funcionar”. Admitindo, no entanto, que há muito para fazer. O ponto de viragem começou no ano 2000, quando a violência doméstica foi considerada crime público. O que significa que basta uma denúncia de alguém que tenha conhecimento do caso, na GNR, na PSP, na PJ ou no Ministério Público, para que se inicie um processo contra o agressor.

Os atos são praticados, na grande maioria, por homens contra mulheres. Por norma, elas têm entre 30 e 55 anos. São de todos os estratos sociais. “A própria vítima, muitas vezes, não tem noção do grau de risco que aquela situação representa para ela”, nota Carla. “O que é feito é precisamente essa avaliação. Da história que a pessoa conta, recolhem-se alguns indicadores de perigosidade.” Denunciar é difícil. Comporta, entre outras coisas, “expor a sua vida a um estranho”, constata a técnica. Se o faz é porque “chegou àquele ponto em que não vê outra saída a não ser pedir apoio”.

Maria do Socorro não tira as mãos dos bolsos. Num deles tem um aparelho de teleassistência, que agarra instintivamente. Serve para que as autoridades, através de GPS, saibam onde está, caso se sinta ameaçada. “É como se tivéssemos um GNR ou PSP ao nosso lado.” Sorri finalmente. Tem 23 anos e acaba de sair de uma relação abusiva de seis anos. O namorado bateu-lhe, pelo menos, três vezes. Os insultos eram o pão nosso de cada dia. Quando ele a tentou agredir num local público uma mulher pôs-se entre os dois. A PSP foi chamada. O caso encaminhado para o Núcleo de Apoio à Vítima. Nessa noite Maria do Socorro já dormiu numa casa de abrigo. (Há 42 no país.)

Aconteceu há pouco mais de quatro semanas. “Têm-me dado muito carinho”, o que, confessa, era uma coisa que já não tinha “há muito tempo”. E ajudaram-na em tudo o que precisou. “Vim sem nada, sem dinheiro, só com a roupa que consegui ir buscar.” Pagaram-lhe transportes, casa. Intercederam para que não perdesse o emprego. “Já consigo falar com os meus pais.”

À mesma pergunta, a mesma resposta. Ficou por medo. “Medo de em vez de serem só aquelas chapadas ou murros, ser algo mais. Porque quando eles se enervam temos sempre receio do que pode acontecer.” Aos poucos recupera a confiança. Sem tirar a mão do bolso.

“Eu gostava que todas as pessoas que soubessem de alguma situação fossem às autoridades. Às vezes é um bocadinho falta de coragem da nossa parte em não admitir aquilo que se passa.” Maria do Socorro apela às pessoas que têm conhecimento de situações idênticas à sua. “Mesmo as de fora, vizinhos, primos, sejam quem forem. Ajudem a dar esse passo.”

Não fossem as amigas e Maria Esperança, 36 anos, continuaria refém de uma vida que nunca sonhou ter. Teve medo, mas quebrou as regras impostas pelo carrasco e contou o que se passava em casa. Dos “pequenos ciúmes”, que no início até achava naturais, o ex-companheiro passou a manipulá-la. “Agora que estás comigo tens de cortar com o passado.” Sem se dar conta afastou-se de toda a gente. “Até para estarmos bem.” “Nada de saias curtas.” Mal se mudou para casa dele começou o controlo dos horários. Do dinheiro. “Era casa-trabalho, trabalho-casa.”

Quando engravidou, pensou que as coisas iam mudar. Palpite errado. Humilhações sem fim. Proibida de falar com as amigas – “todas umas putas, umas vacas”, dizia-lhe -, ninguém precisava saber da vida deles. “Uma pessoa está com aquela esperança. E depois temos uma filha mas não, não mudou nada. Era capaz de andar bem duas ou tês semanas e depois passava-se e era logo o fim do mundo.”

Fugir “foi a melhor coisa” que fez na vida. “Por mim e pela minha filha.” Em todo o caso, tem receio de dar a cara. “Infelizmente, as pessoas ficam transtornadas e chegam a limites.” Não quer atiçar a onça. Logo agora que saiu a sentença do tribunal. Ganhou. Ganhou mesmo? “Ele apanhou pena suspensa e tem de me indemnizar.” A criança fica com o pai de 15 em 15 dias. Os insultos iniciais desapareceram. “Hoje vivo tranquila, faço a minha vida normal. Tento não viver apavorada.” Pelo que vê nas notícias, conclui, o caso “teve um bom desfecho”.

“Agora sinto-me mais segura”

O desfecho do caso de Maria do Amparo, 38 anos, ainda não é conhecido. “O meu maior receio é que ele não fique preso”, confessa agoniada. Conheceu o ex-marido na adolescência. Quanto mais ela julgava abdicar por ele (eram as provas de amor), mais chantagem ele lhe fazia. Afastada do mundo, acabou só com os dois filhos. Assistiam a tudo desde pequenos.

“Bastava um garfo fora do sítio. E se ele bebia era o descalabro, insultava-me de tudo.” As agressões físicas eram frequentes. “Agarrava-me com força, puxava-me o cabelo, batia-me com as mãos abertas. Mesmo para magoar.” Maria, sem amparo, aguentava. Com os filhos. Pelos filhos. Até ao dia em que um deles, enfurecido, se virou ao pai. “Quando entrou em casa já vinha a disparatar. A insultar-me, a meter-se com o mais velho, que já lhe respondia. O mais novo passou-se e disse-lhe que estávamos melhor sem ele e agarrou-lhe o pescoço.” O outro chamou os avós, que os foram buscar.

No dia seguinte, Maria do Amparo apresentou queixa na GNR, que a encaminhou para uma associação de apoio. Os familiares do agressor apontavam-lhe culpas. Há oito meses pôs fim a um martírio de 22 anos. “Na altura só tinha a teleassistência. Quando o divórcio saiu foi horrível. Ele procurava-me no trabalho, provocava-me, insultava-me, perseguia-me, ameaçava-me. De tal maneira que não punha um pé fora de casa sem o meu pai.”

Os filhos também não escaparam, sujeitos a igual humilhação. Até que ele foi colocado em prisão domiciliária. “Agora sinto-me mais segura.” E, apesar de tudo, só se arrepende de não ter feito a denúncia mais cedo. “Se soubesse que as coisas iam correr assim já tinha feito queixa. A minha preocupação era que me tirassem os filhos. E nisso a associação foi fundamental. Ajudou-me muito.”

A cooperativa de intervenção social Coolabora funciona há 11 anos na Covilhã. Diana Silva, criminóloga do Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica da organização, lida de perto com muitos casos. Quando alguém lhes bate à porta são oferecidas, de imediato, três valências: apoio social, apoio psicológico e emocional e informação jurídica. Todos os serviços são gratuitos e confidenciais.

Nos últimos três anos Diana conta que houve “um aumento do nível de habilitação literária e também um aumento do nível socioeconómico das vítimas”. Contudo, as necessidades continuam muito parecidas. Têm muitas dúvidas jurídicas, principalmente quando há menores envolvidos. Dúvidas sobre a regulação das responsabilidades parentais. “Como é que iria funcionar se se ponderasse uma separação ou um divórcio? Quais são os regimes das responsabilidades parentais?”

Há um medo “quase transversal a todas as vítimas mães: ‘eu posso perder os meus filhos se seguir com uma queixa por violência doméstica?’” Um mito que Diana e as técnicas se esforçam diariamente por esclarecer. “Na nossa rede também trabalhamos com as comissões de proteção de crianças e jovens em risco. Os casos em que as crianças são retiradas em situações de violência doméstica são muito poucos.”

A lei, salienta, consagra de facto muitos direitos a estas vítimas. Mas, na prática, revela, “deparamo-nos com dificuldades”. “Começam na existência de uma cultura maioritariamente machista, assente em modelos patriarcais”, que fazem “com que a nossa sociedade precise ainda de uma evolução diária”.

Diana Silva, criminóloga, pertence ao Gabinete de Apoio à Vítima de Violência Doméstica da cooperativa de intervenção social Coolabora, na Covilhã

Há dias, o Governo anunciou a criação de gabinetes de apoio às vítimas de violência doméstica nos Departamentos de Investigação e Ação Penal e um reforço da articulação e cooperação entre forças de segurança, magistrados e organizações que trabalham na prevenção e combate. Maria Manuel Leitão Marques, ministra da Presidência e da Modernização Administrativa, afirmou que está a ser reforçada “a formação de oficiais de justiça e de forças de segurança, de advogados/as e de magistrados/as e a melhorar o sistema de gestão de informação na rede nacional, para que possamos ter respostas mais adequadas às necessidades das vítimas”. Uma forma também de começar a reeducar a sociedade.

O caminho será por aí, concorda Diana. “Só combatendo estes problemas” se consegue “avançar para um nível legislativo e de intervenção judicial”. Para já, faz-se o que se pode. Tenta-se que a intervenção junto dessas mulheres seja o mais célere possível e usam-se todos os meios legais à disposição para as proteger.

Os mais recorrentes são articulados com o Ministério Público: o imediato afastamento da vítima da residência, a proibição de contacto, com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância – a pulseira eletrónica. Esta, aliás, é aquela que de entre as medidas de coação, “se não considerarmos a prisão preventiva, que infelizmente não é muito aplicada na violência doméstica, serve de melhor garante e segurança à vítima”, assegura Diana.

Nos últimos 14 anos houve 1 400 condenações por casos de violência doméstica, mas só 20 de prisão efetiva. A maior parte dos agressores vê a sua pena suspensa. O ano passado bateu os recorde no que toca a denúncia de casos. A Procuradoria Geral da República abriu quase 30 mil inquéritos, que corresponde a cerca de 80 queixas por dia. Três por hora. Uma a cada 20 minutos. A maioria delas são arquivadas.

Em muitos casos as vítimas não conseguem fazer face às custas judiciais e desistem, alerta também Diana. Só no ano passado foram assassinadas 28 mulheres. Entre 2004 e 2018, 503 mulheres foram mortas em contexto de violência doméstica ou de género. Uma das medidas aprovadas no Orçamento de Estado de 2018 passa por implementar este ano gabinetes dedicados apenas às vítimas de violência doméstica em todos os postos da GNR.

O terror da violência psicológica

Carla Andrade chama a comunidade a jogo. Os vizinhos e as pessoas da área onde a vítima reside tentam ao máximo não se envolver na situação. “Por medo de represálias.” Falta informação. A identidade das testemunhas pode ser anulada, o agressor nunca saberá quem falou. A técnica salienta ainda que a agressão psicológica não deve ser desvalorizada em relação à física.

“São tão ou mais graves.” O “grau de terror” que incutem, com as ameaças de morte dirigidas às mesmas, aos filhos, aos familiares próximos e “muitas vezes até com algumas bizarrias, como matar os próprios animais ou fazê-los desaparecer, é igualmente terrível”. Tanto que os tais instrumentos de avaliação de risco da instituição indicam que “uma pessoa que nunca tenha agredido fisicamente a vítima, mas que usa este tipo de coação, representa um risco elevadíssimo”.

Carla Andrade, assistente social e técnica do Núcleo de Apoio à Vítima de Viseu, por onde passam muitas mulheres em busca de ajuda

E se associado a isso existir alcoolismo ou doença mental por parte do agressor, Carla não tem dúvidas: “É como uma bomba-relógio”. As consequências sofrem as vítimas. Na pele. Na alma. O nível de stresse é tal que “chegam a um ponto de já não conseguirem sequer dormir. Estão constantemente alerta e hiper vigilantes”.

Maria Vitória, 53 anos, sabe exatamente o que isso é. “Aquela noite em que eu saí de casa foi a primeira que dormi em muitos anos. Uma noite inteira, sem medo do que poderia vir a acontecer.” Os muitos anos foram na verdade mais de 30. “Antes mesmo de sermos casados ele já bebia e eu fui deixando passar. Entretanto casámos.” Nasceu o primeiro filho e foi sempre a piorar. Por motivos de trabalho ele ausentava-se muitas vezes do país. Era por telefone que a torturava. “Destruía-me por completo.” O casamento durou, deteriorando-se.

“Foram muitas as vezes que tentei pôr fim ao caso, só que depois tinha os filhos pequenos, não tinha quem me ajudasse”. No peito um misto de raiva e compreensão. As pessoas sabiam. Mas ele em casa era um, na rua era outro. “Muita gente me dizia: ‘Se for preciso irmos a um tribunal nós não podemos dizer nada, porque ele na rua é educado, nunca se meteu com ninguém’. Eu tentei. Mas faltava quem me desse a mão e me puxasse para um porto seguro.” Foi dizendo para si: “Quando o mais novo estiver autónomo ponho um ponto final nisto”. E basicamente foi o que aconteceu. “Ele não era autónomo mas já tinha idade para seguirmos com a vida.”

A coisa precipitou-se. “Ele andava com outras senhoras e em casa eu já tentava manter-me à distância.” O que espoletava a fúria do ex-marido. Passou a valer tudo. Até que ameaçou também o filho de morte. “Uma coisa era ameaçar-me a mim, outra era ameaçar o filho. Nesse dia fugimos para longe.” A queixa só a fez tempos depois. Aí, conta, “levaram-me às pessoas certas que desencadearam o processo”. Desde que se separou “a vida tem sido um céu”. Para trás fica o inferno das agressões físicas e verbais. E essas, as verbais, eram as que “doíam mais”.

Às muitas memórias más começa agora a juntar-lhes algumas boas. Como o dia do divórcio: “É a data da minha liberdade.” Foram 30 anos. 30 anos de um medo de morte. O mesmo medo que há um ano a fez sair e querer lutar pela vida.

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Violência doméstica: mulheres num labirinto de terror