Veganos até à ponta dos pés

Texto de Sofia Marvão

Todos os dias são apresentadas inúmeras opções de sapatos para quem tem o desejo de acompanhar as novas tendências, dos estilos mais descontraídos aos mais clássicos. No entanto, tal como em muitos outros negócios, a produção do calçado também apresenta duas faces: a indústria da moda é uma das mais poluentes, contribuindo para 8% dos gases com efeito de estufa emitidos anualmente.

Os sapatos não escapam a esta realidade, mas já se manifestam as primeiras iniciativas rumo a um consumo mais consciente e ecológico. Serve de exemplo o crescente surgimento do calçado vegano.

Foi pela mão de dois antigos alunos da Universidade do Minho que nasceu a Verney, uma aliança entre “valores pessoais e algum know-how na indústria do calçado”. Com apenas 21 anos, Sara Pinheiro orgulha-se de fazer parte de um negócio que “assenta em valores e princípios importantíssimos, como a partilha, o amor, a igualdade e a entreajuda”.

“Não acreditamos no sofrimento animal e na degradação do meio ambiente”, explica. “A utilização de animais para peças de roupa e calçado não é uma necessidade básica, mas sim uma ideia arcaica e irracional, levada ao extremo ao longo dos tempos.”

Materiais utilizados pela Verney? “Fibras sintéticas e naturais, algumas à base de cereais, coco e bambu, que garantem a qualidade e conforto desejados em qualquer tipo de calçado.” Sara garante que “questões como durabilidade, resistência e estilo não ficam comprometidas”. Além disso, “alguns modelos até aparentam ser em pele ou camurça”.

Já Paula Pérez afirma que, na Nae Vegan Shoes, apostam no conceito de “upcycling”, recorrendo a “airbags reciclados e pneus para as solas”. A marca utiliza vários materiais, “dependendo do conceito de calçado” que está a criar, explica a fundadora. “Também podemos criar linhas mais orgânicas em que utilizamos cortiça, tecido de folhas de ananás ou borracha natural.”

Paula defende que este género de iniciativas contribui para a criação de entidades nas quais o consumidor sente que pode confiar. “Hoje em dia procura-se cada vez mais marcas que vendam produtos que contem uma história e agreguem valores em que os consumidores se reveem”, considera.

Valores, consciência e ética

Para Alexandra Pardal, o projeto da Sapato Verde representa “mais do que um simples emprego: é uma forma de ajudar pessoas a ponderar fazer compras conscientes, nas quais se valoriza a garantia de que o produto que lhes chega às mãos tem uma elevada qualidade e um custo justo, sem que haja exploração animal ou humana no seu processo de fabrico”.

Como qualquer outra compra menos convencional, esta também envolve custos acrescidos e, nesse aspeto, Alexandra não hesita: “Costumamos pedir para refletirem sobre o motivo pelo qual é tão barato o calçado em que pensam quando fazem essa comparação”.

Catarina Pedroso, fundadora da Balluta, defende que “a nível de manutenção, será porventura mais fácil, uma vez que alguns materiais podem ser limpos com água e sabão”. Além disso, “o preço não é uma questão que se coloque. O fator vegan e sustentável não tem a ver com uma decisão de estratégia financeira, tem a ver com valores, consciência e ética”.

Foi a linha de pensamento que Catarina, vegetariana desde os 20 anos, escolheu seguir no dia em que o marido propôs a criação de uma marca de calçado. “Procurava sapatos vegan sem encontrar opções que gostasse, e isso fez com que aceitasse o desafio”, recorda.

Hoje em dia, algumas marcas de maior escala também vêm aderindo a esta corrente mais ambiental. A Josefinas, conhecida pela vasta gama de sabrinas, já faz parte da lista. A linha de calçado vegano é produzida a partir de “peles sintéticas, das melhores que existem atualmente”, destaca Maria Cunha, diretora executiva da marca. “Temos um bom feedback em termos de conforto; a construção e ergonomia por vezes são mais importantes do que o material usado.” Ainda assim, revela que as clientes continuam a preferir a pele natural.

“Este caminho da slow fashion é mais labiríntico e demorado, ainda existe um grande preconceito em relação a materiais alternativos à pele”, reforça Sara Pinheiro, gestora de marketing da Verney. “Contudo, sentimos que as pessoas estão cada vez mais conscientes e sensíveis às questões do âmbito ambiental e animal.”

Paula Pérez revela que na Nae Vegan Shoes são as mulheres que mais aderem a este género de calçado. “O homem compra menos mas também está disposto a investir mais dinheiro num sapato”, constata.

Após percorrerem todo o processo de produção, os sapatos estão preparados para serem vendidos. Segue-se uma questão: “O que acontece aos materiais que ficaram para trás?”. Inicialmente, os cortes devem ser feitos da forma mais otimizada possível para evitar desperdícios. Se tal não for possível, os restos são utilizados nos próximos modelos ou em novos projetos.

“De momento, estamos a considerar recolher as sobras na fábrica e perceber o que conseguimos criar com elas”, conta Catarina Pedroso, da Balluta. Objetivo? “Talvez lançar uma linha de acessórios ou pedir ideias às nossas clientes, envolvendo-as no processo criativo.” Na Verney, “no caso de algum modelo correr mal, temos sempre a vantagem de o desconstruir e voltar a montar sem que o material seja danificado”, remata Sara Pinheiro.