Rui Cardoso Martins

Um parvo no Benfica-Porto

Ilustração: João Vasco Correia

Mas é verdade que, sendo no desporto um pacífico, já tive de fugir de uma estação de serviço invadida por Super Dragões que berravam que ai quem lhes dera que tivesse sido a equipa do Benfica no avião da Chapecoense (em 2016, com 71 mortos), assisti ao julgamento de No Name Boys que atiraram pedras de viadutos, ferindo pessoas, e relatei (aqui no JN) o julgamento de membros da Juve Leo que vendiam drogas e andavam com uma espada samurai no carro. Uma vez, levei um pontapé nas pernas e fui perseguido por ultras à paisana, os infames “casuals”, e escondi-me atrás da polícia de choque. E vi o sinistro “very light” da claque do Benfica atravessar o Estádio Nacional, matando um adepto do Sporting, em 1996. Mas isto são coisas das claques, assuntos verdadeiramente criminais.

O problema do dr. Luís, licenciado em Contabilidade e MBA em Gestão de Empresas, é mais ser parvo. Um daqueles parvos que chama parvos aos outros.

Vi-o há dias no tribunal a ouvir a sentença por injúrias agravadas. Calado, aborrecido, de blusão e calça creme. De manhã, imagino, terá pensado se valeria a pena vestir fato e gravata, mas não. O juiz começou a rever a matéria. Foi num dia de Benfica-Porto em que o dr. Luís passava junto do Estádio da Luz e um polícia não o deixou seguir por ali, por questões de segurança (as claques de que já falámos). Ao que o dr. Luís respondeu:

-Quem és tu, ó estúpido, para não me deixares passar?

E acrescentou:

-Você é parvo. Tem de me deixar passar. Sou licenciado em Contabilidade e MBA em Gestão de Empresas.

“O direito à indignação existe, mas a actuação do agente era legítima e estava legitimada”, disse o juiz na sentença. Além disso, realçou o juiz, o arguido “ainda o avisou que estava em maus lençóis devido aos seus bastos conhecimentos na hierarquia policial”. A história, para continuarmos no léxico do dr. Luís, para menos parva é que não caminha. Depois de lhe terem dito que não podia passar, e de dizer que o polícia era parvo, saiu do carro e foi ter com a barreira policial, exigindo apresentar queixa. Queria que chamassem um superior hierárquico. Os pormenores são tão parvos que vale a pena seguir:

“Nada do que foi referido pelo arguido – diga-se que sem qualquer suporte testemunhal ou documental – abalou a credibilidade e a consistência da versão apresentada pelos agentes da autoridade. Não porque revestidos dessa qualidade seriam à partida considerados como possuidores de uma aura de inabalável verdade, mas porque a sua versão dos acontecimentos é perfeitamente consonante com a lógica das coisas, desde logo a começar pelo próprio comportamento do arguido, com licenciatura em Contabilidade e com o MBA em Gestão de Empresas, que terá sido confrontado com a atitude de um determinado agente (…) e em plena situação de contenção policial, com caixas de segurança e eixos de seguranças em redor do Estádio da Luz e artérias adjacentes, devido a um jogo de alto risco entre o Sport Lisboa e Benfica e o Futebol Clube do Porto, decide sair do seu carro e dirigir-se para junto de policiais e – pasme-se – numa situação desta natureza, onde o movimento e confusão de gentes é uma constante, quer formalizar uma queixa contra um agente de autoridade junto de um qualquer superior hierárquico deste que, no fundo, implicaria a afectação de meios policiais.”

Isto é, poderia apresentar queixa, claro, mas depois na esquadra.

Ainda por cima, o MBA Luís fazia queixa sem ele próprio estar identificado. “Não se percebe como é que este ia formalizar uma queixa estando indocumentável. O arguido tem estudos suficientes para saber que uma queixa contra uma pessoa, ainda para mais agente da autoridade, não se formaliza de boca, e muito menos por queixosos indocumentados.”

Teve que ser a mulher dele a levar-lhe os papéis à esquadra, depois de preso. E, por ter provocado “arruaças sem qualquer sentido”, foi o dr. Luís condenado a mil euros de multa, mais 750 euros por danos morais ao agente. O dr. Luís saiu do tribunal de mãos nos bolsos e um sorrisinho.

Certa aura de parvoíce precede-o agora.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)