Um estupor no elevador
Entre o sexto e o oitavo andar do prédio, o homem perguntou à menina se estava com medo. Ela respondeu:
– Porque havia de ter medo?
A esta segunda pergunta respondeu o homem com o corpo, as pernas e as mãos sobre Manuela, de 15 anos. O elevador tremeu com os gritos e as patadas, ela tinha medo. Ninguém a ouviu porque foi por volta das nove da noite, a hora da gritaria das telenovelas. Foi já em tribunal que o homem respondeu com mentiras. O filho, adolescente com o mesmo nariz de batata, rebrilhante de gordura como o do pai, também mentiu a favor do pai. No fim, a juíza apanhou a versão do homem como quem raspa colorido desperdício de oficina do chão, um novelo sujo com os óleos do disparate.
Foi a 8 de Agosto de 2017, em Lisboa. Quando Manuela chegou da rua, Joaquim estava no r/c, frente ao elevador. Manuela carregou no botão do sexto andar, o da sua casa, e o homem no oitavo andar. Ficaram em cantos opostos.
“Quando se encontravam a subir, ele riu e perguntou se estava com medo, ao que a mesma respondeu porque haveria de ter medo.”
No sexto andar, o elevador parou e, quando a menor se preparava para sair, o arguido puxou-a, encostando-a à parede do elevador. A porta fechou automaticamente, continuando o elevador a subir.
“Durante o percurso, aproveitando estar sozinho com a vítima e o seu poderio físico, colocou o corpo à frente dela, ao mesmo tempo que se ria, e com as mãos apalpou e ainda acariciou por cima da roupa dela, os seios e as ancas. Por várias vezes pediu para ele o largar, contudo continuou.”
No oitavo andar, a porta abriu-se automaticamente, encontrando-se no patamar em frente “um indivíduo não concretamente identificado”. Ao aperceber-se que Joaquim estava a segurar o corpo de Manuela e que ela pedia que a largasse, o desconhecido agarrou no homem e disse à rapariga para fugir.
Ela correu para as escadas do prédio e desceu para casa.
E começavam os problemas novos.
Durante muito tempo, a menina “deixou de sair de casa, não tinha vontade em se vestir, tinha nojo do seu corpo e medo que ele pudesse repetir o ataque”. Ele tentou “contacto sexual, a fim de satisfazer os seus instintos libidinosos, o que conseguiu. E cortar a liberdade de autodeterminação sexual, o que conseguiu”.
Joaquim conhecia a família de Manuela, sabia que ela era menor. A mãe fizera limpezas em sua casa. Negou tê-la apalpado ou acariciado. Admitiu que a pudesse ter visto nas férias do Verão, mas que terá subido o elevador acompanhado pelo seu filho menor. Que o miúdo passa sempre as férias com ele, estando ao minuto com o mesmo, indo com ele para todo o lado, sem excepções.
Que Manuela o acusou falsamente por ter vendido um esquentador à mãe dela e esta não o ter pago, estando a dever-lho até hoje.
Nas declarações para memória futura, a menina “falou de forma clara, coerente, nalguns momentos limitando-se a apontar para o seu corpo, revelando deste modo, não verbalmente mas com gestos, a sua manifesta repugnância, o seu incómodo com pormenor, merecendo credibilidade”.
Manuela calou-se um dia e só depois de conversar com uma amiga contou aos seus pais. A mãe confirmou que no próprio dia a filha nem se alimentou e que foi a amiga que lhe relatou o que tinha sucedido
E que devia o esquentador a Joaquim. Mas “afirmou sem pejo que, depois do que o arguido fez à filha, não lho vai pagar”.
O filho de 13 anos disse que passa os verões com o pai e que o acompanha para todo o lado. Porém teve de admitir que ocasiões houve em que ficou a jogar playstation em casa ou com amigos.
Admitiu o óbvio “na inexorável evidência dos seus 13 anos”, que é “algo de absolutamente inverosímil” estarem o Verão inteiro completamente à vista um do outro, não sofrendo nenhum dos dois um problema de saúde que exigisse presença constante.
“E mesmo assim, não se tratando de gémeos siameses, não deixaria de haver momentos em que essa permanente assistência não precisaria do auxílio de um terceiro, conforme resulta das regras da experiência comum.” Prisão de dois anos, suspensa também por dois anos. Joaquim vai ter regime de prova com assistentes sociais para deixar de atacar meninas nos elevadores.
Este homem, concluiu o tribunal, “vive familiarmente integrado.”
(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)