Texto de Ana Tulha | Fotos de Leonel de Castro/Global Imagens
Estávamos em outubro quando Konrad Psaniweuski, “team manager” do Légia de Varsóvia, se enfiou num avião e rumou a Portugal. Aterrou em Lisboa e daí seguiu para Tróia, com uma missão bem definida: perceber se a localidade, sugerida pelo treinador da equipa, o português Ricardo Sá Pinto, tinha as condições necessárias para receber os segundos classificados do campeonato de futebol polaco, durante a pausa de inverno. O que viu no One Troia José Mourinho Training Centre convenceu-o.
“Dois campos inteiros, exclusivamente para nós; um hotel próximo do centro de treinos, que não temos de partilhar com mais nenhuma equipa; a acessibilidade, visto que temos voos diretos de Varsóvia para Lisboa; e claro, o clima”, enumera, a explicar as razões que o fizeram decidir-se por um estágio de 20 dias em Portugal.
Curiosamente, no último dia do estágio, as nuvens explodiram numa chuvada que persistiu durante quase todo o treino. “Mas tem estado sempre sol. E um dia de chuva também não é um problema, porque estes campos conseguem absorver bem a água”, garante Konrad, que não hesita em fazer um balanço positivo: “Foi uma boa estadia. Treinámos bem e ainda tivemos a oportunidade de visitar Setúbal, de ir a bons restaurantes e de comer bom peixe”.
Antes do Légia, tinham já passado pelo complexo o TSV Munique, da Alemanha, a seleção principal da Letónia, os sub-21 da Coreia do Sul, os sub-19 de Inglaterra e os sub-17 da Índia. Entre outros. A lista cresce à medida que se faz “zoom out” no mapa. No Algarve, por exemplo, recentemente estiveram conjuntos como o Bayer Leverkusen, da Alemanha, o Aston Villa, de Inglaterra, o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, ou o Zenit, da Rússia.
Tudo equipas de topo do futebol mundial que dão corpo a uma tendência crescente – a de Portugal ser um destino cada vez mais apetecível para equipas e atletas que pretendem fazer estágios de preparação, uma das faces mais visíveis do turismo desportivo. Mas o fenómeno está longe de se cingir aos estágios.
Entram também neste “bolo” os eventos, as férias destinadas à prática do desporto e até os adeptos que se deslocam para assistir a provas como os jogos das competições europeias de futebol, as provas de desporto motorizado ou os grandes campeonatos de surf. Juntando tudo, está em causa um setor que, durante o ano de 2017, teve em Espanha um impacto de 13,8 mil milhões de euros, mas que, no nosso país, continua por quantificar.
Contactado pela “Notícias Magazine”, o Turismo de Portugal admitiu não ter números específicos relativos ao turismo desportivo, remetendo para estatísticas mais gerais: o desporto, no geral, representa 1,2% do PIB do país, enquanto o turismo pesa 13,7%. Ainda assim, a entidade que superintende o turismo, a nível nacional, assume as potencialidades do fenómeno. E a própria Organização Mundial do Turismo estima que as viagens associadas a motivações desportivas cresçam 10% ao ano.
“Pelo clima ameno, pelos 300 dias de exposição solar e pelas excelentes infraestruturas hoteleiras e desportivas, Portugal tem condições propícias ao crescimento do turismo desportivo”, diz Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, que aponta a organização de eventos desportivos como “um dos ativos estratégicos”, inscritos nos objetivos da Estratégia Turismo 2027.
“Ao alcançarem diferentes públicos, contribuem para a projeção internacional do destino, para a dinamização das economias locais e, por consequência, para a redução da sazonalidade e o aumento da procura em zonas de menor densidade turística”, justifica, realçando o facto de, nos últimos anos, Portugal ter sido o destino escolhido “para acolher diversos e prestigiados eventos desportivos”.
Eventos das mais diversas modalidades que trazem ao país importantes fluxos turísticos, com o retorno financeiro que lhes está associado. A título de exemplo, um estudo efetuado em 2014 pelo IPAM estimava em 46,3 milhões de euros o impacto económico da realização da final da Liga dos Campeões em Lisboa (no Estádio da Luz), nesse ano.
Já um estudo do Centro Internacional de Investigação em Território e Turismo da Universidade do Algarve, apresentado no início do ano, refere que só a edição de 2018 do Rali de Portugal terá gerado 138,3 milhões de euros para a economia nacional.
A estes eventos há a juntar muitos outros, desde a final four da Liga das Nações de futebol, que se realiza em junho, à etapa do circuito mundial de surf que decorre anualmente em Peniche, passando pelas maratonas ou por importantes provas de golfe como o Open de Portugal.
Luís Araújo, presidente do Turismo de Portugal, realça ainda que tem havido “uma procura crescente no desporto turístico e nos estágios desportivos”. “Jovens que vêm disputar torneios, desenvolver práticas ou, simplesmente, sentir o ambiente onde se formaram grandes vedetas do desporto internacional e os palcos de grandes competições”, especifica.
À falta de estatísticas mais globais, os números da MoveSports, empresa líder no setor, também ajudam a ilustrar o fenómeno. Criada em 2005, com o intuito de promover estágios e diversões desportivas, dentro das várias modalidades, a Move recebeu, só em 2018, 129 equipas estrangeiras, num total de 2 973 atletas e 11 642 noites de hotel.
“Estive ligado ao desporto desde cedo, porque fui internacional de râguebi durante muitos anos, e sempre vi o desporto no nosso país como um ativo ainda muito subdesenvolvido, em particular o turismo desportivo”, explica António Cunha, CEO da Move Sports, para justificar a aposta.
Até porque, além de todos os fatores diferenciadores já sobejamente conhecidos (as condições climatéricas, a competitividade a nível de preços, a segurança), aponta um outro. “Começámos a ganhar nome e tradição em várias modalidades e isso ajuda. As pessoas gostam de visitar o país do Ronaldo, do Mourinho, do Figo.”
Se o foco inicial da empresa até eram os estágios, a aposta na organização dos eventos desportivos não tardou. É o caso do torneio juvenil Rugby Youth Festival, que vai na 11.ª edição e junta perto de 3 000 atletas, dos quais 1 500 estrangeiros. Ou do Lisbon Youth Football Cup, um torneio de futebol juvenil que traz anualmente ao país 400 jovens atletas oriundos de vários países.
Dentro dos eventos, a Move Sports tem explorado ainda um outro filão: os “corporate sports events”. Ou seja, os eventos desportivos para empresas. “Há grandes multinacionais que, todos os anos, numa perspetiva de team building, organizam eventos desportivos para as várias agências espalhados pelo mundo. A UNESCO, por exemplo, acabou de nos atribuir a organização de uns Jogos Olímpicos para todas as agências internacionais, que vão decorrer em Lisboa no fim de abril, princípio de maio. São perto de 1 200 pessoas”, revela António Cunha.
Vedetas no ciclismo e na canoagem
E se o futebol representa uma parte importante do bolo do turismo desportivo em Portugal, há uma longa lista de atletas de topo que procuram o nosso país para se prepararem ao mais alto nível, nas várias modalidades.
Para isso, muito contribuem os 14 Centros de Alto Rendimento (CAR) distribuídos pelo mapa e coordenados pela Fundação do Desporto, que, em parceria com o Turismo de Portugal e ao abrigo de fundos comunitários, tem trabalhado no sentido de promover internacionalmente a Rede Nacional de CAR de Portugal. O Centro de Alto Rendimento de Sangalhos, em Anadia, é um bom exemplo do trabalho que tem vindo a ser feito.
É lá que encontramos Daniel Abraham, holandês de 33 anos nascido na Eritreia, uma perna mais curta (e mais fina) que nunca o impediu de acelerar face aos obstáculos da vida, para se tornar num vencedor incontestado. A prova é que, em 2016, no Rio de Janeiro, se sagrou campeão paralímpico de ciclismo de estrada.
Agora, está já a preparar o Campeonato do Mundo, que se realiza em março. Daí que, juntamente com outros nove atletas da seleção paralímpica holandesa de ciclismo de pista, tenha rumado a Sangalhos para um estágio de preparação de duas semanas. “Na Holanda, nesta altura, está muito frio. Não temos bom tempo como aqui. É um local muito agradável, muito calmo, quase não há carros. E temos grandes condições”, sublinha Daniel, ainda a recuperar de um intenso treino matinal.
Além do conjunto paralímpico da Holanda, também a seleção principal do país, em ciclismo de pista, esteve recentemente num Velódromo que já se habituou a acolher as maiores potências da modalidade: só em 2018, passaram em Sangalhos holandeses, russos, lituanos, belgas, polacos, espanhóis, franceses, canadianos, checos, entre outros.
A lista aumenta se alargarmos o leque à ginástica, outro dos pontos fortes do Centro de Alto Rendimento de Anadia – no ano passado, destaque para as seleções de Israel, Finlândia, Roménia, Grã-Bretanha, Chile, País de Gales e França (noutros anos, já vieram seleções como o Líbano e o Catar).
Contas feitas, se tivermos em conta os atletas que passaram pelo CAR de Anadia na preparação para os Jogos Olímpicos de 2016, a infraestrutura “ajudou” a produzir 14 das medalhas obtidas no Rio de Janeiro – mais 18 paralímpicas.
Mas o facto de o CAR de Sangalhos se ter tornado um palco de preparação privilegiado em várias modalidades (esgrima, judo e pentatlo incluídos) é tudo menos um acaso. “Tem a ver com uma estratégia que delineámos para o concelho, há mais de 15 anos, em que decidimos fazer do turismo desportivo uma das nossas prioridades. De lá até agora, foram investidos 50 milhões de euros em infraestruturas desportivas”, sublinha Jorge Sampaio, vice-presidente da Câmara de Anadia.
Só o CAR representou um investimento total de 15 milhões – que se tem revelado certeiro. “Já tivemos equipas e seleções de mais de 70 países a passar por aqui, com uma taxa de retorno de 80%. Equipas que vêm e voltam para segundos e terceiros estágios”, frisa o autarca.
De Anadia para Montemor-o-Velho, onde a canoagem e o remo ditam as leis (mas também o triatlo e a natação em águas abertas), fruto do Centro de Alto Rendimento construído no local, em 2005, à custa de um investimento superior a 30 milhões de euros. Desde então, Montemor já recebeu provas tão importantes como o Campeonato Europeu de Remo e o Campeonato do Mundo de Canoagem.
Depois, há as inúmeras seleções que, todos os anos, escolhem esse CAR do centro do país para fazer estágios de preparação: só nos últimos cinco anos, treinaram em Montemor-o-Velho perto de 20 seleções nacionais, entre as quais potências da modalidade como os russos, os suecos, os eslovacos, os ingleses e os espanhóis.
A esses números, há ainda a juntar, no que à canoagem diz respeito, os centros de treino Nelo, que, nas últimas épocas, receberam mais de 2 000 atletas de todo o mundo, entre os quais praticamente todos os finalistas olímpicos das últimas edições.
Mas de volta a Montemor e ao selecionador da formação espanhola de canoas, Marcel Glauvan, que, pelo terceiro ano consecutivo, escolheu essa vila portuguesa do distrito de Coimbra para fazer um estágio, desta feita de três semanas. Habituado a estas lides, o técnico explica porque é que este CAR é um local apetecível para fazer uma boa preparação para as grandes provas internacionais.
“Vimos pelas boas condições que o sítio oferece. Desde logo, o facto de podermos trabalhar numa pista em que, ainda no ano passado, se organizaram os Campeonatos do Mundo. Depois, pelas instalações em si. Temos um lugar onde podemos guardar as embarcações, uma sala de fisioterapia, dão-nos o que precisamos e somos muito bem tratados”, justifica.
Nuno Santa Rita, coordenador da unidade de desporto de Montemor-o-Velho, aponta outras mais-valias: “O que temos de diferenciador é um canal de águas paradas, que é um tanque autêntico, e permite fazer um treino mais aproximado de laboratório, para testar tempos. Além de um sistema de balizagem de última geração, em que conseguimos ter pistas bem definidas ao longo de 1 000 metros, para a canoagem, ou de 2 000, para o remo”.
Do golfe aos desportos motorizados
De norte a sul, nos Centros de Alto Rendimento (14, ao todo, com uma oferta que vai do surf ao ténis, passando pelo atletismo, o badminton e até pelos desportos equestres) ou fora deles, não faltam palcos privilegiados para as várias modalidades, com capacidade para atrair atletas dos quatro cantos do planeta.
É o caso do Algarve, que, no final de 2018, foi considerado, nos World Golf Awards, pelo quinto ano consecutivo, o “Melhor Destino de Golfe do Mundo”. Segundo dados do Turismo de Portugal, existem atualmente no país 91 campos de golfe, com o Algarve a ser a região que concentra o maior número, seguido de Lisboa.
Condições que ajudam a combater a sazonalidade do turismo no sul do país, com um retorno financeiro altamente impactante. De acordo com um estudo divulgado pela Associação de Turismo do Algarve, o turismo de golfe na região gerou, em 2017, uma riqueza global de 500 milhões de euros, com a criação de mais de 16 mil empregos e um valor acrescentado bruto que, em alguns casos, superou os 60%.
Mas nem só de golfe vive o turismo desportivo do Algarve. Os eventos motorizados assumem também um papel fundamental.
Os valores compilados por Paulo Pinheiro, administrador do Autódromo do Algarve, comprovam-no. Em dez anos, a infraestrutura registou uma ocupação de pista superior a 3 000 dias (mais de 300 dias por ano), perto de 1,2 milhões de visitantes (com mais de 1,8 milhões de dormidas) e um volume de negócios superior a 100 milhões de euros.
“Sempre que há grandes eventos motorizados, há um impacto ao nível das dormidas, dos combustíveis, do aluguer de espaços, da parte logística da acomodação, dos serviços extra que estão relacionados. Se considerarmos o investimento total numa apresentação mundial de carros, os valores facilmente ultrapassam o milhão de euros”, refere Paulo Pinheiro, que aponta esse tipo de eventos como a única escapatória à ditadura dos picos turísticos: “Temos um país turisticamente forte na chamada época de verão. Mas, de outubro a abril, o que é que pode alavancar o turismo se não for o turismo desportivo? Temos de garantir que haja eventos que contrariem a sazonalidade.”
Pedro Rodrigues, professor da FADEUP e do Politécnico de Bragança nas áreas do marketing de desporto e gestão de eventos, sublinha a mesma necessidade. “É preciso fazer uma oferta estruturada, de forma a regular a procura e a combater a sazonalidade. No Algarve, por exemplo, grande parte dos hotéis fecham no inverno. Os que não fecham são os que encontraram soluções para se adaptar, os que se viraram para o turismo desportivo e diversificaram a oferta. É preciso fazer esse trabalho a nível global. O turismo desportivo em Portugal está claramente subaproveitado.”
O facto de, ao contrário do que acontece na vizinha Espanha, não haver qualquer estudo sobre o impacto global deste segmento turístico no nosso país, mostra isso mesmo.
António Cunha, da Move Sports, põe o dedo na ferida: “Portugal tem um enormíssimo potencial. Não tenho dúvidas que nos podemos tornar uma grande referência mundial no turismo desportivo. Mas há muita coisa para fazer. Temos uma montanha para escalar. Têm de se criar infraestruturas e políticas público-privadas. Tem de ser dada mais atenção a este nicho… que já não é nicho.” O jogo ainda agora começou.