Ter filhos saudáveis com a doença dos pezinhos

Texto de Sara Dias Oliveira

Corino de Andrade, neurologista do Hospital Geral de Santo António e cofundador do ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, descreveu-a pela primeira vez na Póvoa de Varzim, em 1952. Polineuropatia Amilóide Familiar (PAF), atualmente denominada amiloidose hereditária, mais conhecida como doença dos pezinhos. É um distúrbio neurodegenerativo e basta ter a mutação num dos cromossomas homólogos para desenvolver a doença que é diagnosticada sobretudo em jovens adultos, ou seja, em idades reprodutivas.

A doença dos pezinhos passa de pais para filhos. “A prevenção da doença exige que o indivíduo portador da mutação não tenha filhos”, refere o médico Mário Sousa, professor catedrático, diretor do Laboratório de Biologia Celular do ICBAS. Para resolver o dilema dos casais e evitar a transmissão da doença, ajudou a desenvolver o Diagnóstico Genético Pré-Implantação (DGPI), técnica de procriação medicamente assistida, com a finalidade de, em primeiro lugar, aplicá-lo à doença dos pezinhos no Serviço de Genética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

O DGPI é uma técnica que se destina à seleção de embriões geneticamente normais em pacientes que apresentem patologias graves hereditárias, alterações cromossómicas, ou alterações génicas como o caso da doença dos pezinhos. Se ao terceiro dia de desenvolvimento embrionário, o casal não apresenta mais de três embriões de elevada qualidade, abre-se com um feixe laser um pequeno orifício na camada protetora que envolveu o ovócito, e envolve o embrião, e remove-se um blastómero que vai para análise genética.

O Diagnóstico Genético Pré-Implantação, técnica de procriação medicamente assistida, analisa as células do embrião nos primeiros dias do seu desenvolvimento.

Se o casal apresenta mais de três embriões de elevada qualidade ao dia 3, então efetua-se uma cultura prolongada até ao quinto dia. Nesse dia efetua-se biopsia, removendo-se algumas células da camada celular externa do blastocisto que seguem para análise genética. Apenas os embriões sem patologia são transferidos para a cavidade uterina da mãe.

Há vários passos para o casal de forma a evitar a transmissão da doença. O ovário da mulher é hiperestimulado de forma controlada, selecionam-se espermatozoides com melhor morfologia e eliminam-se contaminantes, é feito o desenvolvimento embrionário, prepara-se o endométrio para transferência de embriões congelados, fazem-se exames pré-natais, ecografias. Estas são algumas etapas do processo e o acompanhamento é contínuo.

Em Portugal, até 2017, 28 pacientes tinham requerido DGPI: 11 em que a esposa era a portadora, 17 em que o marido era o portador. Os resultados foram bons, com 52% de taxa de gravidez, 48% com parto e 18 recém-nascidos livres da doença (58%).

A doença dos pezinhos é incapacitante. Os nervos das extremidades inferiores são os primeiros a ser afetados. Perde-se a sensibilidade à pressão e à dor. Essa perda desenvolve-se, numa fase posterior, no sentido ascendente, acompanhada de diarreia, vómitos, incontinência urinária, disfunção sexual, perda de força muscular. Neste processo, a ansiedade e a depressão são uma constante e, com o tempo, o doente entra em magreza desnutritiva e colapso cardiovascular. Sessenta por cento dos doentes desenvolvem sintomas entre os 25 e 35 anos de idade e 87% antes dos 40.

Os tratamentos focam-se no alívio dos sintomas, dores, infeções, problemas cardiovasculares como a hipertensão arterial e a insuficiência cardíaca, problemas visuais, insuficiência renal, disfunção da bexiga. No entanto, até ao momento, nenhuma terapia é capaz de curar esta doença.