Tecnologia na adolescência: o excesso pode ser um mergulho no abismo

Texto de Joana M. Soares

A. está desanimada, triste e ansiosa. Tem dificuldade em relacionar-se com os outros. Há muita pressão: os likes do Facebook, os grupos nas redes sociais, as conversações. Os jovens são impulsivos no que dizem e criam um desconforto grande, potenciando os sintomas depressivos. Há um mal-estar na sua realidade que tem um impacto negativo na saúde mental de A.

J. estuda Engenharia Informática, passa horas a jogar, os dedos no “touch screen” a pressionar o scroll, a ver fotos, a ler publicações. O tempo em que não está no vício serve para as necessidades básicas da vida: idas à casa de banho, dormir, comer. Pouco.

Os jovens são diferentes. O cenário mantém-se. O testemunho é relatado pelos especialistas que os acompanham, por quem os orienta em medicação, em conselhos. Para lá do vício há uma capa de anonimato. Não é fácil falar.

Rute Teiga terminou a especialidade em Pedopsiquiatria em 2012. Conduz consultas no Hospital CUF, em Matosinhos, e diz que “há uma potenciação dos sintomas” de um jovem que já é deprimido e depois se confronta com comentários negativos na rede. “O caminho para melhorar a saúde é ser capaz de ter estratégias para gerir emoções e as situações que vão acontecer.”

A especialista alerta que a adição “ainda não tem uma nomenclatura, uma vez que não há estudos [em Portugal] que mostrem que há uma interferência na vida dos jovens que usam excessivamente as novas tecnologias”.

Idade do “quem sou eu?”

Os adolescentes procuram interação social. “O ecrã pode servir de mediador de uma relação, e também para aprovação social”, avisa Rute Teiga. Atravessamos a idade dos porquês, mas também a idade do “quem sou eu?”. Só que nesta busca do “eu”, o “nós” ganha pontos.

Na tecnologia que pesa sobre os dias de hoje, “o adolescente tem de jogar aquele jogo porque o grupo joga e o eu do adolescente tem que ser aprovado. Se, por outro lado, há um grupo que conversa em rede, o eu do adolescente tem de responder naquele momento, no mesmo tempo que aquele grupo responde, porque corre o risco de ser eliminado”. Pode ser a necessidade de recorrer ao mundo virtual para compensar algo que não está a correr bem no dia-a-dia.

Nesta busca do “eu” pelo adolescente há também a família, “que é muito importante, mas de quem se afasta para conseguir também se encontrar”, afirma a especialista. A este afastamento responde com a aproximação “a um grupo, a um grupo de colegas”.

Só mais tarde “é que haverá o ‘eu sou eu’, independentemente do grupo e da família”. Todavia, Rute Teiga sublinha o facto de se estar a falar de uma forma lata, porque cada adolescente é um adolescente. “As vivências são diferentes. Nós somos o resultado dos genes mas também do ambiente.”

Seja como for, é na adolescência que se encontram “meninos inseguros”, e é na adolescência que “os pares controlam”. A pedopsiquiatra é da opinião que o facto de os jovens usarem as redes sociais não implica que tenham problemas depressivos – a maior parte das pessoas que utiliza as novas tecnologias é saudável, ao contrário do que acontece, por exemplo, no Reino Unido, onde se fala de uma geração suicida.

Como perceber se alguém próximo de nós está a resvalar para o vício? Rute Teiga chama a atenção para a eliminação repentina de rotinas que o jovem sempre teve e gostou. Pode ser o basquetebol, o futebol, a dança, sair com amigos. A isto podem-se juntar alterações no comportamento alimentar: perda de apetite, alimentar-se junto ao PC e não à mesa com os pais. Se a isto se juntar uma sensação de prazer, alívio e perda da noção do tempo quando está a jogar, nas redes ou no smartphone, há razões para soar o alarme.

O scroll infinito como uma slot machine

O excesso de tecnologia na órbita dos adolescentes pode ter impacto negativo em várias esferas da vida. Tito de Morais, fundador do portal miudossegurosna.net, ajuda famílias, crianças e jovens com mecanismos de segurança online, e alerta para o facto de haver “especialistas em adições que comparam o ‘scroll’ infinito a uma ‘slot machine’”.

Tito de Morais avança com outro conceito, o “brain hacking”. É um fenómeno assente “num arsenal de técnicas que se socorrem de mecanismos básicos do modo de funcionamento do nosso cérebro e da psicologia humana e que são usados pelas empresas de tecnologia para nos manter colados aos seus produtos”. Estas técnicas levam-nos a usar durante cada vez mais tempo os nossos dispositivos e aplicações. Resultado: maximização das receitas dos fabricantes de dispositivos e aplicações.

A hiper-conectividade na adolescência não está muito estudada em Portugal. E também não está muito aprofundada na infância e na fase adulta. Mas de uma forma genérica, os especialistas reconhecem impactos negativos. “Na infância os riscos podem situar-se ao nível da aquisição de competências básicas, e também se discutem implicações ao nível do desenvolvimento motor, psíquico e emocional”, elenca Tito de Morais.

Palavra-chave: Prevenção

Em psiquiatria não se fala em cura. Tampouco em doença. Doença significa que existem sintomas concretos e bem definidos e isso, na psiquiatria, não existe. O que existe é uma série de sintomas que levam a uma interferência. Ou seja, não há um remédio exato para o vício: “Não posso falar em cura porque significa que estou a falar de uma doença”, esclarece Rute Teiga.

Para ela, o segredo é mesmo a prevenção. “Tem que haver uma supervisão, da parte dos pais, do uso do telemóvel e das redes sociais. E tem que haver momentos de diálogo.” Para os adolescentes pode ser muito importante confiar num especialista, encontrar apoio num adulto que pode ser um familiar, o psicólogo da escola, um médico. E quando não se está bem deve-se pedir ajuda, por muito desconfortável que isso seja.