Talões e faturas colocam saúde em risco

Texto de Sara Dias Oliveira

Comprovativos de compras, talões bancários, contas de supermercado, faturas, recibos. O papel que sai das impressoras, máquinas de calcular, caixas registadoras, terminais bancários, não é assim tão inofensivo quanto parece. A tinta que cunha números e letras, em folhas outrora brancas, tem, afinal, consequências para a saúde.

O bisfenol-A, composto químico que é usado como aditivo nas tintas que imprimem todo o género de papelada, é o grande responsável. Em 2011, a Comissão Europeia proibiu essa substância nas tetinas dos biberões de plástico. Agora, há um novo alerta da comunidade científica.

A Universidade de Granada, em Espanha, realizou um estudo internacional que dá conta de que os bilhetes de compra, em que a tinta desaparece ao fim de algum tempo, têm uma substância que causa cancro e infertilidade. Como se não chegasse, nove em dez recibos entregues por lojas e supermercados são de papel térmico, que contém a tal substância química que muda de cor quando exposta ao calor.

É o bisfenol-A que é um disruptor endócrino que altera o equilíbrio hormonal em pessoas expostas a este químico, podendo mesmo provocar infertilidade, obesidade, cancros dependentes de hormonas e anormalidades urogenitais. A pesquisa foi publicada na revista “Environmental Research”. O trabalho de campo, à volta de muita papelada, foi feito em Espanha, Brasil e França.

O bisfenol-A é um conhecido composto químico usado na produção de plásticos, nomeadamente garrafas, copos, talheres, brinquedos, biberões, e é também utilizado como ativador da cor da tinta presente em cerca de 90% dos bilhetes de compras. Uma tinta que acaba por desaparecer quando exposta à luz, tornando-se invisível com o passar do tempo.

O manuseamento praticamente diário de papelada impressa em várias máquinas, seja a conta do restaurante ou o recibo do depósito do combustível, pode ter implicações para a saúde. O bisfenol-A penetra na pele e entra no organismo. E aí é um caso sério.

Estrogénio artificial

“O bisfenol-A é um disruptor endócrino, um estrogénio artificial que é causador de cancro da mama, da próstata, e pode causar diabetes”, adianta Vasco Bonifácio, investigador do Centro de Química-Física Molecular do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, licenciado em Química e doutorado em Química Orgânica. Já está estudada a dose recomendada de exposição a esse composto: 70 microgramas por dia. E sabe-se que cinco segundos com um talão na mão correspondem a um micrograma.

“É um composto bastante tóxico em determinadas concentrações.” Uma substância que penetra na pele e que pode desestabilizar o funcionamento do organismo. “É um estrogénio artificial muito parecido com compostos que produzimos no corpo e que compete com esses compostos naturais que temos.”

Introduz-se no corpo “um elemento externo que vai criar algum desequilíbrio”, explica. Daí os efeitos que pode ter na saúde.

Bruno Nunes, investigador do departamento de Biologia e do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro, também conhece o poder do bisfenol-A. “É um composto com alguma estabilidade, é resistente e não se degrada facilmente. Confere um toque agradável ao plástico”, refere. Na saúde, pode atuar à imagem e semelhança das hormonas.

“O problema é que consegue exercer efeitos em concentrações baixas”, realça o investigador, que dá conta das alterações hormonais que esse bisfenol provoca em organismos aquáticos. “O que é facto é que, em doses extremamente baixas, foi capaz de alterar os parâmetros reprodutivos e a evolução de vida de organismos aquáticos.” “O bisfenol-A perturba a mudança de carapaça nos crustáceos”, exemplifica.

Luvas e mãos secas

A regularidade no contacto faz diferença e é para aqui chamada. A concentração da substância química também. Numa exposição diária mas rápida não haverá problema. O cenário pode mudar de figura nas profissões expostas continuamente aos papéis com tinta com bisfenol-A, como funcionários que trabalham em caixas de supermercado ou que lidam com impressoras. Nesses casos, o uso das luvas é altamente recomendado. Se não há luvas, aconselha-se mãos secas.

“Há sempre uma quantidade que penetra na pele, na pele seca não há tanto esse problema”, diz Vasco Bonifácio. Tudo porque os cremes hidratantes têm etanol que tornam as mãos húmidas e que, por isso, facilitam a entrada do composto químico na pele e consequentemente no corpo. “Quando entra na pele é facilmente absorvido”, acrescenta o especialista.

Bruno Nunes deixa o aviso: “Tudo o que seja facilitar o contacto humano com este composto não é boa ideia”. Vasco Bonifácio dá um conselho. “Ao receber um talão, deve dobrá-lo e a tinta deve ficar para dentro.” Quanto menos tempo nas mãos, melhor.

Os investigadores da Universidade de Granada recomendam isso mesmo. Manipulação mínima. O que for obrigatório, apenas. Nada de misturar qualquer talão ou bilhete com alimentos. Nada de brincar com faturas e recibos nas mãos. Nada de andar muito tempo com esses papéis na carteira. Nada de aproveitamentos, ou seja, nem uma anotação ou lembrete nas costas dos bilhetes impressos. E nada de deixá-los à solta na mesa da cozinha, no carro, na mala, onde for. O que tiver mesmo de ser guardado para memória futura, deve ser arquivado e deixado em sossego. A bem da saúde de todos.