Sono em dia à noite

Cátia faz diariamente, ao final da tarde, uma saída mais demorada com Maria Clara, para a bebé, de 22 meses, gastar energia. Guilherme aproveita o passeio (Foto: Filipe Amorim/Global Imagens)

Texto de Sofia Filipe

Com poucos meses, Maria Clara não raras vezes acordava durante a noite e permanecia desperta muito tempo até voltar a adormecer. Os pais, Cátia e Alexandre, não passaram por semelhante situação com o primeiro filho, Guilherme, de seis anos, por isso resolveram consultar uma terapeuta do sono para perceberem “se haveria alguma estratégia para reduzir os despertares noturnos”.

O passo para regularizar o sono do novo membro desta família de Oeiras foi dado em fevereiro de 2018. No consultório, “após ter feito uma anamnese, desde a gravidez ao momento atual, a especialista encontrou uma causa, segundo referiu, muito comum e fácil de resolver”, conta Cátia, que trabalha na área da educação ambiental, em Lisboa, e prefere resguardar-se no nome próprio, sem apelido. A mãe de 39 anos acrescenta que, de acordo com a terapeuta, “a Maria Clara precisa de ter muita atividade durante o dia para gastar energia. Caso contrário, tende a acordar durante a noite e só voltar a dormir quando for vencida pelo cansaço”.

As noites mal dormidas têm impacto tanto na pessoa afetada como no seio da família. Como necessidade básica que é, o sono desregulado pode ter implicações no bem-estar físico, mental e emocional. “Um bebé que não dorme ou uma família inteira que não consegue obter a quantidade de descanso necessário é uma família em risco. O sono deve ser uma prioridade natural”, comenta Constança Cordeiro Ferreira, terapeuta de bebés no Centro do Bebé, em Lisboa.

Autora do livro “Os bebés também querem dormir”, a especialista já acompanhou mais de três mil bebés e ultimamente são muitos os pais que a consultam especificamente por causa do sono. É, pois, com muito à vontade que aponta “os conselhos ou a informação dada aos pais” como causa principal de desregulação do sono dos recém-nascidos. “Faz com que queiram aplicar métodos, rotinas ou sistemas de autonomização precoce num bebé que está ainda a fazer a sua complexa adaptação ao Mundo”, sustenta.

Nas horas que antecedem a dormida, “Luísa” dá preferência ao ambiente calmo, à luz fraca e ao silêncio. E evita usar o telemóvel e ligar o computador. (Foto: Jorge Amaral/Global Imagens)

Os familiares de crianças com mais de 15 meses geralmente costumam procurar auxílio por “despertares frequentes durante a noite que requerem a presença dos pais e que impedem um sono tranquilo ou por necessidade dos pais para adormecerem”, diz Nuno Reis, psicólogo clínico e especialista em desenvolvimento infantil no Centro do Bebé.

Nos bebés mais crescidos, poderá causar disrupção “períodos de sono diurno desajustados, deitarem-se tarde, rotinas longas e complexas antes de dormir e tudo o que cause dor ou desconforto físico e que piora durante o período noturno ou na posição horizontal (dor, tosse, refluxo, erupção dos dentes, etc.)”, enumera Constança Cordeiro Ferreira, sublinhando que o bem-estar emocional materno e paterno, bem como o ambiente e a estabilidade no lar, podem igualmente ter implicações no sono.

“Não posso estar sempre on”

Na idade adulta, a higiene do sono é a primeira medida para voltar a regular o período de repouso, garante Joaquim Moita, coordenador do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e presidente da Associação Portuguesa de Sono. Nick Littlehales preside ao UK Sleep Council, trabalha com atletas de elite, entre eles Cristiano Ronaldo, e oferece estratégias para um bom descanso no livro “Sono”, sendo uma delas ter atenção às rotinas antes e após o deitar.

A partir de uma certa hora, ao final do dia, Luísa (nome fictício) evita atividades que a despertam e faz pelo menos nove horas de sono diário. “Tento sentir-me confortável a nível alimentar, físico e mental”, destaca a administrativa de 46 anos. Vive em Loures e, nas horas que antecedem a dormida, dá preferência ao ambiente calmo, à luz fraca e ao silêncio.

Evita usar o telemóvel e ligar o computador, assim como tarefas que exigem concentração e assuntos sensíveis. “Tenho de descansar e desligar. Não posso estar sempre on”, afirma, referindo que também faz exercício físico regularmente e dorme a sesta sempre que é possível no fim de semana. Adotou essas medidas por iniciativa própria, após consultar livros e informação fidedigna. Há largos anos, teve episódios de paralisia do sono e aponta a sonolência como parte integrante da sua vida, especialmente na época mais fria do ano. Anualmente, faz análises e os resultados são sempre normais. Porém, há dois anos, sofreu um esgotamento que intensificou o cansaço e a sonolência.

Joaquim Moita acredita que as pessoas procuram tardiamente um especialista e só o fazem quando “a vida familiar e profissional está afetada pela fadiga, sonolência diurna, défice cognitivo e de memória e instabilidade emocional”. O presidente da Associação Portuguesa de Sono indica “a insónia crónica, que afeta 10% da população, e a síndrome de apneia do sono, que atinge cerca de metade dos homens e um quarto das mulheres” como as duas perturbações mais comuns do sono desregulado, acrescentando que múltiplas causas podem afetar o descanso, para além dessas doenças, como o trabalho por turnos ou a má higiene do sono.

Em junho de 2018, Luísa pediu para fazer um exame, em que lhe foi diagnosticada uma ligeira apneia do sono. Solicitou, então, à médica de família referenciação para um especialista do sono no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e, em outubro, foi à primeira consulta de Patologia do Sono. Neste momento, aguarda pela próxima consulta para realizar mais exames.

Cátia saiu do consultório com recomendações destinadas ao bom sono de Maria Clara, que tem atualmente 22 meses. Os hábitos do quotidiano teriam de ser alterados e deveriam sair pelo menos duas vezes durante o dia.

“Um passeio rápido de manhã e uma saída mais demorada ao final da tarde, para a bebé gastar energia”, explica a mãe, a quem a terapeuta também aconselhou um ritual para a criança adormecer: luz ténue e amarela e música suave. “Melhorou bastante quando entrou na creche aos 18 meses”, assegura Cátia, frisando que nota uma grande diferença no sono da filha durante as férias.

No quotidiano, à noite, há que perceber quando Maria Clara esgotou a energia suficiente para deitá-la e, já na cama com luz ténue, ligar a música. “Vai amolecendo, embora por vezes ainda demore cerca de uma hora a adormecer”, remata.

Sete mandamentos

Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa de Sono, indica sete regras para uma boa higiene do sono.