Sérgio Veloso chegou a pesar 120 quilos e agora responde a perguntas difíceis sobre obesidade

Decidiu emagrecer quando tinha 15 anos. É biólogo celular, especializado em nutrição clínica, autor do blogue "Fat New World, Admirável Mundo Gordo", faz parte de um grupo de investigadores que estão focados em combater as doenças da civilização moderna. E não contorna qualquer pergunta sobre o assunto.

Sérgio Veloso chegou a ter o peso acima da norma, atingir os 120 quilos não foi muito difícil no seu caso. “Basta associar um historial familiar de obesidade com comportamentos de risco e chegamos aos 120 quilos com 15 anos. Comendo…”, conta à NM. Até que decidiu emagrecer. “Consigo imaginar dezenas de razões para um adolescente de 15 anos decidir que aquele não era um estado que quisesse manter. E não houve nenhum outro motivo para além de uma decisão pessoal, de um dia para o outro”, adianta.

A forma como era olhado depois de perder peso não o incomodou, não o perturbou, não o preocupou. “Acho que antes de emagrecer as pessoas pensam que as coisas mudam mais do que mudam realmente. Não senti essa diferença, pois as limitações eram mais impostas por mim, pelo estado em que estava e como me sentia, do que pelos outros.”

Cresceu, licenciou-se em Biologia Molecular, tirou uma pós-graduação em Nutrição Clínica, criou o blogue “Fat New World, Admirável Mundo Gordo”, faz parte do painel de formadores do projeto Nutriscience, que é um grupo de investigação concentrado em doenças da civilização moderna, dá cursos sobre obesidade e composição corporal. O próximo tem lugar neste fim de semana, no Hotel Sana, em Lisboa. “Depois de perder peso apaixonei-me pela área do metabolismo, fisiologia e nutrição. Dediquei-me desde então, primeiramente de uma forma egoísta no sentido de me perceber a mim próprio e conseguir mudar o meu corpo”, refere.

Ser gordo é ser gordo, independentemente do sexo. Mas as mulheres têm mais dificuldade em perder peso, sobretudo por razões hormonais

O Governo decidiu, através do Orçamento do Estado, que as bebidas com mais açúcar pagariam mais impostos. A publicidade a alimentos nocivos para crianças vai ser proibida nas escolas. Será que estas medidas contribuirão para uma diminuição da obesidade? Sérgio Veloso está preparado para responder a perguntas difíceis, e mais pessoais, sobre o assunto. A NM lançou-lhe várias perguntas.

A gordura dos alimentos é inimigo número um dos obesos? “Não. De todo. O excesso calórico sim, para o qual contribuem os alimentos com um teor de gordura elevado, e de grande palatabilidade que estão facilmente disponíveis. Geralmente combinando açúcar ou amido, gordura e sal. Tratam-se de alimentos com elevada componente de recompensa e densidade energética que facilmente excedemos uma quantidade razoável.”

Ser gordo para uma mulher e ser gordo para um homem é a mesma coisa? “Ser gordo é ser gordo, independentemente do sexo. No entanto, as mulheres têm mais dificuldade em perder peso, essencialmente por razões hormonais, e naturalmente têm uma percentual de gordura maior do que homens. Evolutivamente está associado à garantia de reservas energéticas para a reprodução, essencial à sobrevivência da espécie”, responde.

Emagrecer é apenas uma questão de controlar o apetite? “Emagrecer é uma questão de ingerir menos energia do que se despende. Por mais voltas e romantismo que tentemos imprimir no fenómeno, tudo se resume a isto em última análise. E o apetite obviamente que dificulta a manutenção deste défice. Não é tudo, mas é uma grande parte.”

“Emagrecer é uma questão de ingerir menos energia do que se despende”
Sérgio Veloso

É mais difícil manter-se magro do que emagrecer. Esta é uma afirmação sustentada em vários fatores. “Em primeiro lugar, as mudanças comportamentais não persistem e volta-se ao estilo de vida inicial. A ‘dieta’ não é transitória, mas uma mudança a assumir para o resto da vida e com a qual não há muita margem de compromisso. Depois existe de facto um ‘drive’ metabólico para voltar a ganhar o peso perdido e manter o ponto de equilíbrio.”

“De uma forma simplista, podemos dizer que o nosso peso é regulado a nível central como um termóstato. E, se baixa, são desencadeadas respostas para que volte ao ‘normal’. Respostas essas que passam pelo aumento de apetite, redução do dispêndio energético, atividade física espontânea, entre outros mecanismos hormonais e comportamentais que favorecem a recuperação do peso que foi perdido. É preciso restabelecer um novo equilíbrio, o que leva tempo e poucos o conseguem”, acrescenta.

Sérgio Veloso antes do processo de emagrecimento

Não comer é sinónimo de emagrecer?

A questão não pode ser colocada desta forma. Não comer obviamente que emagrece. Sérgio Veloso recorda que o jejum mais longo registado na literatura médica foi de 382 dias e o homem perdeu 120 quilos. “E podemos também evocar o exemplo dos campos de concentração ou da recente crise Venezuelana que em média já levou a uma redução de oito quilos na população. Agora, não é obviamente uma solução sustentável nem reeduca no sentido de promover comportamentos que possibilitem manter esse peso perdido. Para além de favorecer uma grande perda de massa muscular que irá dificultar também o processo de manutenção”, adianta.

Deitar a roupa do passado de obesidade fora é uma espécie de terapia de largar “o velho eu” e começar um “novo eu”? “Cada um encontrará as suas motivações e essa poderá ser uma forma de condicionamento psicológico. Às vezes, o importante é estabelecer um objetivo porque ‘perder peso’ é demasiado abstrato para fixar um foco. Nem que seja caber na roupa nova…”

A nicotina reduz o apetite e aumenta o gasto energético. Mas quem deixa de fumar pode contrariar o aumento de peso

Quem deixa de fumar engorda automaticamente? “Não automaticamente, mas existe uma associação entre a cessação tabágica e o ganho de peso bem estabelecida. A nicotina reduz o apetite e aumenta o gasto energético, para além dos seus efeitos diretos sobre as células adiposas. Quando o estímulo é retirado há, de facto, uma tendência para ganho de peso, mas que pode obviamente ser contrariada. Em média os ganhos andam nos 6-8 quilos ao fim do ano, e mais evidentes nos primeiros seis meses.” Atenção, portanto.

Os ex-obesos têm de fazer exercício físico para o resto da vida? “Saúde e sedentarismo são incompatíveis. No caso dos ex-obesos acrescentamos a importância do exercício na manutenção do peso, comportamento comum a quem o consegue fazer com sucesso segundo o Registo Nacional de Controlo de Peso, tanto cá como nos EUA.”

E há aquele segredo, o segredo, para perder peso? “Quando o descobrirem digam-me que eu ainda não o encontrei…” Não há, portanto. E quais os alimentos que os ex-obesos têm mesmo de evitar? Sérgio Veloso garante que não existem. “São os mesmos que qualquer pessoa deve evitar, dentro do senso comum. Mas, como dizia Oscar Wilde: ‘O problema do senso comum é ser pouco comum’.”