Ser sexy é…

A cena é de conhecimento obrigatório. Sharon Stone, na pele de Catherine Tramell, uma escritora enigmática, está a ser alvo de um interrogatório policial quando, num gesto pleno de provocação, descruza e volta a cruzar as pernas. Depois sorri, sedutora, enquanto os cinco interlocutores a olham, atónitos.

O filme, “Instinto Fatal”, é de 1992, mas o momento – chamaram-lhe o “descruzar de pernas mais famoso do cinema” – eternizou-se como uma das cenas mais sensuais da história da sétima arte, promovendo a protagonista a ícone da mulher sexy. E o que é ser sexy? O dicionário descodifica assim: que tem um encanto sedutor, que é sexualmente atraente, que apresenta um caráter erótico. Sensual, portanto.

Mas isto de ser sexy é um conceito tão vasto quanto os gostos. A própria Sharon Stone vincou-o em 2015 quando, já distante da jovialidade exibida na película que a fez famosa, posou para uma sessão fotográfica ousada da revista americana “Harper’s Bazaar”. “O que é ser sexy? Não é só a altura a que está o teu peito. É estar presente, ser engraçada e gostares o suficiente de ti própria. Se acreditasse que ser sexy era tentar ser a pessoa que era quando fiz o ‘Instinto Fatal’, todos estaríamos a ter um dia difícil”, defendeu, descomplexada.

Não é a única. Há muito quem entenda que a sensualidade – ou a “sexiness”, do inglês – começa e acaba aí. Na atitude. “Ser sensual é acima de tudo uma decisão de cultivar o amor-próprio diariamente. E isto começa com pequenos gestos diários de cuidado pessoal e valorização que vão desde a alimentação à imagem e à realização pessoal”, considera a psicóloga clínica Sofia Rodrigues, que inclui a postura positiva e proativa no leque de elementos que ajudam a tornar uma pessoa sexy.

A especialista vai mais longe: há quem nasça para ser sexy. “Claro que existe uma sensualidade inata em muito do que nos rodeia, e muitas mulheres são sensuais em si mesmas. Apenas o são de uma forma muito natural e sem grande esforço. Estes são exatamente dois dos requisitos fundamentais quando falamos em sensualidade, naturalidade e ausência de esforço.”

Fátima Lopes, há décadas imersa no mundo da moda, permanentemente associado à sensualidade, concorda. “É mais uma forma de ser do que de estar. É algo que vem de dentro e que tem muito a ver com o facto de as pessoas se sentiram bem na sua pele e na sua sexualidade. Tem a ver com o gostarmos do nosso corpo”, argumenta a estilista de 54 anos, que fala sem pejo do que entende ser um homem sexy.

“Para mim, é a segurança, a inteligência, o saber estar, o ser um cavalheiro. Um homem que se exibe de forma erótica para mim não é nada atraente. E depois, claro, face à idade, para mim um homem sexy já é um homem com cabelos brancos e rugas. Se me perguntasse há 40 anos a resposta seria diferente”, salvaguarda, a rir.

Paulo Pires, 52 anos, ator, genericamente visto como o protótipo do homem sexy, acrescenta a visão masculina da coisa. “Para mim, ser sexy é a originalidade, o bom gosto, a inteligência, o tom de voz, o olhar. É um conjunto de coisas. A forma como tudo isto junto resulta é aquilo que me atrai em alguém.”

Sharon Stone em “Instinto Fatal”, de 1992, na iminência do descruzar de pernas mais famoso do cinema.

O ex-manequim admite que a beleza também conta, mas não tem dúvidas de que o ser sexy é sobretudo uma questão de atitude. Até porque “há pessoas que à partida não são muito bonitas mas se tornam sexys pela forma como falam, como vestem. Tudo isso contribui”.

A sensualidade num “outfit”

Neste todo, cabe, com certeza, a aparência. Desde a beleza natural ao “outfit”. A roupa, os adereços, a maquilhagem. E há chavões que necessariamente andam de mãos dadas com o rótulo de sexy. “O justo, o curto, as rachas, os decotes”, aponta Susana Marques Pinto, stylist há mais de 30 anos mas, curiosamente, avessa a este vulgar conceito de sensualidade.

“Tudo o que são símbolos óbvios de sexy, para mim são o oposto. Considero mais sexy uma camisa de seda com um botão mais desapertado, a ver-se ligeiramente o soutien, por exemplo. Depois, acho uns sapatos de salto alto quase sempre sexys, um batom vermelho no tom certo também. Há pequenos toques, muitas vezes subtis, que para mim conseguem ser sexy. Nos homens, acho sexy alguém que tenha atitude perante a roupa. Mas não gosto de nada excessivamente curto, justo ou tatuado”, defende.

Fátima Lopes e Paulo Pires também preferem a sobriedade à exuberância. “Não me atrai uma sexualidade vulgar. Acho que o sexy tem mais a ver com que se deixa por mostrar do que com o que se mostra. A sensualidade tem de ser subtil. Tem mais a ver com a elegância do que com mostrar o corpo de forma vulgar”, sublinha a estilista, alertando que uma pessoa que não se sente bem com o próprio corpo “dificilmente será sexy, por muito que vista roupa atraente”.

O ator vai mais longe: “Não acho que o sexy seja necessariamente uma roupa que exponha mais o corpo, porque às vezes pode expor e estragar tudo. E até pode, através da roupa, ver-se um corpo bonito, e a pessoa continuar a não ser sexy”.

Até porque o que é sexy hoje pode não ser amanhã. “Há um século, ou perto disso, as mulheres mais roliças eram consideradas sexy. Depois, nos anos 1990, tivemos o oposto. A moda era a mulher demasiado magra. Hoje, esse conceito já está um bocado ultrapassado”, lembra Paulo Pires.

É também na década do século passado que nasce o conceito de metrossexual, mesmo que o termo só se tenha popularizado a partir de 2002 quando, depois de David Beckham ter posado para uma revista gay do Reino Unido, o jornalista Mark Simpson o considerou “o maior metrossexual da Grã-Bretanha”. Desde então, o cuidado dos homens com a aparência cresceu significativamente.

Vestir bem, ter atenção redobrada com o cabelo e a barba, tratar da pele e das unhas tornaram-se preocupações rotineiras para parte da comunidade masculina. Quer isso dizer que os homens estão mais sexys? “Não necessariamente”, considera Paulo Pires, reconhecendo que o homem passou a aprimorar-se mais, sem preconceito. “Vemos isso de uma forma cada vez mais clara e assumida.” Fátima Lopes admite gostar de um homem elegante e cuidado, que “tenha atenção à forma e cuide da pele e do cabelo”, mas vai dizendo que “tudo o que é em exagero peca”.

A construção social e a “sexiness” das redes

Parte do conceito de ser sexy está aí, nessa subjetividade e multiplicidade de gostos. Por muito que a norma tenha o seu peso. Paula Guerra, professora de Sociologia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, enfatiza isso mesmo. “O conceito de sexy é uma coisa construída socialmente. Nomeadamente a partir da Segunda Guerra Mundial, com a emergência das culturas juvenis, houve muito uma aposta dos mercados nessa questão, uma imposição de modelos que servem para vender e para guiar as pessoas”, recorda, argumentando que a questão de sensualidade começou com Marilyn Monroe. “Foi uma das primeiras a ser apelidada de sexy, não de bonita.”

Entretanto, o conceito foi evoluindo. “A indústria precisa de mudar para vender. Nos anos 1980 e 1990, foram as supermodelos, como a Claudia Schiffer e a Naomi Campbell. Depois, há coisas que vão mudando e que se vão repetindo. Era o moreno, mas agora já não é o moreno. Agora os modelos negros estão com uma imagem de grande pujança, por exemplo. As imagens andróginas também. No fundo, o conceito de sexy vai acompanhando aquilo que a sociedade determina. E a indústria também.”

E se o consenso no que à “sexiness” diz respeito é quase uma miragem, há algo em que todos vão concordando: andamos, no geral, todos mais preocupados em ser sexy. “Pela forma como as pessoas se apresentam em público e nas redes sociais diria que sim”, sustenta a stylist Susana Marques Pinto. A socióloga Paula Guerra também chama a atenção para a forma como a vontade de querer parecer sexy a todo o custo se reflete nas redes. “Há uma idolatração do eu, das selfies. A preocupação é: ‘Como é que eu posso construir a minha imagem sexy nas redes?’ Há uma autoconstrução quase diária do que é ser sexy.”

Esta busca incessante pela sensualidade conduz, por fim, a uma outra questão, levantada por Susana Marques Pinto: “Ao querer-se tanto exibir a ida ao ginásio, o status, o ‘olha eu, linda e feliz’, destruiu-se um pouco o que era subtil e elegante. As pessoas quase se limitam a seguir as correntes e o óbvio acaba por ser muito brutal. O querer ser sexy não é sexy”.