Sépsis, a inflamação que pode ser fatal

Foto: Rui Oliveira/Global Imagens

Pode ser causada por qualquer infeção, em qualquer ponto do corpo, provoca disfunções orgânicas graves e os níveis de mortalidade são elevados. O diagnóstico atempado é fundamental.

A sépsis é uma inflamação sistémica causada por uma infeção, ou várias, como resposta do sistema imunitário a uma infeção grave. Há duas condições distintas e que se manifestam em simultâneo: uma infeção, não necessariamente bacteriana, em qualquer parte do organismo, e uma disfunção ou falência aguda de um ou mais sistemas orgânicos. O organismo não é capaz de manter o seu equilíbrio interno sem ajuda e a sépsis pode matar.

Pode ser causada por qualquer infeção, em qualquer ponto do organismo. A maioria dos microrganismos pode causar uma infeção que origina a sépsis, incluindo bactérias, fungos, vírus e parasitas. Segundo o Grupo de Infeção e Sépsis (GIS), “a fisiopatologia ainda não está bem esclarecida, mas começa a surgir evidência de que, em alguns doentes, as respostas imunológica e inflamatória desencadeadas pela infeção são desajustadas à magnitude do insulto podendo assumir, de forma mais ou menos simultânea, manifestações de resposta exagerada e insuficiente.” E como se desconhece a fisiopatologia, não se consegue desenvolver testes diagnósticos eficazes.

A sépsis causa problemas na coagulação do sangue e na irrigação de órgãos vitais, como o cérebro, coração, rins

Até ao momento, não é clara a razão pela qual alguns doentes desenvolvem sépsis e outros não. “Há razões que são razoavelmente claras, tais como a presença de doenças concomitantes que predisponham à falência de órgãos específicos – por exemplo, um doente com insuficiência renal crónica está em maior risco de sofrer um agravamento da sua função renal do que um doente sem patologia renal”, adianta o grupo especialista nesta síndroma.

O tipo de infeção subjacente também é relevante. “Há infeções que pela sua própria natureza tendem a ter manifestações muito graves (por exemplo, a meningite bacteriana aguda) enquanto outras são habitualmente menos agressivas (como a infeção do trato urinário), mas podem exprimir-se de forma mais grave se surgirem em hospedeiros mais vulneráveis.” Além disso, há doenças e tratamentos que fragilizam o sistema imunitário que assim fica mais suscetível a infeções graves que podem complicar-se com sépsis.

Falta de ar, pele suada e fria

Os sintomas variam e dependem de diversos fatores. Diferentes focos de infeção associam-se a diferentes sintomas. Os sinais de uma pneumonia, por exemplo, são muitos diferentes dos de uma infeção abdominal. E a mesma infeção pode ter manifestações diferentes em função do hospedeiro. Há ainda o fator idade e outras patologias crónicas. De qualquer forma, há sinais de alarme como dificuldade respiratória ou respiração muito rápida, alterações agudas do estado de consciência, pele fria e suada. Fala arrastada ou confusão, tremor extremo ou dor muscular, febre, não urinar durante o dia, falta de ar, pele manchada ou sem cor, são também sintomas de sépsis.

Os dados mais recentes indicam que a mortalidade hospitalar da sépsis, com internamento em cuidados intensivos em Portugal, pode atingir valores próximos dos 40%. Por que razão é tão mortal? “Esta mortalidade tão elevada é condicionada por múltiplos fatores, alguns dos quais não são mutáveis. Desde logo, a idade dos doentes, sendo reconhecido que a idade avançada é um fator de risco para o desenvolvimento de sépsis”, responde o GIS. As doenças crónicas e uma ou mais patologias têm igualmente peso nesta inflamação.

O reconhecimento atempado é uma das principais dificuldades e, por isso, é importante treinar adequadamente os prestadores de cuidados para o reconhecimento eficaz e precoce de infeção e para a identificação de sinais de gravidade. O GIS salienta outro problema que condiciona significativamente o prognóstico, ou seja, a resistência aos antimicrobianos. “O uso em larga escala de antibióticos tem resultado num aumento dramático do número de microrganismos capazes de lhes resistir. Este tipo de organismos multirresistentes dificulta muito o tratamento de infeções nas quais estejam implicados. Assim, a promoção dos princípios da boa utilização de antibióticos é também uma área merecedora de atenção”, sublinha.

A sépsis é responsável por cerca de sete a nove milhões de mortes por ano em todo o Mundo

Um tratamento adequado e em tempo útil pode levar à recuperação integral de um episódio de sépsis. No entanto, em grupos mais vulneráveis, ou quando a resposta ao tratamento é mais arrastada, podem existir sequelas de longa duração. “Por exemplo, é frequente que doentes mais idosos necessitem de internamento mais ou menos prolongado em unidades de reabilitação/cuidados continuados na fase de convalescença. Também doentes com estadias prolongadas em cuidados intensivos podem sofrer sequelas neurocognitivas a longo prazo. Talvez uma das sequelas mais relevantes seja a das infeções secundárias. Sabemos que os doentes com sépsis passam frequentemente por períodos mais ou menos profundos de depressão do sistema imunitário que os deixa altamente vulneráveis ao desenvolvimento de novas infeções”, adianta o GIS.

A terapêutica assenta em três pilares. “Em primeiro lugar, é necessária a instituição atempada de antibioterapia ativa contra o microrganismo causador da infeção. Particularmente nos casos de choque sético a instituição de antibioterapia apropriada é considerada uma medida emergente que deve ser realizada sempre que possível na primeira hora após o diagnóstico. Em segundo lugar, existem algumas infeções (por exemplo, aquelas que resultam de perfuração do intestino) nas quais a antibioterapia por si só não é suficiente e são necessárias medidas físicas (por exemplo, cirurgia) para resolver o problema.”

Por fim, há a necessidade de suportar as funções orgânicas em falência, o que pode ser feito através de muitas formas – a ventilação mecânica, fármacos vasopressores para doentes em choque, ou técnicas de diálise na insuficiência renal são algumas dessas formas.

As consequências de uma sépsis podem perdurar. Os efeitos, a longo prazo, incluem danos permanentes nos órgãos afetados, bem como incapacidade física e cognitiva, estados de tristeza, dificuldade em deglutir, fadiga e fraqueza muscular, dificuldade em dormir, problemas de memória, dificuldade de concentração, ansiedade. Estados que se podem manter para o resto da vida.

A complexidade do diagnóstico e terapêutica levou a Direção-Geral da Saúde a publicar linhas orientadoras sobre a abordagem de casos de sépsis nos serviços de urgência. Este documento regulador da “Via Verde da Sépsis” foi publicado em 2010 e revisto em 2017 com a colaboração de vários especialistas nacionais na matéria.