Sacos voadores na prisão
Torreões de guarda com excelente vista Sul sobre o Parque Eduardo VII, por baixo o Marquês de Pombal, a Baixa de Lisboa, o azul do Tejo. Para os outros lados, se ignorarmos o arame farpado, há o modernista Palácio da Justiça e a panorâmica agradável sobre o centro da própria prisão, a estrela de seis pontas.
Um panóptico que permite vigiar todas as alas a partir do centro, ao mesmo tempo súmula da arquitectura racionalista prisional do século XVIII e ideal para o futuro do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), que em breve será encerrado e transformado em residência universitária. Lotação para 300 ou 400 estudantes, mas o número facilmente duplicará se a tradição deste tipo de local se mantiver (duas vezes o limite máximo, em beliches enfiados uns sobre os outros como caminhas de boneca).
Na verdade, a ideia de enfiar universitários das queimas das fitas e os “duxes” das praxes académico-escatológicas nas celas de uma prisão é de apoiar, desde que lhes tirem as colheres de pau gigantes e as pandeiretas.
Se for necessária segurança reforçada na residência, os guardas prisionais que lá estão hoje a trabalhar poderão ser óptimas contratações. Há dias, assisti ao relato em primeira mão do desmantelamento de uma rede que introduzia telemóveis e bolotas de haxixe na prisão e, para minha surpresa, depois de ver tanto filme igual, não entram só pelas entranhas das visitas, nos escuros duodenais, nos abismos negros do cólon, mas voando pelos ares como pássaros.
– Estamos sempre à escuta. Temos os rádios ligados. E recebo uma comunicação do guarda que estava na cozinha.
Isto disse em tribunal um guarda com 36 anos de profissão, explicando que correu imediatamente para o local.
– Estabeleci contacto visual com o guarda. E ele indicou-me, junto ao muro, um saco preto. Passado um pouco, salta outro saco que cai a nossos pés!
Um saco branco atirado da rua ia acertando na cabeça dos guardas, incluindo a do chefe deles, passou a meio metro!
– Mas os senhores, não disseram nada aos reclusos?, perguntou a procuradora.
– Não. Guardámos sigilo e montámos vigilância.
Sacos que voam por cima do muro, atirados do lado de fora, do parque de estacionamento do Palácio da Justiça. Caem perto dos caixotes do lixo da cozinha.
– Ficou um guarda na janela da enfermaria para ver quem é que vinha buscar o segundo saco. E outro guarda na cozinha, tudo como se estivesse normal. Estabelecemos um código. Não me lembro agora do código…
O código era “coelho”. Quando um dos guardas dissesse “coelho” no rádio, era correr e apanhar o coelho. E o láparo veio, primeiro passou e deu um toque com o pé no saco, olhou em volta, depois foi cumprir a sua missão: levar o tabuleiro do almoço à prova do chefe dos guardas. Todas as refeições têm de ser aprovadas, e só depois servidas. Isto é feito por um prisioneiro e por um empregado da empresa que fornece as refeições à cadeia. Este homem estava agora sentado no banco dos réus. Pequeno, nervoso. Foi ele quem, depois de olhar em todas as direcções, pegou no saco branco do chão e o enfiou na carrinha. Arrancou o motor, apareceram os guardas.
– Que saco é aquele?
– Não sei de saco nenhum…
– Sabe, sabe, o que tem no carro.
Depois lembrou-se que é verdade que tinha pegado num saco, mas era só para o entregar aos guardas. Disse à juíza:
– Eu não disse que não tinha o saco, eu entreguei o saco ao guarda. Eu disse é que o tinha comigo. Eu disse logo que o tinha na carrinha.
O saco vinha cheio de telemóveis de última geração e de bolotas de haxixe, embrulhados em plástico com bolhas de ar, para nada se partir. O homem foi condenado a cinco anos de prisão suspensos pelo mesmo período. Terá de cumprir regime de prova. Já não entrega refeições na prisão nem aguarda que chovam sacos do céu.
(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)