Texto de Sara Dias Oliveira
Um vinho, uma garrafa e um saca-rolhas. Mesmo a três, tem tudo para um casamento feliz. A missão é simples. O objeto existe para sacar rolhas. O método também. Uma espiral de metal penetra na rolha, a mão faz um movimento circular, puxa-se e já está. A descrição pode ser mais rebuscada porque a criatividade não tem limites e há modelos para praticamente todos os gostos. A sua existência começou num campo de batalha. O desenrasque aguça o engenho. E hoje é o melhor amigo do sommelier em qualquer parte do Mundo.
O fabrico de garrafas de vidro para armazenar vinho com rolha dava os primeiros passos, as guerras mantinham-se na agenda dos reis, Napoleão queria conquistar país atrás de país e as tropas não tinham descanso. Os soldados, nas trincheiras, precisavam de arejar a alma e havia por ali vinhos à espera de serem bebidos. Mas abrir as garrafas em tempos de guerra era uma dor de cabeça. Até que alguém olhou com mais atenção para a ferramenta em forma de espiral usada para limpar os resíduos dos disparos dos canos das espingardas e das carabinas. Teste feito, função cumprida.
Em 1795, alguém percebeu que aquela invenção, pequena para os militares, seria gigante para a Humanidade. Samuel Henshall, padre de Oxford, Inglaterra, inspirou-se naquela espécie de parafuso que entrava pelas espingardas para criar o saca-rolhas em forma de “T” com uma rosca de metal e um pedaço de madeira. Tratou da patente e o primeiro registo estava feito. Um pouco mais a norte, em Birmingham, o inventor e criativo Edward Thomason observou com muita atenção o saca-rolhas do padre e percebeu que colocando um limite à rosca, obrigando a rotação, facilitaria o processo de extração da rolha.
O desprendimento da cortiça do vidro tornou-se mais fácil. Mais uma invenção, mais uma patente. Há até quem garanta que o saca-rolhas terá honras de estreia no livro da propriedade intelectual.
Um utensílio prático e aparentemente banal viria a carburar a imaginação. Só no Reino Unido, pelo século XIX fora, contaram-se mais de 350 registos. Os Estados Unidos não ficaram atrás, França também não. Hoje parece que não há um saca-rolhas igual ao outro. Pormenor aqui, detalhe acolá. Para todos os gostos, para todos os preços.
O chef e designer belga Frank Sveid criou o mais caro do Mundo, moldado a ouro de 18 quilates, dobradiças do mesmo material, que pode ser personalizado e guardado numa caixa de madeira feita à mão e devidamente forrada. Esta peça de arte custa cerca de 63 500 euros.
O saca-rolhas não é apenas um adereço de cozinha. É uma história de engenho e um encontro feliz entre uma vontade e a imaginação que não pára de desenhar novos modelos e acrescentar detalhes artísticos e funcionais.