Há cheiros que anunciam o Natal e iguarias que, ano após ano, têm lugar cativo no banquete da consoada. Em Vila Nova de Gaia, não faltam os bolinhos de bolina para adoçar a quadra de Eduardo Vítor Rodrigues. Em Estarreja, há torta de abóbora à mesa de Diamantino Sabina. Mais a norte, em Melgaço, na casa de Manoel Batista, come-se arroz-doce. São três autarcas que lideram os destinos dos municípios onde vivem. No baú da memória, conta-se um sem fim de sabores que avivam recordações antigas da quadra vivida em família.
Em pequeno, o ingrediente mestre dos bolinhos de bolina (abóbora-menina) crescia no quintal dos avós de Eduardo Vítor Rodrigues. Na mesma terra, cultivavam-se as couves. Foi com a mãe que aprendeu a confecionar a iguaria. O processo é moroso. Há que cozer a bolina e deixar o preparado escorrer dentro de um pano. No dia seguinte, antes de moldar e fritar a massa, é necessário adicionar farinha, ovos, leite e açúcar. Para finalizar, basta polvilhar com canela e açúcar. “É um doce magnífico e saudável”, frisa o presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia. “Acabava também por ser um bolinho de família porque era feito com produto da casa.”

A véspera de Natal era preenchida. De manhã, Eduardo Vítor Rodrigues ia com o pai ao cemitério, tradição que tenta manter acesa. A tarde era passada na cozinha, com tempo para “tropelias”. Nesse dia, já a massa dos bolinhos de bolina estava pronta a passar pela frigideira. “A festa da família começava bem mais cedo do que a noite. Eu era o provador. Metia os dedos em tudo quanto era tacinha. Andava mais a estorvar do que outra coisa.”
Neste ano, serão 18 pessoas à volta da mesa da sala para degustar o bacalhau com todos e os doces. À meia-noite, a família assiste à missa do galo, em Mafamude. Na volta, há peru recheado para petiscar e a companhia do padre Jorge Duarte.
Dias de sol e de frio
A abóbora-menina do bolinho de bolina também serve de base à tarte de abóbora do autarca de Estarreja. Diamantino Sabina nasceu nos Estados Unidos e por lá viveu até aos dez anos. No regresso a Portugal, os pais trouxeram na mala uma forma. Na base, estavam os passos para confecionar uma “Pumpkin Pie”. Teria uns 15 ou 16 anos quando levou a primeira ao forno. “Fui buscar a base para a tarte a uma outra receita. Para o interior utilizava a receita escrita no prato da minha mãe”, explica Diamantino Sabina, sem esconder o gosto pelos tachos.

Entre a consoada passada em casa dos pais e o dia de Natal, celebrado com os sogros em Paris, cumprem-se tradições de três países. Há o bacalhau português, o peru dos Estados Unidos e o cabrito ou o rosbife em França, a nação onde vivem os sogros. “Um Natal sem frio e sem sol não é a mesma coisa. Quando regressámos, o meu pai voltou aos Estados Unidos para nos dar uma vida melhor. Passava lá cerca de nove meses. Voltava em dezembro. Era um mês especial. Normalmente, ele chegava em dias de sol e frio. Adoro os dias ensolarados e frios de inverno.”
Rumo a norte, no meio das sopas de vinho, das rabanadas e do bolo-rei, em casa do edil de Melgaço, há sempre lugar para o arroz-doce, um prato “muito ligado à família” que a mãe de Manoel Batista “fazia no inverno e na época de Natal”. Natural de Caminha, este ano a festa celebra-se em Trás-os-Montes, a terra da esposa. No menu da ceia, há bacalhau e polvo. No dia seguinte, reina a roupa velha e o polvo panado. “Tudo é feito em casa. Há partilha e todos colaboram para preparar a refeição”, diz, garantindo que o filho João, de cinco anos, mete as mãos na massa. “Ele gosta de agarrar na colher de pau e de mexer nas coisas.”

Recordações de menino
No que toca a presentes, há três que o presidente de Vila Nova de Gaia não esquece: o relógio recebido aos 11 anos, o Spectrum, um computador de jogos a preto e branco para ligar à televisão, e a carta de condução, que pagou a meias com os pais. “Ainda tenho o relógio.”
Em Estarreja, Diamantino Sabina lembra “um jogo eletrónico” e o urso de peluche que, 43 anos depois, ainda guarda. “Era uma altura muito feliz.” Já Manoel Batista assume que as prendas “não têm um peso grande” nas memórias de infância. Ao invés, guarda a construção do presépio e a preparação da grande noite. “Íamos buscar as couves para preparar o jantar. E depois havia o conforto de estar à lareira.”