
Texto de Sara Dias Oliveira
Nasceu ao pé de Aveiro a ouvir histórias do mar, dos filhos de pescadores, das mulheres vestidas de negro, dos homens que partiam para a faina. Aos cinco anos, mudou-se para a cidade. Lia e resolvia problemas de Matemática. Dentro de casa, borbulhava cultura e liberdade. O pai Vasco Branco, pintor, escultor, escritor, cineasta, com sala de cinema na cave, abria as portas a figuras de proa da cultura local e nacional. “Ficava sentada num canto como uma miúda invisível que podia participar no mundo dos adultos”, recorda. Desfasada da vida, próxima da literatura e do cinema. “Era a mais feroz observadora de mim mesma.”
Aos 12 anos, ofereceu ao pai um livro de contos que escreveu à mão. Em 1988, apresentou-se em livro com “Animais da Terra” e nunca mais parou. “Escrevo sempre, escrevo por força interior”, diz. Por instinto, por intuição. Não acredita em intenções e cada livro tem uma melodia corporal. “É só o ritmo que determina o como. E não descanso enquanto o meu corpo não se acerta com a pauta do poema.”
O seu livro de poemas “Gado do Senhor”, que venceu o Prémio Espiral Maior de Poesia, foi considerado pela Chicago Review of Books um dos melhores livros do mês e um dos 12 melhores de 2016. É um livro duro, sobre a sua incapacidade de compreender o sofrimento se fosse crente. “Em vez de escárnio e maldizer é um livro de compaixão e escárnio por todos nós.” Abril do ano passado foi passado em leituras e debates em universidades e livrarias norte-americanas.
Rosa Alice Branco tem 12 livros de poesia em Portugal. Traduzida para um número de línguas, publicada nos Estados Unidos, Itália, Brasil, Suíça, Luxemburgo, Tunísia, Venezuela, Canadá. Em 2012, foi a poetisa escolhida para representar Portugal no Poetry Parnassus Festival em Londres. No ano seguinte, ganhou o Prémio de Tradução Internacional da Coletividade de Córsega pela organização e tradução da antologia “E se Puséssemos Azulejos em Verso?” e foi nomeada para o Pushcart Prize, prémio literário para o melhor trabalho de poesia ou ficção publicado nas revistas literárias dos Estados Unidos. No ano passado, lançou “Traçar um Nome no Coração do Branco”.
Escreve sobre o amor, memórias, intimidades, a vida. Licenciada em Filosofia, doutorada em Filosofia Contemporânea, investigadora na Escola Superior de Arte e Design, em Matosinhos, tem 68 anos, é promotora cultural, organiza colóquios e festivais de poesia. Preserva a casa e espólio do pai como VIC – Casas das Artes de Aveiro, espaço de residências artísticas, galeria de arte, iniciativas culturais e guesthouse. Este ano, idealizou e apresentou “A Moda dos Livros: Desfile Literário” na Biblioteca de Aveiro com palavras ditas em voz alta e livros vestidos que cobriam a pele. Uma outra forma de mostrar a sua arte, a sua vida.