Texto de Sara Dias Oliveira
Abril de 2018, o rádio sintonizado num programa sobre os incêndios de Pedrógão Grande, a conversa do costume de apontar o dedo, quem tem ou não tem culpa. Nessa viagem de carro, Ricardo Roque recuou aos piqueniques de criança no pinhal de Leiria, voltou a uma região devastada e a um país ferido, questionou se a sua sorte teria sido diferente se tivesse sido apanhado no inferno da EN 236, a “estrada da morte”, onde 47 pessoas perderam a vida em junho de 2017.
O debate remoeu-lhe o pensamento e a vontade de criar uma ferramenta não o largou. Meses depois, tinha um kit de proteção do fogo, sem contacto direto com as chamas, com uma manta que reflete até 95% do calor radiante, um respirador para proteger as vias respiratórias e oculares dos fumos tóxicos e um par de luvas de fibras de alta resistência térmica preparadas para temperaturas até 200 º C. A manta foi testada pelo CITEVE – Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário e é eficaz a temperaturas a rondar os 500 º C. O corpo sente apenas 40 º C, dando tempo e possibilidade de fugir.
O kit Faraday, inspirado no conceito do físico e químico britânico Michael Faraday de isolar o corpo do calor durante o fogo, pesa 1,5 quilos, está à venda online, custa 60 euros, e tem instruções sobre o que fazer em caso de incêndio, num trabalho conjunto com a Liga dos Bombeiros Portugueses e a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Florestais. Para proteger populações, sobretudo as mais isoladas, e operacionais que andam no terreno no combate a incêndios, mas também para fábricas, hotéis, barcos, cozinhas, qualquer lugar com risco de fogo. Com conhecimentos em temperaturas e calor, o engenheiro de Leiria sabia o caminho a seguir, e está satisfeito com o resultado. “O objetivo é salvar vidas”, frisa.
Ricardo Roque, 36 anos, licenciou-se em Engenharia Mecânica no Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, uma das melhores escolas de engenharia do Mundo, onde Einstein estudou e deu aulas de teorias físicas. Bacharelato em Engenharia Biomédica, mestrado em Nanotecnologia. “Estava mesmo feliz por estudar naquela escola”, confessa.
Depois do curso, dois anos em Silicon Valley, na Califórnia, Estados Unidos, o habitat de algumas das mais conhecidas empresas tecnológicas do universo. Trabalhou em gestão térmica, em nanotecnologia, deu ainda uma perninha na Biologia e na Química. Voltou para Portugal, começou a trabalhar numa start-up até que resolveu lançar-se a solo com a Faraday Go, que, por enquanto, produz apenas o kit de sobrevivência. Há outros projetos no horizonte.
“Sempre fui muito inventivo, era um miúdo com muitas ideias, sempre a inventar, só não sabia muito bem como executar.” No liceu, chegou a inventar o hidro-retorno com válvulas térmicas. A água andava em loop e só saía da torneira quando estivesse quente. Metia-lhe confusão como água limpa estava a ser mandada para o esgoto sem necessidade.
Não passou de uma ideia de juventude. Agora não é bem assim. As suas ideias têm hipótese de se tornar projetos e de ver a luz do dia como objetos a colocar no mercado.