Química no fogão norteia a vida e ajuda na escola

Foto: Sara Matos/Global Imagens

A ciência desvenda os segredos da transformação dos alimentos para que os concorrentes do Brincar na Cozinha com Teka compreendam melhor a confeção.

Em pequeno, o ovo que deixa a casca e ganha nova forma na frigideira fascinou João Ferrão. Tem 47 anos, é chef de cozinha e consultor gastronómico. Ao rebobinar a memória até aos tempos de infância, recorda ainda a admiração pela consistência sólida que o forno dá ao preparado de um bolo. Antes da sua confeção, a bacia é rapada com a colher. Depois de transformado pelo calor, torna-se obrigatória a troca de talheres. Recorre-se à faca para cortar as fatias. Entre tachos e panelas, há um laboratório em que os alimentos servem de base para as experiências.

Na banca ou no fogão, dão-se transformações físicas e químicas. É uma forma de aprender ciência fora da escola e longe dos livros. Em casa, João Ferrão sempre acompanhou a mãe na preparação das refeições. Do século passado permanecem as lições de humildade fermentadas na cozinha, os conselhos partilhados com os colegas de carteira e os sabores para a vida.

Aliás, foi junto às panelas que começou a descobrir os perigos do sal para o coração e a importância de não consumir demasiado açúcar. “Sei desde criança que o sal pode provocar o entupimento de artérias e veias. Estando atento e vendo cozinhar, aprendemos muito e isso ajuda-nos a crescer”, realça João Ferrão.

João Ferrão, 47 anos, chef e consultor gastronómico. Começou a cozinhar na infância, ao lado da mãe
(Foto: Sara Matos/Global Imagens)

À luz da ciência, as reações químicas permitem compreender a cozedura dos alimentos e criar novas técnicas. O saber chega da academia. Misturando vários ingredientes, não faltam mudanças para observar. O ovo embebido em vinagre, cuja casca desaparece para dar lugar a uma fina membrana, é apenas um dos exemplos.

“Existem diferentes tipos de substâncias que constituem os alimentos. A farinha tem carboidratos, proteínas e lípidos que, durante a cozedura do pão, vão alterando as suas características. Quando a massa é preparada e levada ao forno, ela tende a crescer. Acontece que a água que metemos na massa passa do estado líquido ao gasoso. Há um processo de evaporação e, nesse processo, há a expansão de um gás que fica retido na massa e faz com que ela cresça”, esclarece Vítor Freitas, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e especialista em ciência alimentar, deixando uma analogia: “É como soprar para o balão. Enche porque o ar está a ser retido no plástico”.

Bater as claras em castelo também tem uma explicação: “A clara do ovo é, sobretudo, proteína. Ao bater, estamos a incluir o ar que existe na atmosfera no interior dessas proteínas. Elas ficam retidas e começam a ganhar volume”.

Na confeção da carne também ocorrem várias transformações. Sejam elas promovidas pelo calor ou pelo vinagre, por exemplo. “A marinada, no fundo, é o tratamento dos alimentos em que utilizamos o vinagre ou outras substâncias ácidas. Tal como o calor, tem a capacidade de alterar a estrutura química das proteínas. Na carne, torna-a mais macia para consumir”, desvenda Vítor Freitas.

O saber cultural

Foto: Sara Matos/Global Imagens

Além de aguçar a curiosidade, na cozinha, entre os cálculos mentais para equilibrar as quantidades dos ingredientes, também se treina o raciocínio matemático.

Há ainda aprendizagens culturais e sociais, adquiridas pelo convívio e pela partilha.

“Aprendi desde pequenino que tinha de ouvir a minha mãe. Se queremos vencer temos de ouvir os que cá estão há mais tempo”, garante o chef João Ferrão.

A experiência de Sofia Castanheira Pais, professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, atesta os benefícios de cozinhar desde tenra idade. “São espaços de exploração, de descoberta e de exercício de criatividade para as crianças. Além disso, há disponibilidade para trabalhar em grupo e uma maior atenção e persistência em tarefas quando, muitas vezes, as crianças e os jovens são rotulados de inquietos e desatentos”, refere a docente, que coordenou o projeto “Sorrir para a Saúde” e fez parte da equipa do Pró-Saúde, ambos orientados para crianças.

“Trabalha-se também a criatividade e a sensibilidade, por exemplo, na combinação de ingredientes ou na altura do empratamento, entre outras”, acrescenta.