Quanto tempo se deve passar na escola?

Por Ana Tulha

A questão há muito inspira posições antagónicas e tem vindo a ganhar redobrada importância, dentro e fora de portas. Ao ponto de inspirar múltiplos debates e propostas alternativas. Enquanto isso, as questões emergem: as crianças (e os adolescentes) passam demasiado tempo na escola? Ou o problema é a forma como esse tempo está a ser ocupado? Uma maior dose de liberdade pode trazer uma melhoria dos resultados escolares? Há um tempo ideal para se passar na escola?

As respostas são tudo menos lineares. Mas há alguns dados concretos que devem servir de ponto de partida à discussão – e até inspirar modelos alternativos, potencialmente mais saudáveis e proveitosos. Desde logo, a comparação dos tempos de ensino anuais em Portugal com os registados noutros países. Um estudo divulgado pelo Conselho Nacional de Educação, em 2017, concluiu que o tempo de ensino anual obrigatório em Portugal, no primeiro e segundo ciclos, era de 822 horas, mais do que na média dos países da OCDE (799 horas).

Se a esse número de horas acrescentarmos o tempo previsto de ensino obrigatório, a carga horária chega às 1039 horas. No terceiro ciclo, a discrepância inverte-se. O tempo de ensino anual obrigatório em Portugal era, à data do estudo, de 892 horas, contra as 919 registadas, em média, nos países da OCDE.

Razões que levaram David Justino, então presidente do Conselho Nacional de Educação, a sublinhar, na introdução do estudo, que havia “algum desequilíbrio na distribuição dos tempos letivos, com uma carga excessiva [em comparação com os restantes países] nos primeiros ciclos de escolaridade e deficitária nos ciclos seguintes”. O ex-responsável do CNE salientava ainda que “mais tempo escolar não significa melhor tempo escolar”. E deixava um alerta: “Mesmo que a ideia de ‘escola a tempo inteiro’ possa corresponder a uma necessidade social a que a escola não poderá ficar indiferente, tal não pode transformar-se em ‘sala de aula a tempo inteiro’”.

A necessidade social é uma das nuances a considerar na discussão. Com os pais tantas vezes sobrecarregados com horários laborais que se estendem de manhã à noite, a garantia de que os filhos podem ficar na escola – em segurança, pressupõe-se – desde que o sol nasce até que se põe é mais um suspiro de alívio do que propriamente um motivo de preocupação. Mas depois há o outro lado. O facto de a sobrecarga horária poder ser contraproducente. E não só no que aos resultados escolares diz respeito. Pode bloquear a liberdade inerente a um são desenvolvimento. E a criatividade. E o espírito crítico. Ainda mais se o horário escolar se concentrar em exclusivo em atividades essencialmente intelectuais.

“É óbvio que isto acontece porque a sociedade foi pedindo uma resposta. Mas a verdade é que, tendo em conta os métodos e os currículos que temos, há aulas a mais. Passa-se demasiado tempo na sala de aula. Isso é algo que nos inquieta e desassossega”, admite Jorge Ascenção, presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP).

Já Filinto Lima, líder da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), considera haver um “período de tempo estruturado”, tendo em conta as aprendizagens necessárias, mas assume que a ANDAEP aceita “que o desenho curricular possa ser discutido, quer em termos de disciplinas, quer em termos do número de horas”. Sobretudo no que ao Ensino Básico diz respeito.

Excesso e pressão
José Precioso, do Centro de Investigação e Estudos da Criança, vai mais longe. “Não tenho a menor dúvida de que os alunos passam demasiado tempo na escola. Em tempos fiz um artigo de opinião sobre isso, em que falava em exploração do trabalho infantil. Não é um trabalho infantil literal, mas os alunos passam aproximadamente 35 horas por semana na escola, executando tarefas predominantemente intelectuais.

Não admira que sejam dos que mais se sentem pressionados pela escola”, aponta o docente no Instituto de Educação da Universidade do Minho, que, além dos “programas extensíssimos”, censura os “horários muito concentrados”. “Das 8.30 às 13.30 horas? É o equivalente a três jogos de futebol. Sendo que, neste caso, são 90 minutos sem intervalo. Todo este tempo é muito comprimido”, advoga.

Inês Afonso Marques, psicóloga clínica e coordenadora da área infantojuvenil da Oficina de Psicologia, também deixa críticas à sobrecarga horária. “É verdade que há famílias que não têm outra opção, mas, de base, a escola nunca deveria roubar aos alunos tempo de qualidade. Há crianças que conseguem ter uma agenda mais pesada do que os adultos. Isso é roubar-lhes liberdade para serem crianças”, constata a especialista, frisando o papel da motivação no sucesso escolar. “Se o tempo na escola é de alegria e liberdade, isso vai fomentar uma relação positiva.”

Inês Afonso Marques avança, por isso, com algumas soluções que podem fazer a diferença. “Há um tema muito sensível, que tem a ver com a questão dos intervalos. Há estudos internacionais que mostram que escolas que aumentaram o tempo de recreio conseguiram melhores resultados. Há professores que, por castigo, retiram o direito ao recreio às crianças. Isto é de uma agressividade brutal e não tem o efeito pretendido”, argumenta.

Depois, há outra questão: o facto de a quase totalidade do horário escolar ser passado dentro da sala de aulas, “num estilo de tarefas muito formatado”. “Isso não faz sentido. É importante que os alunos estejam envolvidos em tarefas de natureza diferente, que tenham a possibilidade de experimentar, de serem ativos. E que se aposte na questão do ar livre”, enfatiza. Também José Precioso reforça a importância da “dimensão psicomotora”.

“Às vezes parece que a escola perdeu a noção da importância do saber fazer. É uma escola obesogénica [que propicia a obesidade]. Porque é muito centrada na atividade intelectual e os miúdos acabam por estar quase sempre sentados.”

Ministro destaca atividades complementares
A questão tem sido tida em conta pelo Ministério da Educação. “Do ponto de vista educativo, a questão principal é como se utiliza o tempo e não o tempo que se passa, em absoluto, nas escolas.

Do ponto de vista social, é importante o sistema ir gradualmente criando condições para os estudantes terem atividades pedagógicas complementares, científicas, desportivas e recreativas, entre outras, ao longo do dia, complementando a componente curricular obrigatória”, defende o ministro Tiago Brandão Rodrigues, em declarações à “Notícias Magazine”.

Tanto que, garante a tutela, o novo enquadramento publicado em 2018 procurou ter uma visão ampla da educação das crianças e jovens, colocando as áreas das artes, do desporto, das tecnologias e da cidadania no mesmo plano das áreas disciplinares como a matemática, o português ou as ciências.

Por outro lado, reforça o Ministério, tentou-se criar um quadro de muito maior autonomia e flexibilidade para as escolas, tendo em conta os seus contextos, para poderem trabalhar o currículo de forma mais criativa e diversificada, incluindo espaços interdisciplinares, atividades experimentais, trabalho de projeto, visitas de estudo, entre outros.
Jorge Ascenção, presidente da CONFAP, realça ainda a importância de trabalhar outras nuances.

“É preciso maior diversificação, intervalos maiores, tempos menores. É preciso diminuir o tempo de sala de aula e estimular o espírito crítico. Precisamos de repensar os currículos e reforçar a autonomia. E devia haver mais tarefas manuais, por exemplo. Era importante começar a trabalhar menos no livro e mais na criatividade. É preciso uma desordem em que o orientador consiga criar ordem. Estou convencido de que isso traria menos indisciplina e melhores resultados.”