Pólipos, hemorragias, dores. A saúde feminina não é só assunto de mulheres

Os estudos indicam que 62% das mulheres portuguesas referem não ter tempo para saber como se podem manter saudáveis e cerca de 90% das decisões sobre os cuidados de saúde familiares são tomadas ou influenciadas por mulheres. Mas tratar da sua própria saúde acaba por não ser uma prioridade. A família e o trabalho passam para primeiro lugar, a saúde acaba por assumir um papel secundário. E não se deve brincar com a saúde feminina.

Há doenças do foro ginecológico que podem comprometer a fertilidade e os sintomas não podem ser ignorados. A campanha “Mulheres Como Eu”, lançada pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), pretende sensibilizar a população portuguesa para as doenças do foro ginecológico. “Ao estar presente em mais de duas mil farmácias portuguesas, da rede de farmácias da Associação Nacional das Farmácias, queremos chegar mais perto do público, mulheres, maridos, filhos, para que estejam informados e atentos”, adianta a ginecologista Teresa Mascarenhas, presidente Sociedade Portuguesa de Ginecologia, coordenadora de Uroginecologia do Hospital de São João, no Porto, coordenadora da equipa de Ginecologia e Obstetrícia do Instituto CUF Diagnóstico e Tratamento do Porto.

“Socialmente, a mulher tem a tendência de cuidar dos outros – dos filhos, da família – descuidando, por vezes, a sua própria saúde. A informação pode salvar vidas porque sensibiliza para a prevenção através de rastreios”, acrescenta a especialista e também professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. A campanha pretende contrariar a noção de que a saúde da mulher não é importante e evitar que pesquisas de informação na internet revelem informações erradas ou pouco precisas. E disponibiliza informações sobre cinco patologias: endometriose, miomas uterinos, pólipos, hemorragias uterinas anormais e cancro uterino (cancro do colo do útero e cancro do endométrio). Algumas destas doenças podem afetar o sistema reprodutor feminino e a fertilidade.

“A SPG pretende dar mais poder às mulheres, para que estejam melhor informadas e procurem o médico mais cedo, pois diagnósticos mais atempados podem significar tratamentos efetuados mais cedo e acesso a terapêuticas minimamente invasivas que em fases tardias da doença não fariam sentido”, sublinha Teresa Mascarenhas.

endometriose, miomas uterinos, pólipos, hemorragias uterinas anormais e cancro uterino são cinco patologias abordadas na campanha

Os pólipos endometriais, que podem ser únicos ou múltiplos e variam no tamanho, são uma patologia relativamente frequente. Os pólipos podem até não provocar sintomas e estão normalmente associados a hemorragias uterinas fora da menstruação ou a menstruações muito abundantes. “Estas hemorragias podem ter um impacto negativo na qualidade de vida da mulher, sobretudo quando frequentes ou abundantes ao impor constrangimentos ao exercício das suas atividades profissionais e relacionais e, em última instância, por poderem provocar anemia por falta de ferro”, avisa Margarida Martinho, ginecologista, secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), responsável da Unidade de Endoscopia do Centro Hospitalar de São João, no Porto.

Os pólipos podem interferir na fertilidade da mulher, sobretudo se forem volumosos. A maioria é de natureza benigna. “A probabilidade de ter um pólipo e o risco de que possa ser maligno sobem com a idade e com a presença de hemorragia uterina anormal. Uma mulher com hemorragias após a menopausa deve recorrer com brevidade a uma consulta de ginecologia”, refere a especialista.

A ecografia ginecológica dá grandes certezas, mas apenas depois da realização de uma histeroscopia, exame que permite visualizar diretamente a cavidade uterina como acontece numa endoscopia ao estômago, se tem a confirmação no diagnóstico. O tratamento aconselhado é retirar cirurgicamente o pólipo. Dependendo do tamanho e da localização, assim como da tolerância da paciente, a cirurgia pode ser feita com ou sem anestesia geral.

“Nas mulheres mais jovens, sem sintomas e com pólipos menores que um centímetro, podemos ter uma atitude mais conservadora e manter a vigilância porque em cerca de 25% dos casos podem desaparecer. A polipectomia histeroscópica está indicada nas mulheres com sintomas, pós-menopausicas e com infertilidade.”

O risco dos pólipos voltarem a surgir, depois da cirurgia, é variável, mas pode ir até 46%.

“Nas mulheres com maior risco de novos pólipos e, sobretudo, nas que referem menstruações abundantes podem ser considerados tratamentos hormonais, nomeadamente a colocação de sistemas intrauterinos com hormonas.” De qualquer forma, estas opções terapêuticas devem ser consideradas e discutidas de forma individualizada com cada mulher.

Além dos pólipos, há a endometriose, uma doença crónica e benigna que se caracteriza pelo crescimento de tecido endometrial, aquele que reveste a cavidade uterina, fora do seu local habitual. Fátima Faustino, ginecologista, coordenadora da Unidade de Ginecologia e Obstetrícia e do Centro de Tratamento da Endometriose do Hospital Lusíadas, em Lisboa, explica que estes focos colonizam a cavidade abdominal e os órgãos vizinhos. “Sempre que ocorre a menstruação existe sangramento não só dentro do útero como também nestas zonas, o que vai provocar uma reação inflamatória crónica que, por sua vez, vai produzir aderências nos órgãos e o crescimento de tumores que, apesar de benignos, trazem grande transtorno como dor e, em muitos casos, infertilidade”, sublinha.

A endometriose afeta aproximadamente 10% das mulheres em idade reprodutiva, entre 21 a 40% das mulheres com infertilidade, e de 70 a 90% das mulheres com dor pélvica crónica. Os sintomas mais frequentes incluem a dor menstrual, dor nas relações sexuais, dor retal e desconforto na bexiga. Esta sintomatologia dolorosa pode afetar significativamente a qualidade de vida da mulher. “Alguns casos de infeções urinárias de repetição com uroculturas negativas e síndromes de cólon irritável de agravamento progressivo podem estar relacionados com situações de endometriose urinária e intestinal não diagnosticadas. Apesar da dor ser a queixa mais frequente, nem sempre a intensidade da mesma se correlaciona com a gravidade da doença. Muitas vezes, é a infertilidade que motiva a procura do diagnóstico”, adianta Fátima Faustino, vice-presidente da SPG.

Como doença crónica, a maioria das mulheres diagnosticadas com endometriose beneficia de um tratamento médico que lhes proporciona um alívio da dor e um possível controlo na progressão da doença. Os fármacos que melhor controlam a sintomatologia dolorosa são os que inibem a menstruação como as pílulas contracetivas e os progestativos tomados de forma contínua. No tratamento da dor associada à endometriose são também usados fármacos anti-inflamatórios e analgésicos. O tratamento médico hormonal não está indicado nas mulheres que desejam engravidar.

A idade, a extensão e gravidade da doença, o desejo de engravidar e as dores são essenciais para definir o tratamento

As possibilidades de sucesso e riscos devem ser conversadas abertamente. O tratamento cirúrgico da endometriose está particularmente indicado nas mulheres que associam dor pélvica intensa e infertilidade. “Nem sempre a intensidade da dor é proporcional à gravidade das lesões. Nos casos assintomáticos, a indicação para cirurgia dependerá da disseminação da doença aos órgãos vizinhos. Também nas situações de infertilidade associada, em que é necessário recorrer a técnicas de procriação medicamente assistida, parecem verificar-se melhores resultados se a doente foi previamente submetida a uma cirurgia que restaure a anatomia pélvica”, refere a ginecologista.

A cirurgia faz a excisão das lesões e a reposição da anatomia pélvica. Nas mulheres jovens que querem engravidar, opta-se por uma cirurgia que conserve a integridade do útero, ovários e trompas. Para isso, realça Fátima Faustino, “a abordagem deverá ser, sempre que possível, por via laparoscópica, por ser minimamente invasiva, permitir uma melhor visão e acesso ao espaço pélvico e reduzir a incidência de novas aderências.”