Peruca: fios de beleza, estatuto e autoestima

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens

São longínquas as origens das perucas. Diz a História que as primeiras remontam ao Antigo Egito (3100 a.C. – 30 a.C.), onde o sol inclemente da região impedia os locais de manterem os penteados naturais firmes e esbeltos durante muito tempo. A solução, a dada altura, foi radical e os egípcios em massa decidiram que o melhor seria rapar as cabeças pelo todo, tanto homens como mulheres.

Como estatuto era coisa para se manter, o povo ficou-se pelas cabeleiras feitas de pelo de cavalo ou de boi, enquanto para as classes mais altas estavam reservadas as feitas com cabelo humano. Foi o ponto de partida para que as perucas se tornassem um diferenciador social ao longo dos séculos. As mais elaboradas e de material mais fino sempre e apenas reservadas aos nobres, as menos cuidadas para a base da sociedade.

Na França absolutista do século XVII as perucas cavaram ainda mais o fosso entre ricos e pobres, a realeza e o povo. Para os nobres estavam garantidas as manufaturadas pelos peruqueiros, profissão então considerada de elite a quem estava reservado papel de relevo. Reza a lenda que o rei Luís XIII (1601–1643), começando a ver-se careca ainda novo, ordenou que lhe fizessem perucas com os materiais mais finos e as ornamentações mais elaboradas, que lhe dessem aspeto composto e de excelência.

A conceção francesa da utilização das perucas também chegou a Portugal. Muitos foram os reis que as adotaram, como o podem comprovar os quadros que os pintaram para a eternidade. Após a Restauração da Independência que colocou ponto final a 60 anos de domínio espanhol, a 1 de dezembro de 1640, os monarcas portugueses passaram a adotar a peruca como quase adorno oficial. A moda começou com D. João IV, prosseguiu com D. Afonso VI e continuou com D. Pedro II, D. João V e José I. Até D. Maria I, a rainha que se seguiu e que ficou conhecida pela loucura e pelo catolicismo levado ao extremo, teve como imagem de marca as vistosas cabeleiras que ostentava.

Outra nação histórica que colocou as perucas na ordem do dia foi o Reino Unido. Desde o século XVI que se tornaram obrigatórias em reis e outros nobres, além de figurarem na imagem de juízes e, até, de deputados. Aliás, hoje em dia continuam a ser usadas pelos membros da Câmara dos Lordes, espécie de senado do reino, nomeadamente em cerimónias oficiais que exigem mais pompa. Foram introduzidas por Charles II, em 1660, depois, precisamente, de o rei ter regressado de França, onde se exilara durante a Guerra Civil inglesa. Chegaram a ter tanto sucesso entre a população que os portadores eram obrigados a pagar um imposto de utilização.

Nos últimos três séculos, porém, as perucas perderam admiradores, nomeadamente nos estratos mais altos. Tornaram-se mais acessíveis a todas as camadas da população e vão, sobretudo, servindo aqueles a quem o cabelo vai faltando.

As perucas são, atualmente, muito procuradas por pessoas que atravessam processos oncológicos e cujos cabelos caíram em virtude dos programas de quimioterapia a que estão sujeitas. Há-as de variadas formas e feitios, para que se assemelhem o mais possível a cabelo natural. Um importante conforto para quem está a lutar pela vida.

Resistir ao passado

O estabelecimento do país que mais tempo resistiu ininterruptamente a fazer cabeleiras foi o Cardoso Cabeleireiro, no Porto. Esta loja permaneceu aberta na Rua do Bonjardim desde 1906 até há três anos, altura em que encerrou aquando da compra do histórico edifício onde sempre funcionou por um grupo imobiliário. No entanto, há ainda quem resista e não deixe morrer a arte. Como Miguel Teixeira – Cabeleiras, também no Porto, onde as perucas continuam a ser feitas à mão.