Pequenos nadas para grandes talentos

Diogo Maia, bailarino, 19 anos (Foto: Silvanoballone)

Texto de Sara Dias Oliveira

Um músico fala da sua arte, responde a perguntas e dúvidas, por mais estranhas que sejam, explica uma peça ao pormenor e executa-a na despedida. Às quatro da tarde dos penúltimos domingos do mês, de novembro a maio, no Teatro Miguel Franco, em Leiria, há palestras musicais.

Uma ideia de Mickael Faustino que deu asas a um projeto que mostra que a música clássica não é um mundo fechado e complexo. “Gostava de mudar o pensamento e o gosto das pessoas em relação à música clássica e mostrar o que a música e a cultura podem fazer num país”, conta à “Notícias Magazine”. O maestro António Victorino de Almeida foi o último convidado, juntou 150 pessoas na sala.

Mickael Faustino toca trompa, é professor, tem 28 anos. Nasceu em Cortes, pequena freguesia de Leiria, e o gosto pela música deu de si a ver a banda da terra em ação. Ainda experimentou saxofone, não tinha jeito, tentou a trompa, acertou. “Quando se gosta, quando se acorda de manhã com vontade de estudar e de tocar, tudo é feito com grande paixão.”

Começou a estudar trompa com 15 anos, lá em casa teve de convencer que o seu amor estava todo ali, chegou a baixar as notas na escola para provar a imensa vontade de aplicar a sua inteligência no meio musical. Conseguiu. Estudou em Viana do Castelo, no Porto, na Alemanha, e voltou. Tem tocado em algumas das mais reputadas orquestras de jovens do Mundo, nas principais salas portuguesas e em várias partes do planeta, como África do Sul, Líbano, Áustria, Itália, República Checa, Holanda, Suíça, Dinamarca, entre outros países. Toca regularmente, como convidado, na Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música e na Orquestra Metropolitana de Lisboa.

No ano passado, cumpriu o sonho de tocar com Rui Veloso, acaba de gravar um disco em quarteto e quinteto nos Estados Unidos, em setembro vai apresentar a segunda temporada das palestras musicais com Fernando Alvim aos comandos da cerimónia.

Estes passos foram acompanhados pela Meritis, associação que ajuda jovens talentos que sabem aproveitar capacidades e oportunidades no desporto, nas artes, na cultura. Mickael Faustino procurava ajuda para continuar a estudar música em Leipzig, na Alemanha. Andava às voltas com empréstimos bancários, contactou a Meritis, e o apoio não foi temporário, permanece até hoje, para o que for preciso.

“Tem-me auxiliado em tantas coisas, viagens para ir a audições, descontos e a possibilidade de ir pagando bilhetes de avião, a oportunidade de tocar um tema com Rui Veloso, ajuda em contactos. Às vezes, é a partilha de uma ideia, tirar uma dúvida, pedir um conselho. É uma palavra amiga ou o orgulho que mostra no que conseguimos e isso dá-nos uma motivação extra.” Entrou na Meritis há quase cinco anos.

Mickael Faustino, músico, 28 anos (Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Cinturão negro de olho no pódio mundial

A Meritis não olha ao estrato social, ao IRS do agregado familiar, à região do país, não estabelece uma faixa etária. Interessa-lhe o talento, o potencial, a persistência, a teimosa vontade de chegar mais longe, aquele inconfundível brilho no olhar. Teresa Silva, cinturão negro, tem tudo isso. É campeã nacional de karaté, tem 21 anos, é do Porto, mora em Valongo, treina em Ermesinde e sonha com um lugar no pódio num campeonato do Mundo. Também é Meritis.

“O meu compromisso é dar sempre o meu melhor, nunca desistir dos meus objetivos, lutar e trabalhar muito para os conquistar.” Na última semana deste mês estará na Croácia, nos Jogos Europeus Universitários, depois de ter sido bicampeã nacional em kumite – 55 kg nos Nacionais Universitários, em Vila Real.

Acabou o curso de Psicologia na Universidade Fernando Pessoa, Porto, seguirá para o mestrado de Psicologia da Justiça, e vai dando aulas de karaté em escolas e infantários e num ginásio a meninos e meninas dos três aos 12 anos. Por estes dias, está a trabalhar em Inglaterra como membro do staff de uma equipa que acompanha um curso de inglês para alunos de vários países. Não pára. “Não é fácil, é uma questão de organizar o tempo, e aproveito os momentos livres para estudar.”

Há 15 anos que o karaté faz parte da sua vida. Aos seis, assistiu a uma aula, ficou de olhos colados naqueles movimentos, pediu à mãe para experimentar, nunca mais largou esse desporto, mesmo depois de passar pela equitação, voleibol, hóquei em patins, natação, surf e hip-hop. Amor à primeira vista. “O karaté agarrou-me mesmo, é muito versátil.”

Aos 15 foi convocada para a seleção de karaté e, desde então, tem sido campeã nacional, com participações em competições internacionais. “Dou passos todos os dias. Cada treino, cada medalha conquistada, cada derrota é mais um passo para alcançar os meus objetivos.” Um dia de cada vez e aquele sonho de ser a melhor do Mundo no karaté.

Este ano, na pesquisa de apoios, um amigo do pai falou-lhe na Meritis, contactou a associação, correu bem. No karaté, tem quase tudo às costas. “A Meritis tem-me apoiado no equipamento, nos suplementos, nas viagens para as competições.” Não é um apoio a 100%, mas qualquer percentagem é bem-vinda na ajuda de toda uma logística que tem de sair do próprio bolso. “É muito complicado e durante muitos anos os meus pais fizeram sacrifícios.”

Teresa Silva, karateca, 21 anos (Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Dançar pelo prazer e poder da arte

Aos 14 anos, Diogo Maia estava a estudar dança no Conservatório de Lisboa, a mãe leu uma entrevista de uma bailarina que tinha apoio da mesma associação, e não perdeu tempo. “Estávamos com alguns problemas financeiros e precisávamos de toda a ajuda possível”, recorda. Vivia com uma família de acolhimento, depois em residências de freiras.

O seu percurso convenceu a Meritis que, a partir daí, o ajudou no passe social, nos transportes na capital, nas viagens para o Porto, no regresso à cidade onde estudava. “É uma grande ajuda, ainda hoje, com todas as viagens que faço. Faz uma grande diferença no fim de um mês, no fim de um ano.”

Aos 17 anos, decidiu aprender dança em Hamburgo, na Alemanha, foi a uma audição, a Meritis assistiu-o nessa etapa, na viagem e na estadia. Foi aprovado, ficou, e hoje, aos 19, continua em Hamburgo, a aprender e a dançar no arranque da sua carreira na escola de bailado e na companhia dirigidas pelo coreógrafo americano John Neumeier.

Diogo Maia nasceu no Porto, foi viver para Vila Nova de Gaia, no 4.º ano começou a aprender flauta transversal. Chegado ao 5.º, entrou no ensino integrado na Academia de Música de Vilar de Paraíso e havia vagas para rapazes na dança. “Fui o único e entrei.” Tinha ballet, dança criativa, dança contemporânea, danças tradicionais, e continuava na flauta transversal. “Conseguia articular os dois horários, depois tornou-se complicado, com horários mais intensos, mais difíceis de conciliar.”

Escolheu a dança, passou por uma escola em Serzedo, pelo Centro de Dança do Porto, pela Escola de Dança do Conservatório Nacional, a seguir Alemanha. Cá e lá tem pisado vários palcos, já foi o príncipe de A Bela Adormecida e vestiu a pele de diversas personagens em performances da Escola de Bailado de Hamburgo. Houve um tempo em que sonhava ir para os Estados Unidos, agora ambiciona ficar na Europa.

“Ficaria muito feliz se fosse feliz numa companhia de bailado pelo prazer que a arte dá.” Dançar é a sua vida. “É muito gratificante. Dançar é viver uma personagem, estar numa outra realidade com movimento. Um bailarino não é só uma pessoa que se move, estar em palco é transmitir uma ideia, uma mensagem, e saber como fazê-lo.”

Medir forças com as melhores da Europa

Milana Ivantsiv, 12 anos, tenista (Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Milana Ivantsiv tem 12 anos, é tricampeã nacional de ténis, a primeira vez que subiu ao pódio tinha oito. Aos cinco anos e quatro meses pegou numa raquete e sentiu-se como peixe na água. Filha de pais ucranianos – o pai foi jogador de futebol, a mãe praticou voleibol -, nasceu em Portugal, mora em Oeiras, e surpreende na sua modalidade, que pratica na Parede. É uma das mais recentes apostas da Meritis.

“O meu objetivo é chegar ao topo, aos Grand Slams, conseguir ganhar, e ser top 5 mundial”, confessa. Milana não se cansa de treinar, o próximo torneio deverá ser em França, em setembro. Passou para o 7.º ano e, neste momento, fala apenas de uma profissão. Quer ser treinadora de ténis. “Identifico-me bastante bem com este desporto, sempre gostei muito.”

Há um mês, os pais descobriram que a Meritis existia, contacto feito, encontro e entrevista, conversa agradável, e a entrega de uma lista do que Milana precisa para continuar a destacar-se, para poder participar em dez a 15 torneios por ano. Bolas, equipamento, ajuda nas viagens, alimentação, vitaminas. Andriy Ivantsiv, o pai, ficou satisfeito com o acolhimento, com a visibilidade que a filha tem no site e nas redes sociais da associação.

Milana percebe a importância do apoio. “É muito bom saber que reconhecem que trabalho e que consigo alcançar os meus objetivos. É uma boa oportunidade para o meu futuro, para ir à Europa medir forças com as melhores atletas da minha idade”, diz.

O primeiro esboço da Meritis surgiu nas cabeças dos irmãos Pedro e Nuno Couceiro, que há 20 anos pensavam na formação de jovens capazes de se evidenciarem no desporto automóvel. Lançaram a semente, a árvore foi crescendo, e em 2013 juntaram um grupo de amigos e personalidades de várias áreas da sociedade desportiva, cultural e artística para ajudar jovens talentos, apoiando-os de várias formas, de como for mais conveniente.

Pode ser um contacto, uma verba, um bilhete de comboio, um passe social, uma viagem de avião para uma prova internacional, a estadia num hotel para uma audição. Podem ser contactos com eventuais patrocinadores, conselhos de quem percebe da arte, conversas com artistas de respeito. Aquele impulso que falta e que pode fazer a diferença. O dinheiro não é o mais importante.

“Às vezes, por um pequeno nada, um apoio, um empurrão, perdem-se grandes valores”, realça Pedro Couceiro, com vasta e bem-sucedida carreira no automobilismo. Rui Veloso, Pedro Matos Chaves e Pedro Lima são alguns dos sócios fundadores da Meritis, disponíveis para separar o trigo do joio e evidenciar quem sabe aproveitar capacidades e oportunidades.

O currículo dos candidatos é avaliado por quem tem faro e há conversa para perceber a fibra de quem pede apoio. Neste momento, são quase 30 jovens espalhados pelas artes marciais, ballet, esgrima, ginástica, karting, música, surf, ténis, vela. “Peçam-nos mil coisas e não uma coisa. Pode ser um rolo de papel higiénico ou uma escova de dentes”, adianta o ex-piloto.

O nome da associação, que há um ano se tornou uma entidade de utilidade pública, diz quase tudo. “É uma felicidade poder dedicar parte do meu tempo à Meritis, ajudar os mais novos. Não faz sentido ter uma carreira e depois perguntar qual o legado que deixei. O que fiz? O que deixei?”, diz Pedro Couceiro, que é também embaixador da Unicef. “Tenho uma vida cheia e reuni um grupo de amigos que apoia jovens de mérito, que possam transportar o nome de Portugal no futuro.” É este legado que quer deixar.