Partos positivos: quando a liberdade de escolha é respeitada

Chamam-lhe parto positivo, o que significa tão simplesmente respeitar a natureza e fisiologia do mesmo, salvaguardar os direitos dos casais e aceitar outras escolhas. Pode passar por um trabalho de parto na água e não recorrer a anestesia ou a qualquer outro fármaco. Quem já experimentou voltava a repetir.

Foram pais pela primeira vez depois dos 40 anos. O nascimento da filha de Alice Nazaré e João Reis aconteceu a 8 de julho de 2018. Ana João nasceu após dez horas de um parto pouco convencional.

A mãe tinha uma única preferência durante toda a gravidez: ter a filha num hospital público. Com o passar do tempo, e inspirada por uma amiga que além de médica de medicina geral e familiar também é doula, foi recebendo mais informações sobre o parto sem analgesia, ou seja, sem intervenção de fármacos.

“À partida, o que me iria acontecer seria o normal, ia para o hospital e levaria epidural. Nunca me passou pela cabeça conseguir ter um parto sem anestesia”, refere Alice.

Durante a gestação iniciou aulas de ioga, enquanto procurava um parto mais positivo e um hospital que respeitasse a decisão do casal. Para Alice, era importante algo que parece simples mas que é prática incomum: não ser obrigada a ter um parto deitada numa marquesa e onde fosse possível escolher posições mais confortáveis.

Encontrou a resposta para o que procurava no Centro Hospitalar Póvoa do Varzim, em Vila do Conde, apesar de estar a 70 quilómetros de casa, em Penafiel, onde manteve as consultas de vigilância da gravidez, tanto no hospital da área de residência como no centro de saúde. “Este é o único hospital no Norte que tem uma piscina para auxílio no trabalho de parto, o que acabou por ser decisivo na nossa escolha”, explica.

Cláudia Carvalho é médica de Medicina Geral e Familiar na USF Longara Vida, em Felgueiras, e fez uma formação de doula após ter tomado conhecimento da existência de outras práticas, além das que conhecia, que tornam o parto mais humanizado. Assumida adepta do parto natural, questiona: “Porque é que se deixou de confiar na natureza?”.

Acompanhou o parto de três amigas, um deles domiciliar, os outros dois hospitalares (um natural, o outro por cesariana). “Em todos eles foi dado tempo para que o trabalho de parto acontecesse, a mulher foi ouvida e as suas necessidades atendidas sem julgamentos”, recorda. No seu caso, o primeiro parto acabou em cesariana, mas 21 meses depois não quis repetir a experiência e acabou por ter o filho em casa.

Partilha de experiências positivas
O Positive Birth Movement (PBM) é um movimento internacional, com mais de 450 grupos no mundo, ligados pelas redes sociais, com tópicos mensais definidos pela organização, liderado pela escritora inglesa Milli Hill. O primeiro grupo nacional foi criado em 2016 em Lisboa, através da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto.

Nuno Pires, 37 anos, e Cátia Quintas, 36, foram pais nesse ano, optando também por um parto natural, e por se identificarem com este conceito levaram o PBM para Penafiel em maio do ano passado. Nos encontros mensais dedicados a diferentes temas já participaram para cima de 30 casais ou pessoas a título individual.

“Somos mais uma porta aberta a quem quiser contar a sua experiência. Assumimo-nos como facilitadores e não como profissionais de saúde”, esclarece o casal em relação aos reais objetivos do grupo. Cátia é enfermeira há 14 anos, trabalha há 12 no Serviço de Cardiologia da Unidade de Cuidados Intensivos Cardíacos do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa, também em Penafiel, mas encontra-se neste momento a tirar uma pós-licenciatura e especialização em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia, área que nunca lhe interessou, até ao nascimento da filha Inês.

Mas afinal, o que é isto do parto positivo? Como contornar e aguentar a dor sem qualquer medicação? E se uma mulher sentir essa necessidade, pode mudar a opção durante o trabalho de parto? Estas são algumas das questões que se colocam perante a decisão pela humanização.

“Um parto positivo tem pouco que ver com o tipo de parto em si”, salienta Nuno. “A informação empodera a mulher a fazer escolhas conscientes e informadas, e quando as mesmas são respeitadas dentro do possível, em princípio, teremos um parto positivo, seja ele com ou sem fármacos, ou até com uma cesariana eletiva.”

E a dor?
No que respeita à dor, que acaba por ser um dos aspetos mais assustadores e que protagonizam os maiores medos associados ao parto, existem ferramentas que permitem o alívio da mesma. É o caso da água, aromaterapia, massagens, reflexologia podal, neuroestimulação elétrica transcutânea e vocalização, entre muitas outras técnicas que exigem uma preparação da mulher e do casal durante a gestação, assim como conhecimentos específicos por parte dos profissionais de saúde que vão assistir ao parto.

Cátia define o nascimento da filha como uma “experiência maravilhosa” mas que não foi isenta de dor. No entanto, considera-a como uma das variáveis na enorme equação que é um parto. “É uma ferramenta fundamental na evolução fisiológica do trabalho de parto. É importante que a mulher a aceite como uma aliada, que a vai ajudar a ouvir o seu corpo e o seu bebé. O corpo é sábio e dá-nos as indicações do que temos que fazer.”

A qualquer momento em todo o processo, mesmo que a grávida opte por um parto positivo, pode decidir pelo recurso a medicação. “É importante que as mulheres decidam em consciência. É ainda fundamental que o casal possua informação correta e de qualidade. Se isso acontecer, teremos grávidas e casais que farão prevalecer os seus direitos.”

Alice contou com a ajuda do marido, João, durante todo o trabalho de parto, o que foi essencial para que tudo corresse pelo melhor. “Foi incansável. Nunca me perguntou se eu não achava que estava a sofrer de mais e se não queria tentar a epidural. Na mente dele, seria este o processo”, frisa.

Além de usar a bola de pilates, de levar a sua amiga doula como acompanhante, mediante aviso prévio, e de poder usar a piscina, a filha Ana João nasceu sem o recurso a fármacos. “Não levei pontos e nem tomei paracetamol no pós-parto”, explica a mãe. Tudo o que o casal havia definido no plano de parto foi respeitado.

Cláudia Carvalho reforça o discurso enraizado na sociedade e na própria comunidade médica “de que não vale a pena sofrer”. Ela própria, enquanto profissional de saúde, mas também mãe, defende que “a dor é uma sensação que pode existir no momento do parto mas não implica sofrimento. O corpo está preparado”.

Alice e João querem ter mais filhos e, se uma nova gravidez acontecer, têm uma certeza: irão optar novamente pelo parto positivo. Para quem ainda tem dúvidas, a médica Cláudia Carvalho reforça a segurança: “É a opção que há milhares de anos a natureza aperfeiçoou e, por vezes, a institucionalização fez esquecer. Experiências positivas trazem ao mundo pais e bebés felizes”.

Por onde começar?

1. Informe-se no hospital da sua área de residência sobre o plano de parto.

2. Caso queira optar por um parto natural sem analgesia química e com o recurso a outras técnicas e estratégias, procure profissionais ou locais que permitam preparar-se para tal com a devida antecedência.

3. Os encontros mensais do Positive Birth Movement são gratuitos, pressupõem inscrição e acontecem em Oeiras, Lisboa, Penafiel, Loulé e Cascais. Está a ser criado neste momento o grupo de Sintra. Para mais informações, aceda a pbmpenafiel, pbmoeiras e positivebirthmovementportugal.