Os portugueses que trabalham nos bastidores do Parlamento Europeu

Texto de Filomena Abreu | Fotos de Igor Martins/Global Imagens

Assim que o relógio do hemiciclo marcou as 12.30 horas (11.30 em Lisboa) a resolução foi aprovada. 439 votos a favor, 104 contra e 88 abstenções. Dois minutos depois o comunicado de Isabel Teixeira Nadkarni chegava ao e-mail de muitos jornalistas portugueses: “Venezuela: Parlamento Europeu reconhece Juan Guaidó como presidente interino”.

Era expectável que os eurodeputados, reunidos em Bruxelas, Bélgica, aprovassem a resolução, em que manifestariam total apoio ao roteiro defendido pelo autoproclamado presidente que tenta destituir Nicolás Maduro e convocar eleições presidenciais livres. Antes de escrever esta missiva, Isabel enviou outras. Nomeadamente sobre o Brexit, o assunto que veio demonstrar que a União Europeia não é um projeto irrevogável.

Quando faltam pouco mais de cem dias para as eleições europeias, os corredores do Parlamento Europeu fervilham. Isabel, 42 anos, portuguesa, a trabalhar no Serviço de Imprensa do Parlamento Europeu desde 2005, é uma das peças fundamentais que se move nos bastidores de uma casa que ainda tem 28 países como estrelas. A assessora nunca trabalhou tanto.

Além de acompanhar as comissões parlamentares, de estar presente nas sessões plenárias e de escrever os comunicados de imprensa, está ainda a preparar um dossiê sobre as eleições, com toda a informação que os jornalistas possam precisar sobre os candidatos, as sondagens que vão sendo feitas, o local onde os resultados poderão ser consultados, etc. E o que é que isto lhe interessa a si? Tudo. Essa dinâmica está pensada para que a informação chegue aos cidadãos. Com rigor e transparência.

“Não entramos em questões partidárias, não puxamos por grupos políticos, nem por eurodeputados específicos.” Uma atitude imparcial que dá aos assessores como Isabel credibilidade. “Quando os jornalistas querem a posição de um grupo político contactam os assessores dos respetivos deputados. Quando nos perguntam alguma coisa a nós é porque querem informação específica e imparcial.” Que chega aos portugueses pelos jornais, pela rádio, pela televisão. Notícias que interessam já que todo o nosso quotidiano é tocado pela União Europeia.

Uma presença que se vê nas nossas vilas, cidades e regiões. De norte a sul do país, e que não esquece o interior nem as ilhas. Um braço que abarca projetos e obras diversos que fazem muito pelos cidadãos. É o caso do túnel da autoestrada do Marão, do Centro Materno-Infantil do Norte. Da recuperação das Aldeias de Portugal. Da construção de um novo polo da Universidade Nova, em Carcavelos. Da requalificação do porto de Porto Santo, na Madeira. Mais. Afeta outras dimensões do dia-a-dia. Empregos, famílias, saúde, viagens, segurança e direitos sociais.

Poderá haver quem não se lembre, recorda Rafaella de Marte, chefe da Unidade dos Media no Parlamento Europeu, que já vivemos numa Europa onde era cada um por si. Havia fronteiras, diversas moedas, regras e regulamentos específicos de cada país. Hoje já não é tanto assim. Porém, o que foi conquistado não pode ser tido como um dado adquirido.

“Estamos a trabalhar arduamente para estas eleições europeias, que provavelmente são ainda mais importantes do que no passado, já que os estados enfrentam novos desafios. Toda a Europa enfrenta. O Brexit veio afetar a forma com se perceciona o projeto europeu.” O que tem suscitado “um debate público mais polarizado e, ao mesmo tempo, um comprometimento maior com a UE”.

De acordo com o Parlómetro de 2018 – um inquérito consagrado à perceção que os europeus têm do PE – os europeus valorizam cada vez mais a União Europeia e o trabalho que é feito pelos eurodeputados. No entanto, há uma distância enorme entre esse apoio silencioso e o ato efetivo de votar. Os portugueses alinham nessa tendência. Nas últimas eleições europeias a abstenção aumentou exponencialmente em todo o território português. Ficou situada nos 66,2%.

Esse é o problema que a Europa quer combater. Para isso, conta Rafaella, o PE empenhou todos os meios de que dispõe. A comunicação social é uma delas. “Individualmente, como instituição, não conseguimos chegar a 500 milhões de pessoas. Além disso, os jornalistas têm uma credibilidade junto das populações que nós não conseguimos ter. E é importante que as pessoas percebam que a Europa não pode ficar apenas nas mãos das instituições e dos políticos.”

Outra grande arma chama-se “Desta vez eu voto.EU”. Uma plataforma online que mais não é do que uma comunidade de apoiantes para incentivar a uma maior taxa de participação nas urnas. O objetivo não é influenciar o voto, mas defender o ato de votar e de participar no processo democrático, de forma consciente e plenamente informado.

Claro que as redes sociais tinham de ter um papel preponderante na estratégia. Transmitir os plenários em direto, via Facebook, ou mesmo as votações, como foi o caso da resolução da Venezuela de que se falava no início, tem dado frutos. Quem o confirma é Karolina Wozniak, coordenadora das redes sociais do PE. Este, que é um dos departamentos mais criativos da estrutura, tem feito de tudo para aproximar o PE de todos os públicos, principalmente dos mais jovens, os maiores utilizadores das redes sociais. E fá-lo nas 24 línguas faladas dentro do espaço europeu.

Usam o Facebook, o Twitter, o Instagram, o Snapchat, o Flickr e todas as outras plataformas. Mesmo as mais pequenas. Os resultados veem-se todos os dias, nota Karolina. “Chegam-nos cada vez mais perguntas sobre o funcionamento do PE, de como se podem fazer estágios na instituição, quais os projetos pensados para determinada região…” O poder dessa interação levou a uma decisão: “Colocar um grande número de recursos a responder a essas questões”.

Porém, há sempre quem precise de ver para crer. Se as dúvidas sobre o PE vierem de portugueses, uma das soluções é chamar António Vale, o responsável pelas visitas ao edifício nesse idioma. O seu dia divide-se entre o trabalho administrativo e as visitas. Sempre gratuitas. “Muitos são convidados pelos eurodeputados. Cada um tem uma quota de 110 pessoas por ano. E por norma convidam muita gente e grupos variados.”

Mas qualquer pessoa pode visitar o PE. António apresenta-lhes as instalações. Conta-lhes como funciona e qual a sua importância. Uma delas é clara. “Pôr as pessoas em contacto com o Parlamento, na língua delas, precisamente para que entendam a importância que tudo isto pode ter na vida delas, já que escolhem diretamente os eurodeputados.”

Francisco Falcão, chefe de unidade portuguesa da Direção-Geral de Interpretação de Conferências do PE, conhece-os bem. Ossos do ofício. Além de gerir a sua equipa também faz traduções simultâneas. Ao Português, junta o Francês, o Inglês, o Alemão, o Espanhol, o Holandês e o Sueco. Quase todos os dias, da cabine 9, onde está com mais dois colegas, traduz, com exatidão e emoção, tudo o que é falado nas reuniões. Para benefício dos deputados, dos jornalistas, das visitas que acompanham da tribuna e também para os que seguem as atividades online.

Seguir de perto o esforço de mais de sete centenas de vozes, que tentam chegar a um entendimento que vise o bem comum, tem as suas vantagens. Há tempos mostraram-lhe uma fotografia de um telemóvel acompanhado de uma lista com toda a legislação de um equipamento que quase todos temos. Foi a intervenção do Parlamento que permitiu a extinção do roaming e o fim das práticas abusivas de determinadas empresas. “Isto acontece com os telemóveis e com tantas outras coisas do nosso quotidiano. As pessoas veem o PE como algo distante, mas muitas das decisões que são tomadas aqui afetam a vida dos cidadãos. Daí a importância de votar.”

Em Portugal, a escolha dos 21 deputados portugueses com assento no PE acontecerá a 26 de maio. Serão as primeiras eleições europeias sem o Reino Unido. E, por isso, o número total de representantes será reduzido de 751 para 705. Há uma Democracia para defender, vários focos de populismo para travar e não se olham a meios para combater a abstenção, porque a Europa quer ganhar as eleições.