Os pais devem estudar com os filhos: sim ou não?

Texto de Sofia Teixeira | Ilustração de Sérigio Condeço/WHO

Andreia Reis senta-se algumas vezes por semana ao lado de Tomás, de 6 anos, para supervisionar os trabalhos de casa. Tomás ainda tem poucos trabalhos e a mãe costuma deixar que ele escolha quando quer fazê-los, tentando apenas que não adie demasiado.

O pequeno é despachado e a mãe acompanha-o lendo o que é solicitado e pedindo uma correção aqui e outra ali, sobretudo para o incentivar a melhorar a letra. O filho entrou no primeiro ciclo e a única dificuldade que Andreia lhe deteta é a de conseguir ficar sentado.

“Sempre tive uma imagem muito idílica do início da escola, dele a fazer os trabalhos comigo ao pé e tudo a correr muito bem. Mas a verdade é que às vezes eu própria fico impaciente, porque ele está sempre a querer levantar-se, não se concentra, arranja mil e uma desculpas para dispersar a atenção.”

O apoio que é necessário ou desejável por parte dos pais no que respeita ao estudo tem uma relação direta com a idade e com a maturidade

Até ver, e apesar da agitação na altura de fazer os trabalhos, o filho está a sair-se bem. A mãe gosta de puxar por ele de forma lúdica: “Sentamo-nos à mesa e leio um livro com ele, fazemos jogos de palavras, brincamos com os números, fazemos contas de cabeça. Acho que isso vale mais do que estar sentado a escrever ‘P’ e ‘L’ vezes sem conta.”

O apoio que é necessário ou desejável por parte dos pais no que respeita ao estudo tem uma relação direta com a idade e com a maturidade: a autonomia na realização de qualquer tarefa é um processo gradual que, de início, tem de ser ensinado e treinado.

“Tal como uma criança não aprende a arrumar o quarto se não for ensinada e ajudada, o mesmo acontece com o estudar”, defende Magda Gomes Dias, formadora certificada na área da inteligência emocional, educação positiva e coaching e conhecida pelo blogue Mum’s the Boss.

Há quem chame os pais-helicópteros, aqueles que estão sempre a girar em torno dos miúdos e que frequentemente, acabam por lhes comprometer a capacidade de ser autónomos.

“É natural que quando a criança começa a escola ainda não saiba como fazer isso, pelo que é importante ajuda, de forma a criar bases de estudo, organização e disciplina.” Ou seja: ajudar nos estudos faz sentido antes de lhes ensinarmos estas competências, mas também é importante perceber quando é altura de parar. “Quando as competências estão apreendidas, devemos assumir que é responsabilidade deles”, explica a coach.

Como em quase todos os temas que envolvem a educação dos filhos, há alguns extremos. Num deles, os pais que chegam a casa e veem todos os dias com os miúdos o que eles deram na escola, vigiam os TPC, ajudam a fazer trabalhos que contam para a nota e estudam com eles para os testes.

A estes, há quem chame os pais-helicópteros, aqueles que estão sempre a girar em torno dos miúdos e que frequentemente, com a melhor das intenções, acabam por lhes comprometer a capacidade de ser autónomos.

Por outro lado, há os que se distanciam e declaram: “Eu já fiz a escola, agora esse é o teu trabalho, eu também tenho o meu.” E a estes há quem chame desleixados e os responsabilize pelo insucesso dos miúdos.

Como aconselha o bom senso, é no meio-termo que está a virtude: não é benéfico assumir as responsabilidades deles, mas é importante acompanhar, perceber as dificuldades e motivar.

“Todo o apoio deve ser pensado para não pecar por excesso, o que provoca um alhear dos alunos no processo porque há sempre alguém a ajudar, nem por défice, fazendo o estudante sentir-se desamparado”, defende Renato Paiva, diretor da Clínica da Educação e da Academia de Alto Rendimento Escolar WOWSTUDY, autor de vários livros sobre o estudo dos mais novos. Ainda assim, o autor defende que estudar com eles ou ajudar a fazer os TPC, passada a fase de adaptação à escola, não é boa opção.

“Os pais podem ser um auxílio em alguma dúvida, dar orientação, mas nunca serem companheiro de estudo. O estudo é, e deve ser, um ato individual que depois se socorre de auxílios, como o livro, a calculadora, a internet ou os pais”, defende o autor.

Não só porque é necessário fomentar desde cedo a autonomia no estudo, como por razões de ordem mais prática: “Os pais não sabem todas as matérias nem são capazes de acompanhar todos os anos. Além disso, não é só preciso saber da matéria, mas também saber explicar de forma correta.”

Fazer os resumos para os filhos, por exemplo, pode parecer uma ajuda, mas é na realidade complicar-lhes a vida, pelo menos a médio prazo.

A segunda atitude, de “não querer saber”, defende que já esbarra no desleixo, porque a autonomia é, antes de mais, dar condições para o desenvolvimento dessa mesma autonomia.

E isso passa pela necessidade inicial de algum apoio e, sobretudo, pelo interesse.
Marta Simões, mãe de Diogo, de 11 anos e Joana, de 9 anos, alinha neste equilíbrio. “Eles sabem que a responsabilidade é deles e a minha participação funciona como uma ‘supervisão’.”

Diogo e Joana fazem os TPC sozinhos, mas sabem que podem tirar dúvidas com a mãe, que está sempre por perto, e em relação ao estudo gostam apenas que a mãe lhes faça perguntas sobre a matéria. “Opto sempre por lhes pedir que estudem sossegados no quarto, e quando acharem que já estão preparados tiro uma hora para estar com eles a fazer perguntas.”

Até hoje tem dado bons resultados e funcionado bem, são os dois responsáveis e bons alunos. Marta está ciente que de futuro não vai poder tirar-lhes dúvidas nem estudar com eles, à medida que o nível de exigência for subindo, mas acredita que, até lá, conseguirão adquirir em pleno os métodos e os instrumentos necessários para a sua autonomia e, um dia, o papel dela vai acabar por passar para os colegas dos filhos.

Os pais mais zelosos estão a ser bem intencionados, mas nem sempre estão a seguir o melhor caminho. Fazer os resumos para os filhos, por exemplo, pode parecer uma ajuda, mas é na realidade complicar-lhes a vida, pelo menos a médio prazo.

“Entendo o objetivo – que é poupar algum trabalho aos filhos para eles poderem brincar ou fazer outras coisas –, mas é estar a tirar-lhes a melhor forma que têm de aprender: resumir é mais de cinquenta por cento da aprendizagem, se os pais assumem essa tarefa, estão a tirar à criança a capacidade de aprender por ela própria”, explica Magda Gomes Dias, Maria João Tavares está familiarizada com essa teoria, mas não concorda com ela.

Perante a desmotivação da filha Estela, de 10 anos, que está numa fase em que acha a escola uma seca e não gosta de estudar, acaba por se sentar junto dela para a ajudar a fazer resumos, sobretudo ao fim de semana. “Os TPC faz sozinha, mas o estudo tenho sempre de acompanhar, não tem motivação para o fazer sozinha.”

Nunca equacionou deixar a filha por sua própria conta, de forma a confrontá-la com a necessidade de estudar mais porque entende que ela com 10 anos ainda não tem maturidade para isso.

“Não receio criar uma dependência, um dia irá estudar sozinha: todos temos ritmos diferentes. Procuro encontrar formas de a motivar e acho que não devo desresponsabilizar-me”, diz Maria João, que entretanto pôs também a filha num centro de estudos três tardes por semana.

Renato Paiva garante que uma das principais questões dos filhos é a do sentido da escola. “Há muitos alunos que não perceberam para que serve a escola. Porque devem estudar Físico-Química, ou Filosofia, ou Matemática se o interesse deles é outro”, já os pais, garante, esperam demasiado desta.

“Delegam na escola grande parte do trabalho. Em parte com razão, mas também têm uma responsabilidade inerente da qual não devem alhear-se.” O tal meio-termo, tantas vezes difícil de alcançar.

A motivação é, de resto, um dos aspetos essenciais da relação dos miúdos com a escola e, muitas vezes, as dificuldades são consequência da sensação que têm de que aquilo que estão a aprender não serve para nada. Mas o que podem os pais fazer para combater isto?

“A motivação é uma porta que abre por dentro», diz Magda Gomes Dias. «Não consigo motivar ninguém que não queira ser motivado, mas é importante interessar-me e tentar ajudar a tornar a matéria interessante integrando-a, quando é possível, no dia-a-dia: ir dar um passeio para ver onde o escritor escreveu aquele livro, procurar um filme relacionado com a matéria e vê-lo com os miúdos”, exemplifica.

Já as coisas abstratas, não integráveis no dia-a-dia, mas que têm de ser sabidas, permitem, de acordo com a coach, outra aprendizagem – penosa, mas importante: a do espírito de sacrifício, que vamos ter de usar tantas vezes pela vida fora.