Os cancros do sangue que não têm cura

Texto de Sara Dias Oliveira

Os cancros do sangue estão entre as doenças malignas mais curáveis da oncologia. No entanto, nem tudo são boas notícias nesta área e há doenças complexas em termos genéticos e moleculares que tornam os tratamentos missões quase impossíveis. Anemia na síndrome mielodisplásica e leucemia mieloide aguda, cancros do sangue, estão nessa lista. Pelas piores razões.

A leucemia mieloide aguda é um tipo de cancro nas células do sangue e da medula óssea. Trata-se de uma leucemia composta por células mieloides anormais, em geral glóbulos brancos anormais e disfuncionais, e caracteriza-se por anemia, baixas defesas contra infeções, alterações da coagulação sanguínea. Nas síndromes mielodisplásicas, há um bloqueio na diferenciação ou maturação das células “mãe” e o próprio sistema imunológico pode destruir essas células do sangue, que reconhece como anormais, levando à anemia.

A leucemia mieloide aguda é um dos tipos mais comum de leucemia em adultos. As células sanguíneas imaturas multiplicam-se rapidamente, atingindo outras estruturas como os nódulos linfáticos, fígado, baço, cérebro, medula espinhal e testículos.

Os doentes com anemia na síndrome mielodisplásica têm de realizar transfusões com bastante regularidade, à falta de um tratamento mais adequado. É uma doença que se manifesta principalmente em pessoas com mais de 60 anos. As transfusões acabam por ser cansativas e podem provocar uma sobrecarga de ferro no organismo.

A taxa de cura das leucemias mieloblásticas tem vindo a melhorar, mas de uma forma muito lenta, e as síndromes mielodisplásicas mantêm-se, basicamente, incuráveis. “A dificuldade no tratamento deve-se à complexidade genética e molecular destas doenças, mais próximas dos tumores sólidos, como os do estômago ou do pâncreas. Espera-se que a descoberta progressiva dessas alterações permitam novos avanços terapêuticos”, adianta à NM Herlander Marques, oncologista no Hospital de Braga, e investigador do Centro Clínico Académico de Braga e do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.

Nos cancros do sangue, há lacunas que persistem, nomeadamente novos tratamentos mais específicos e adaptados a cada doença

O tratamento das síndromes mielodisplásicas varia conforme o risco da doença. “Nos doentes de baixo risco, em que a doença evoluiu de forma mais lenta, a anemia, a baixa dos glóbulos brancos e das plaquetas podem ser melhorados com os chamados fatores de crescimento hematopoiéticos para estimular a produção das células do sangue. No entanto, a resposta à terapêutica nem sempre ocorre (ou vai-se perdendo com o tempo) e a necessidade de transfusões continua a existir”, revela o especialista.

O assunto é sério. Herlander Marques refere que “as síndromes mielodisplásicas são incuráveis, embora controláveis, e as leucemias mieloides agudas, com o nosso atual arsenal terapêutico, só são curáveis em cerca de 30% dos casos – em que as células apresentam alterações genéticas de bom prognóstico. Este dado contrasta com a leucemia linfoblástica, por exemplo, onde as taxas de cura se situam acima de 80% na criança e em cerca de 50% no adulto.”

Estão a ser testados novos fármacos dirigidos a alvos moleculares e analisadas novas modalidades terapêuticas de base imunológica

Nas síndromes mielodisplásicas de alto risco, de evolução mais rápida, o tratamento é feito com quimioterapia citotóxica de intensidade geralmente baixa ou moderada, em geral com agentes diferenciadores que induzem uma maturação celular mais próxima do normal. Tal como nos doentes de baixo risco, nestes doentes há, frequentemente, necessidade de transfusões. O tratamento da leucemia mieloblástica aguda é feito, quase sempre, com poliquimioterapia agressiva.

“No entanto, têm surgido terapêuticas dirigidas a alvos moleculares recentemente descobertos, resultantes das alterações genéticas e que estão na base do desenvolvimento da doença. Infelizmente, essas situações ainda são raras e aplicam-se às alterações genéticas de bom prognóstico, minoritárias relativamente às de mau prognóstico”, diz o especialista.

A anemia na síndrome mielodisplásica e a leucemia mieloide aguda são, portanto, dois exemplos de patologias que não dispõem de tratamentos adequados. Há esforços para conhecer e descrever alterações moleculares e desenhar fármacos, há medicamentos a ser testados. Herlander Marques garante que têm havido desenvolvimentos noutras áreas da oncologia e que podem trazer boas notícias para estes cancros do sangue. Ou seja, descreve, “fármacos que atuam por via imunológica (como os anticorpos), outros que ativam as nossas células imunes e, ainda, a utilização das próprias células imunes reprogramadas fora do corpo para atacar as células malignas, e seguidamente reinjetadas no doente, que também estão a ser testadas na leucemia aguda.”