Os animais têm sentimentos?

Texto de Fátima Mariano

Tendemos a considerar que determinados comportamentos nos animais são a expressão de um sentimento. Uma cadela que amamenta leitões rejeitados pela mãe significa que sente empatia por eles? Um elefante que investe contra uma pessoa que lhe atirou pedras fá-lo por vingança?

Paulo Mota, do Departamento de Ciências da Vida da Universidade de Coimbra e membro da Sociedade Portuguesa de Etologia, coloca uma questão prévia: como definimos sentimento? “É muito complicado avaliar se a reação comportamental que um cão tem em relação ao dono, por exemplo, significa que o cão tem amor pelo dono. Mesmo entre os humanos, não encontramos uma definição única para amor”, refere.

Gonçalo da Graça Pereira, especialista europeu em comportamento e bem-estar animal, começa por esclarecer que “o sentimento está definido pelo animal humano”.

“Nós, humanos, gostamos de rotular, e esperamos encontrar no outro aquilo que sentimos. Os animais têm várias formas de emoção, mas não quer dizer que sintam o mesmo que nós.”

Os cães e gatos que permanecem junto ao túmulo do dono são um bom exemplo. Graça Pereira, também fundador e diretor científico-pedagógico do Centro para o Conhecimento Animal (CCA), diz que esses animais passam por “uma fase de grande ansiedade” – apresentando reações fisiológicas que são mensuráveis -, à qual se segue um período de readaptação. “Isso é certamente ansiedade, mas ocorrendo no animal humano, seria classificado como saudade.”

“Os animais têm várias formas de emoção, mas não quer dizer que sintam o mesmo que nós.”

Volta-se ao significado dos conceitos. Emoção é diferente de sentimento? Sara Fragoso, docente de Etologia e Psicologia Comparada no Instituto Piaget e também fundadora do CCA, explica: “A emoção é uma sensação que produz alterações fisiológicas; o sentimento é a forma como processamos a informação.”

O choro (reação fisiológica; emoção) pode ocorrer em situações de alegria ou de tristeza (forma como a informação é processada; sentimento). Os animais são seres sencientes (têm emoções), mas ainda não há evidência científica suficiente que permita dizer que têm sentimentos.

Por exemplo, os animais que choram a caminho do matadouro reagem assim por estarem numa situação de tensão e não por tristeza pelo que lhes vai acontecer. “Eles não sabem que vão para o matadouro, mas o transporte e toda a novidade da situação criam um estado emocional negativo de grande stress e ansiedade”, diz Gonçalo da Graça Pereira.

Os animais que choram a caminho do matadouro reagem assim por estarem numa situação de tensão e não por tristeza pelo que lhes vai acontecer.

Saudade é ciência?
Partindo da experiência profissional, Cláudia Estanislau, membro da Associação de Profissionais em Comportamento Animal, considera que um animal que come menos quando o dono está ausente por períodos longos tem esse comportamento porque sente saudade. “Mas não posso dizer que, cientificamente, isso é saudade”, ressalva.

Se se considerar que é saudade, “será que a saudade de um animal é igual à saudade de um ser humano?”, pergunta Paulo Mota. “Mesmo na espécie humana, há um grande grau de variabilidade.”

Telma Araújo, bióloga e responsável da curadoria das aves e dos répteis no Jardim Zoológico de Lisboa, não hesita quando se pergunta se os animais têm sentimentos. “Claro que sim. Eles têm comportamentos que expressam sentimentos.” No dia-a-dia do zoo, isso é visível. “Os animais têm uma ligação mais forte com um tratador do que com outro. Aproximam-se mais, permitem que ele lhe mude a comida ou a água mais facilmente.… Mas isto não é ciência.”

Alex, o papagaio que dizia “amo-te”
Em 1977, Irene Pepperberg comprou um papagaio-cinzento que batizou de Alex. O objetivo da cientista americana, especialista em cognição animal, era estudar as capacidades de conhecimento das aves, que à época não eram consideradas animais inteligentes.

Alex aprendeu 100 palavras em inglês, a somar e a contar, e a identificar cores. Compreendia conceitos como maior, menor, mais, pouco, nenhum, igual e diferente. Com o passar do tempo, Alex e Irene acabaram por estabelecer uma relação emocional que surpreendeu até a comunidade científica. No livro “Alex e eu”, publicado em 2008, a investigadora relata episódios reveladores dos sentimentos que o papagaio nutria por ela.

Todas as noites, Alex dizia a Irene: “Fica bem. Amo-te. Até amanhã.” No livro, a cientista conta que Alex tinha saudades suas e mostrava ciúmes sempre que ela dava atenção a outros papagaios ou pessoas. Quando se cansava de repetir os testes, era capaz de lhe pregar partidas ou arremessar os objetos com o bico. Se Irene se mostrava irritada, ele dizia: “Desculpa.” Alex morreu a 6 de setembro de 2007, com 31 anos.