O som é meu

Texto de Filomena Abreu

Finais do século XIX. As centrais de atendimento telefónico fervilham. Há um constante ruído de fundo – trriim-trriim-trriim – misturado com vozes simpáticas, seladas por um clack-clack metálico de cabos jack a encaixar em ranhuras. O trabalho é feito por dezenas de mulheres, sentadas em frente a painéis. Eram elas que atendiam e redirecionavam chamadas, um pouco por todo o Mundo. Em comum, além da destreza das operações, tinham um apetrecho sobre as cabeças. Volvidos quase 200 anos há, nas imagens a preto e branco daquela época, algo de muito atual: os auscultadores.

Avanço no tempo. Hoje, quem não tem uns? Não faltam modelos e nomes: headphones, earphones, over-ear, on-ear, earbuds, in-ear, headset, e por aí fora. Os auriculares são, na verdade, pequenos altifalantes que colocamos nas orelhas para proporcionar uma audição de som privada e minimizar a interferência externa de outros sons. Mais vistosos ou mais discretos, voltamos a dar-lhes muito uso na atualidade e não só para ouvir música, já que passamos muitas horas ao telefone. E um dos benefícios dos auscultadores é diminuir os danos na coluna.

Verdadeiramente, tudo poderia ter início com os estetoscópios, que desde 1850 são utilizados pelos médicos para ouvir o bater do nosso coração, mas a linha cronológica dos auscultadores começou oficialmente em 1881, quando um aparelho para ouvir música ganhou destaque em Paris.

O Théâtrophone era uma caixa com ligação telefónica, em que, com dois fones, se podia ouvir óperas ou peças de teatro. Passados 14 anos, algo idêntico chega ao Reino Unido. O Electrophone até notícias passava. A par disto, aos ombros das telefonistas já eram postas peças únicas, com mais de 4,5 quilogramas, por onde se falava e se escutavam chamadas. Em 1891, o parisiense Ernest Mercadier patenteou o “bi-telephone” – um par de pontas envoltas em borracha que fechavam as orelhas a sons externos, que serviam apenas para chamadas.

Só em 1910 nasceu o primeiro par de auscultadores. O formato era idêntico aos que hoje conhecemos. A invenção deve-se a Nathaniel Baldwin, que fabricava tudo na cozinha da sua casa. Depois disso, a evolução foi muito rápida. Mas trabalhava-se sobretudo para circuitos profissionais fechados. Por isso, apenas em 1979 é que indústria se vira para o grande público, quando a Sony lançou o Walkman, um aparelho portátil para ouvir cassetes, que vinha com auscultadores.

A partir daí, a indústria tentou sempre aliar a melhor qualidade de som à diminuição do tamanho dos auriculares. Até que, em 2008, o rapper Dr. Dre e o produtor musical Jimmy Iovine se mostraram insatisfeitos com a qualidade dos fones de plástico que acompanhavam os badalados iPods da Apple. Isso resultou na prestigiada e cara Beats.

Andar com auscultadores grandes ao pescoço passou assim a ser sinónimo de status e de melhor qualidade de equipamentos de som. Os fones conquistaram espaço no segmento de luxo, num mercado muito rentável. É da guerra entre marcas que saem as novidades, como os recentes fones, que nos permitem ouvir chamadas e música via bluetooth ou wireless. Mas os grandes auscultadores continuam na moda e não devem sair de cena tão cedo. No meio de tudo isso, só é preciso ter cuidado com o volume de som.