O fenómeno da gata sem boca

A Hello Kitty tem 45 anos e está em Portugal há 25. É uma marca emocional, com impacto, e artigos de toda a espécie — de trelas para animais a suporte para ovos. Um ícone planetário.

Tudo começou do outro lado do Mundo, no Japão, com uma indicação precisa, um objetivo concreto. A Sanrio, empresa instalada em Tóquio, pediu à designer Ikuko Shimizu para dar vida a uma personagem animal que puxasse pela criança que há dentro de cada um. E assim, em 1974, nascia a Hello Kitty, gata japonesa vestida de azul com laço vermelho na cabeça e sem boca para guardar segredos ou experimentar os sentimentos de quem está a seu lado.

A primeira imagem da Kitty foi estampada num pequeno porta-moedas, o primeiro artigo que hoje é peça de museu e vale milhões. Daí para outros produtos foi um pulo, a lista nunca mais parou de aumentar e hoje é interminável.

Quase tudo o que existe, a Hello Kitty tem. É todo um mundo quitado – ou, no caso, kittado. Peluches de vários tamanhos, canetas, lápis, cadernos, mochilas, malas de mão e malas de viagem, coleções de roupa, joias de luxo, pauzinhos de sushi, tapetes de automóvel, escovas de dentes, transportador de bananas, trelas para animais, máquinas de gelados e de pipocas, doseadores de cereais, sapatilhas, caixas de comprimidos, guarda-chuvas, cosméticos, cobertores, clipes, autocolantes, brinquedos, moldes de bolachas, suportes de ovos.

A diversidade é imensa. A Hello Kitty tem também parques temáticos em vários países, um Airbus 330-200 com hospedeiras vestidas a rigor, hotéis, cafés. Tudo à imagem e semelhança da Kitty. Tudo fofinho, tudo a pender para o cor-de-rosa.

Um acaso feliz

A Hello Kitty chegou a Portugal há 25 anos. Patrícia Vasconcelos é a representante exclusiva da marca no nosso país e fã incondicional da Kitty desde miúda. Já adulta, no Japão, numa das feiras em que a empresa familiar Bi-Silque, líder de mercado no setor da comunicação visual que produz quadros para ambientes educativos e corporativos, se fez representar, a oportunidade caiu-lhe no colo. No sítio certo, à hora certa.

A Sanrio propôs-lhe exclusividade da marca para Portugal. Agarrou o convite com vontade e determinação. “Foi um acaso feliz”, conta. Mas havia muito trabalho pela frente, a Kitty não era muito conhecida por cá, a fama concentrava-se sobretudo no Japão e nos Estados Unidos da América. “Os primeiros anos foram de luta e de trabalho árduo, arranjar uma equipa de vendas, conquistar o público-alvo.”

Patrícia Vasconcelos é representante da marca em Portugal. Fotografada na loja em Esmoriz (Foto: André Gouveia/Global Imagens)

Cinco anos depois, em, 1999, a gata japonesa passa para outro patamar, ganha outra dimensão. A estratégia de aparecer na série televisiva “Morangos com Açúcar” acerta em cheio. As “moranguitas” Jéssica Athayde, Victoria Guerra e Helena Costa dão visibilidade à Kitty. Todos os artigos que ali aparecem esgotam rapidamente. A atriz Rita Pereira, também “moranguita”, torna-se embaixadora da marca. É o boom Hello Kitty em Portugal.

Patrícia Vasconcelos, diretora executiva da Bi-Joy, agora empresa distribuidora exclusiva no nosso país, não tem mãos a medir. Três lojas em Lisboa, duas no Porto, uma no Estoril, outra em Braga e mais uma em Faro. Chega a crescer 260% num só ano, atinge uma faturação de nove milhões de euros, não sente o pico da crise. É um fenómeno: a Hello Kitty mantém-se no auge durante cerca de 12 anos. Há meia década, a marca estabilizou.

Hello Kitty em pauzinhos adequadamente cor-de-rosa.

Tem uma loja na Rua da Indústria, em Esmoriz, as vendas são essencialmente feitas online, está nas redes sociais, edita uma revista e está em 40 espaços comerciais de norte a sul. Os produtos saem de Hamburgo, Alemanha, uma das bases da marca japonesa e onde são desenvolvidas as coleções para a Europa, e chegam a Esmoriz por via terrestre, em camiões. Os artigos são distribuídos a partir daqui.

“É uma marca que tem impacto e que é muito emocional. Não está parada, não está esquecida”, garante a empresária. É transversal a todas as idades, crianças, adolescentes, jovens, senhoras, e já alargou o leque ao género masculino com boxers, gravatas, malas. Para Patrícia Vasconcelos, a gata não é apenas uma boneca, é um ícone também. “A Kitty transmite valores de amizade e otimismo, tem acompanhado a infância de muitas crianças.”

Recriação da boneca da autoria de Maria Gambina

Em 2009, os 35 anos da Hello Kitty foram celebrados com pompa e circunstância em Portugal. A gata foi personalizada por várias figuras públicas e 19 designers foram desafiados a apresentar roupa Kitty na edição da Moda Lisboa desse ano. A artista plástica Joana Vasconcelos inspirou-se nas suas peças da série Valquírias e criou uma Valkitty.

O primeiro objeto da marca foi um porta-moedas saído em 1974

A designer de moda Katty Xiomara, que cresceu com a gata sem boca, vestiu a boneca com um lenço vermelho. A designer de moda Maria Gambina escreveu no corpo da gata e colocou-lhe uma burca. Dino Alves desenhou um vestido em organza preto, Luís Buchinho um vestido de texturas plissadas, Miguel Vieira um vestido branco assimétrico com pregas. A venda das peças dos estilistas de renome reverteu a favor da Associação Ajuda de Berço. O mundo Kitty não tem fim à vista.

Embaixadora de crianças

Em 1975, a Sanrio apresenta a família da Kitty: o papá, a mamã e a irmã Mimmy. Quatro anos depois, a gata ganha um avô e uma avó. Em 1983 é nomeada, pela UNICEF, embaixadora das crianças para os Estados Unidos, em 1988 aparece a primeira série de desenhos animados Hello Kitty no canal americano CBS e no ano seguinte é lançada a primeira banda desenhada na América.

Em 1994, a UNICEF volta a nomeá-la embaixadora das crianças, desta vez no Japão, sua terra natal. Em 2008, o governo japonês torna a gata sem boca embaixadora para o turismo na China e em Hong Kong, e o primeiro hospital Hello Kitty abre em Taiwan.